Discurso inédito no parlamento germânico lembra experiência do regime nazi e apela a compromisso político pela justiça
“Foi na base da convicção sobre a existência de um Deus criador que se desenvolveram a ideia dos direitos humanos, a ideia da igualdade de todos os homens perante a lei, o conhecimento da inviolabilidade da dignidade humana em cada pessoa e a consciência da responsabilidade dos homens pelo seu agir”, disse, no primeiro discurso proferido por um Papa no parlamento federal alemão (Bundestag).
Ao contrário de outras grandes religiões, acrescentou, “o cristianismo nunca impôs ao Estado e à sociedade um direito revelado”, mas apelou para “a natureza e a razão como verdadeiras fontes do direito”.
“A cultura da Europa nasceu do encontro entre Jerusalém, Atenas e Roma, do encontro entre a fé no Deus de Israel, a razão filosófica dos gregos e o pensamento jurídico de Roma”, assinalou Bento XVI.
Após alertar que “o homem é capaz de destruir o mundo”, Joseph Ratzinger, nascido na Alemanha, falou da experiência do regime nazi, nas décadas de 30 e 40 do século passado.
“O Estado tornara-se o instrumento para a destruição do direito: tornara-se um bando de salteadores muito bem organizado, que podia ameaçar o mundo inteiro e impeli-lo até à beira do precipício”, recordou.
Neste contexto, o Papa declarou que “a política deve ser um compromisso em prol da justiça e, assim, criar as condições de fundo para a paz”.
Bento XVI chegou ao Bundestag com um ligeiro atraso, após um percurso em automóvel pela capital alemã, tendo sido recebido pelo presidente do parlamento, Norbert Lammert.
Cerca de uma centena dos 620 deputados alemães faltaram ao encontro, por considerarem que um discurso papal é incompatível com a neutralidade religiosa do Estado, mas os presentes assinalaram o momento com uma salva de palmas.
Sem aludir diretamente a este facto, Bento XVI falou do “papel que compete à Santa Sé como parceira no seio da comunidade dos povos e dos Estados”.
Para Bento XVI, “o princípio maioritário não basta” quando “está em jogo a dignidade do homem e da humanidade”.
O Papa admitiu dificuldades na missão de “reconhecer aquilo que verdadeiramente é justo e, deste modo, servir a justiça na legislação”, criticando a “concepção positivista, quase geralmente adotada hoje, de natureza e de razão”.
Bento XVI destacou, em particular, a situação na Europa, “onde vastos ambientes procuram reconhecer apenas o positivismo como cultura comum e como fundamento comum para a formação do direito”, colocando-se, “face às outras culturas do mundo, numa condição de falta de cultura” e suscitando, ao mesmo tempo, “correntes extremistas e radicais”.
O discurso papal - que gerou aplausos e algumas gargalhadas quando Bento XVI fez referências na primeira pessoa -, destacou, ainda, a mudança política gerada pelo aparecimento do movimento ecológico, nos anos 60 do século passado: “Quando na nossa relação com a realidade há qualquer coisa que não funciona, então devemos todos refletir seriamente sobre o conjunto e todos somos reenviados à questão acerca dos fundamentos da nossa própria cultura”.
Esta terceira viagem à Alemanha, a 21ª ao estrangeiro (16ª na Europa), prolonga-se até domingo e conta com passagens por Berlim, Erfurt, Etzelsbach e Friburgo, tendo como lema ‘Onde há Deus, há futuro’.
OC
(Fonte: site Agência Ecclesia)
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