A SIC, o principal canal português
de televisão referiu «centenas de pessoas contra o aborto e a eutanásia» e, na breve
reportagem que se seguiu, enquanto se ouvia a multidão gritar «toda a vida tem
dignidade», a locutora traduzia por «eles opõem-se ao aborto». O telejornal da
TVI e a CM TV deram um curto apontamento e a rádio da Igreja também deu a
notícia.
Nos jornais de referência não
encontrei nenhuma menção. No CM, que não se classificar como jornal de
referência, apareceu uma fotografia mal escolhida, quase sem texto.
Lembrei-me de me ter cruzado há
tempos com outra manifestação. Teria uns 8 manifestantes, talvez fossem 10, acompanhados
por meia centena de polícias. Um jornal de referência deu a notícia
circunstanciada, registando apenas que havia quase tantos manifestantes como
polícias, sem mencionar quantos manifestantes e quantos polícias. Diverti-me
muito com o eufemismo!
Entre a meia dúzia de amigos com
quem conversava na Caminhada pela Vida, alguém lançou a aposta de que a generalidade
dos meios de comunicação iria silenciar o acontecimento. Não conseguimos apostar
porque ninguém quis arriscar na hipótese contrária. Todos conhecemos a correlação
de forças na comunicação social e todos sabemos que, nos grandes meios, a
antiga missão de informar foi trocada por objectivos pedagógicos.
A intenção deste controlo
ideológico talvez seja melhorar o mundo (quem somos nós para julgar as
intenções) mas o preço desta opção é acabar com o jornalismo enquanto ofício de
informar.
A defesa da dignidade humana está a enfrentar obstáculos cada vez mais difíceis, contra o poder económico e o poder político. As maiores fortunas estão determinadas em promover a morte dos bebés, dos doentes, dos idosos, dos mais pobres. Os interesses económicos ligados à sexualização da vida social estão cada vez mais insaciáveis: já não lhes basta o negócio da pornografia e dos serviços sexuais, procuram alargar o mercado à homossexualidade e às experiências extravagantes. Estes recursos económicos capturaram a política e, neste momento, temos diversos Governos a subsidiar esta ideologia e a perseguir quem protesta.
Nos EUA e noutros países desenvolvidos,
já há muitos anos que se sofre na pele a valentia de defender o respeito pela
vida e os direitos humanos. A fase dura começa a chegar agora a Portugal, a
África e aos países mais pobres da América e da Ásia. Que vai acontecer por cá?
Preocupa-me a experiência de grandes heróis que sofreram generosamente mas não
aguentaram a pressão. Sem se aperceberem, gradualmente, substituíram a alegria de
viver pelo desejo de vingança. Alguns acabaram amargurados, detestando os que
os atacam e até os que não os acompanham na resposta agressiva. Dá imensa pena
ver grupos que outrora defenderam a vida, cheios de ideal, tantas vezes
inspirado pelo catolicismo, se dedicam hoje a atacar a Igreja e o Papa. Que vai
acontecer por cá?
Na Caminhada pela Vida, em
Lisboa, no meio de muitos cartazes sugestivos, encontrei um que reproduzia uma
fotografia infeliz da jovem Greta Thunberg e lhe fazia uma crítica. Assustei-me!
A mensagem maravilhosa da vida vai ser envenenada pelo espírito amargo da morte?
Os poderes que se opõem à dignidade
humana são tão esmagadores, e frequentemente tão cruéis, que só um milagre pode
fazer com que os mártires dos nossos dias consigam sofrer felizes, cheios de estima
pelos que lhes fazem mal. Parece impossível. No entanto, ao longo dos séculos,
este milagre aconteceu. Talvez a diferença entre o êxito e o fracasso seja que
uns confiam em Deus, os outros confiam nas próprias forças.
José Maria C.S. André