Quando o Papa João Paulo II
publicou a Encíclica «Laborem exercens» (14 de Setembro de 1981) e depois a
«Centesimus annus» (1 de Maio de 1991), várias multinacionais reconheceram que aqueles
problemas mereciam ser vistos com atenção. A maioria dos dirigentes de topo
daquelas empresas não eram católicos, mas reconheceram na Igreja uma autoridade
única para falar em nome da dignidade humana. Por um lado, os argumentos
pareciam razoáveis e intelectualmente estimulantes; por outro, quem cumprisse aquele
ideal corria o risco de ir à falência. Assim, parecia-lhes arriscado que a Igreja
pusesse o indivíduo e a sua família no centro, em vez de dar a primazia aos
accionistas da empresa.
O Papa João Paulo II falava do capital
como um instrumento útil — «que nasceu do trabalho e é portador das marcas do
trabalho humano» —, de modo que «não tem sentido contrapor o trabalho ao
capital e o capital ao trabalho, e, menos ainda se podem contrapor uns aos
outros os homens concretos, que estão por detrás destes conceitos». Em
contrapartida, «é preciso acentuar e pôr em relevo o primado do homem no
processo de produção, o primado do homem em relação às coisas».
«A Igreja acha-se vivamente
empenhada nesta causa, porque a considera como sua missão, seu serviço e como
uma prova da sua fidelidade a Cristo, para assim ser verdadeiramente a “Igreja
dos pobres”». A Igreja atribui valor ao trabalho, porque, por trás dele, vê
pessoas, famílias e a sua relação com a sociedade e com Deus.
Assim, por iniciativa das
referidas multinacionais, criou-se um grupo de trabalho, formado por
representantes do Vaticano e os responsáveis daquelas empresas, para estudar a
proposta da Igreja e o modo de a aplicar.
Na sequência do discurso de Bento
XVI na Universidade de Ratisbona (12 de Setembro de 2006) e dos ataques
inflamados de alguns muçulmanos, que resultaram na morte de vários católicos, meia
centena dos mais destacados responsáveis universitários do mundo árabe pediram
ao Vaticano que lhes explicasse em pormenor a doutrina da Igreja. Este contacto
com o cristianismo, que se prolongou por bastantes sessões, teve um impacto
muito grande na vida de vários dos que assistiram.
Em 24 de Maio de 2015, o Papa
Francisco publicou a Encíclica «Laudato si’», sobre o cuidado do mundo criado.
Deus colocou o mundo à nossa guarda para que o homem expressasse nele a sua
criatividade e o cuidasse como um jardim, como um lugar de encontro entre Deus
e todos os homens. Em consequência, é enorme a responsabilidade de respeitar
esta dávida e de a usar solidariamente.
As grandes multinacionais
petrolíferas do mundo ocidental leram cuidadosamente o documento e manifestaram
o desejo de um encontro, para compreender melhor a posição da Igreja. Foi assim
que, nos passados dias 8 e 9 de Junho, os responsáveis da Santa Sé estiveram
reunidos à porta fechada com as Administrações da ExxonMobil (com sede nos EUA),
da BP (com sede no Reino Unido), da Shell (com sede na Holanda), da Equinor (norueguesa),
da Eni (italiana) e da Pemex (mexicana). A questão em foco consistia em
conjugar a sustentabilidade ambiental, económica e social; o título geral era
«A transição energética e o cuidado da nossa casa comum».
O Papa recebeu o grupo e
dirigiu-lhes um discurso. Não se pronunciou sobre questões técnicas mas recordou
que «a responsabilidade social das empresas e os critérios de investimento
devem ter presente o bem comum a longo prazo, para que haja verdadeira
solidariedade entre as gerações, evitando (...) pequenos resultados de curto
prazo que deixem para as gerações futuras custos e prejuízos altíssimos».
Estes problemas têm sobretudo uma
dimensão ética e humana. «Uma fé absoluta nos mercados e na tecnologia levou
muitos a julgar que seria suficiente alterar os sistemas económicos ou tecnológicos
para remediar os desequilíbrios ecológicos e sociais». É preciso muito mais do
que isso, é preciso mudar os corações. E não só de alguns indivíduos. Os
problemas ambientais «têm um impacto global e portanto exigem uma resposta
global, procurada com paciência e diálogo, com racionalidade e constância».
Neste mundo complexo, em que se ataca violentamente a
Igreja, também há pessoas que, mesmo não sendo católicas, a olham com imenso
respeito e a querem ouvir.
José Maria C.S. André
16-VI-2018
Spe Deus