Queridos irmãos e irmãs, Cristo ressuscitou!
É maravilhosa a saudação com que, no vosso país, os cristãos trocam entre si a alegria do Ressuscitado neste tempo pascal.
Narrado no fim dos Evangelhos, o episódio que escutamos permite-nos mergulhar nesta alegria que o Senhor nos convida a «contagiar», lembrando-nos três realidades estupendas que marcam a nossa vida de discípulos: Deus chama, Deus surpreende, Deus ama.
Deus chama. Tudo acontece nas margens do lago da Galileia, onde Jesus chamara Pedro. Tinha-o convidado a deixar a profissão de pescador de peixes para se tornar pescador de homens (cf. Lc 5, 4-11). Agora, depois de todo o caminho feito, depois da experiência de ver morrer o Mestre e, não obstante o anúncio da sua ressurreição, Pedro volta à sua vida antiga: «Vou pescar» – diz ele. E os outros discípulos fazem igual: «Nós também vamos contigo» (Jo 21, 3). Parece que dão um passo atrás; Pedro retoma as redes a que renunciara por Jesus. O peso do sofrimento, da deceção e até da traição tornara-se uma pedra difícil de remover no coração dos discípulos; sentiam-se ainda feridos sob o peso da amargura e da culpa, e a boa nova da Ressurreição não ganhara raízes no seu coração. O Senhor sabe como é forte em nós a tentação de voltar às coisas do passado. Na Bíblia, as redes de Pedro – como as cebolas do Egipto – são símbolo da tentação da nostalgia do passado, de pretender de volta algo daquilo que se quisera deixar. Perante as experiências de fracasso, de amargura e até do facto de as coisas não resultarem como se esperava, aparece sempre uma subtil e perigosa tentação que convida ao desânimo, a desistir. É a psicologia do sepulcro que tinge tudo de resignação, fazendo-nos apegar a uma tristeza adocicada que corrói, como a traça, toda a esperança. Assim se consolida a maior ameaça que se pode enraizar numa comunidade: o pragmatismo cinzento da vida, na qual aparentemente tudo procede dentro da normalidade, mas na realidade a fé vai-se apagando e degenerando na mesquinhez (cf. FRANCISCO, Exort. ap. Evangelii gaudium, 83).
Mas precisamente lá, no fracasso de Pedro, chega Jesus. Recomeça do princípio, com paciência sai ao seu encontro e diz-lhe: «Simão…» (Jo 21, 15). Era o nome da primeira chamada. O Senhor não espera situações ou estados de ânimo ideais, cria-os. Não espera encontrar-Se com pessoas sem problemas, sem deceções, pecados ou limitações. Ele mesmo enfrentou o pecado e a deceção, para ir ao encontro de cada vivente e convidá-lo a caminhar. Irmãos, o Senhor não Se cansa de chamar. É a força do Amor que subverte todas as previsões e sabe recomeçar. Em Jesus, Deus sempre procura dar uma possibilidade. E assim procede também connosco: chama-nos cada dia para reviver a nossa história de amor com Ele, para voltar a fundar-nos na novidade que é Ele. Todas as manhãs, procura-nos lá onde estamos e convida «para nos levantarmos, ressuscitarmos à sua Palavra, olharmos para o alto e crermos que somos feitos para o Céu, não para a terra; para as alturas da vida, não para as torpezas da morte» e convida-nos a não buscar «o Vivente entre os mortos» (FRANCISCO, Homilia na Vigília Pascal, 20 de abril de 2019). Quando O acolhemos, subimos mais alto, abraçamos o nosso futuro mais belo, não como uma possibilidade, mas como uma realidade. Quando é a chamada de Jesus que orienta a vida, o coração rejuvenesce.
Deus surpreende. É o Senhor das surpresas que convida não só a surpreender-se, mas também a realizar coisas surpreendentes. O Senhor chama e, encontrando os discípulos com as redes vazias, propõe-lhes algo de insólito: pescar de dia, o que é bastante estranho naquele lago. Devolve-lhes confiança, colocando-os em movimento e impelindo-os de novo a arriscar, a não dar nada e, especialmente, ninguém por perdido. É o Senhor da surpresa que rompe os fechamentos paralisadores, restituindo a audácia capaz de superar a suspeita, a desconfiança e o medo que se esconde por trás do «sempre se fez assim». Deus surpreende, quando chama e convida a lançarmos, já não as redes, mas a nós mesmos ao largo na história e a olhar a vida, a olhar os outros e também a nós mesmos com os seus próprios olhos que, «no pecado, vê filhos carecidos de ser levantados; na morte, irmãos carecidos de ressuscitar; na desolação, corações carecidos de consolação. Por isso, não temas! O Senhor ama esta tua vida, mesmo quando tens medo de a olhar de frente e tomar a sério» (Ibidem).
Chegamos, assim, à terceira certeza de hoje: Deus ama. Deus chama, Deus surpreende, porque Deus ama. O amor é a sua linguagem. Por isso, pede a Pedro – e a nós – para sintonizar-se com a mesma linguagem: «… amas-Me?» Pedro acolhe o convite e, depois de tanto tempo passado com Jesus, compreende que amar significa deixar de estar no centro. Agora já não começa de si mesmo, mas de Jesus: «Tu sabes tudo…» (Jo 21, 17) – responde ele. Reconhece-se frágil, compreende que, só com as suas forças, não pode prosseguir. E baseia-se no Senhor, na força do seu amor, até ao fim. Esta é a nossa força, que somos convidados a renovar todos os dias: o Senhor ama-nos. Ser cristão é uma chamada a ter confiança que o Amor de Deus é maior do que qualquer limite ou pecado. Um dos grandes desgostos e obstáculos, que hoje sentimos, situa-se não tanto ao nível da compreensão de que Deus é amor, mas no facto de termos chegado a anunciá-Lo e testemunhá-Lo duma maneira tal, que, para muitos, este não é o seu nome. Mas Deus é amor, que ama, dá-Se, chama e surpreende.
Eis o milagre de Deus que faz, das nossas vidas, obras de arte, se nos deixarmos guiar pelo seu amor. Nesta terra abençoada, muitas testemunhas da Páscoa criaram magníficas obras-primas, inspiradas por uma fé simples e um amor grande. Oferecendo a vida, foram sinais vivos do Senhor, sabendo superar corajosamente a apatia e dando uma resposta cristã às preocupações que se lhes apresentavam (cf. FRANCISCO, Exort. ap. pós-sinodal Christus vivit, 174). Hoje somos convidados a contemplar e descobrir aquilo que o Senhor fez no passado, para nos lançarmos com Ele rumo ao futuro, sabendo que sempre, tanto nos êxitos como nos fracassos, voltará a chamar-nos convidando-nos a lançar as redes. Aquilo que disse aos jovens na Exortação que escrevi recentemente, quero repeti-lo a vós também. Uma Igreja jovem, uma pessoa jovem, não pela idade, mas pela força do Espírito, convida-nos a testemunhar o amor de Cristo, um amor que impele e nos leva a estar prontos para lutar pelo bem comum, a ser servidores dos pobres, protagonistas da revolução da caridade e do serviço, capazes de resistir às patologias do individualismo consumista e superficial. Enamorados por Cristo, sede testemunhas vivas do Evangelho em todos os cantos desta cidade (cf. Ibid., 174-175). Não tenhais medo de ser os santos de que esta terra precisa; uma santidade, que não vos tirará forças, nem vida nem alegria; muito pelo contrário, porque chegareis a ser, vós e os filhos desta terra, aquilo que o Pai sonhou quando vos criou (cf. FRANCISCO, Exort. ap. Gaudete et exsultate, 32).
Chamados, surpreendidos e enviados por amor!