Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

segunda-feira, 31 de dezembro de 2018

Homilia do 'Te Deum' de agradecimento pelo ano que termina

No final do ano, a Palavra de Deus acompanha-nos com estes dois versículos do apóstolo Paulo (cf. Gal 4, 4-5). São expressões breves e densas: uma síntese do Novo Testamento que dá sentido a um momento «crítico» como é sempre uma passagem de ano. A primeira expressão que nos sensibiliza é «plenitude do tempo». Assume uma ressonância particular nestas horas finais dum ano solar, em que sentimos ainda mais a necessidade de algo que encha de significado o transcorrer do tempo. Algo, ou melhor, alguém. E este «alguém» veio. Deus enviou-o: é «o seu Filho», Jesus. Celebramos há pouco o seu nascimento: nasceu duma mulher, a Virgem Maria; nasceu sob a Lei, um menino hebreu, sujeito à Lei do Senhor. 

Mas, como é possível? Como pode ser isto o sinal da «plenitude do tempo»? Claro, por enquanto é quase invisível e insignificante, mas, dentro de pouco mais de trinta anos, aquele Jesus desencadeará uma força inaudita, que dura ainda e durará ao longo da história inteira. Esta força chama-se Amor. É o amor que dá plenitude a tudo, mesmo ao tempo; e Jesus é o «concentrado» de todo o amor de Deus num ser humano. São Paulo diz, claramente, o motivo por que o Filho de Deus nasceu no tempo, qual é a missão que o Pai Lhe confiou para realizar: nasceu «para resgatar». 

Esta é a segunda palavra que nos sensibiliza: resgatar, isto é, fazer sair duma condição de escravidão e restituir à liberdade – à dignidade e à liberdade próprias de filhos. A escravidão que o apóstolo tem em mente é a da «Lei», entendida como um conjunto de preceitos que devem ser observados, uma Lei que certamente educa o homem, é pedagógica, mas não o liberta da sua condição de pecador; antes, de certo modo «crava-o» a esta condição, impedindo-o de atingir a liberdade do filho. Deus Pai enviou ao mundo o seu Filho Unigénito para desenraizar do coração do homem a escravidão antiga do pecado e, assim, restituir-lhe a sua dignidade. Pois, é do coração humano – como Jesus ensina no Evangelho (cf. Mc 7, 21-23) – que saem todas as más intenções, as iniquidades que corrompem a vida e as relações. 

E aqui devemos deter-nos; deter-nos a refletir com amargura e arrependimento porque, também durante este ano que chega ao fim, muitos homens e mulheres viveram, e vivem, em condições de escravidão, condições indignas de pessoas humanas. Também na nossa cidade de Roma, há irmãos e irmãs que, por vários motivos, estão neste estado. Penso, de modo particular, naqueles que vivem sem um lar. São mais de dez mil. De inverno, a sua situação é particularmente dura. Todos eles são filhos e filhas de Deus, mas diferentes formas de escravidão, por vezes muito complexas, levaram-nos a viver no limite extremo da dignidade humana. O próprio Jesus nasceu em condição semelhante, mas não por acaso nem por um incidente: quis nascer assim, para manifestar o amor de Deus pelos humildes e os pobres e, deste modo, lançar no mundo a semente do Reino de Deus, Reino de justiça, amor e paz, onde ninguém é escravo, mas todos são irmãos, filhos do único Pai. 

A Igreja que está em Roma não quer ficar indiferente às escravidões do nosso tempo, nem limitar-se a observá-las e prestar-lhes assistência, mas quer estar dentro desta realidade, próxima a estas pessoas e situações. Apraz-me encorajar esta forma da maternidade da Igreja, ao celebrarmos a maternidade divina da Virgem Maria. Contemplando este mistério, reconhecemos que Deus «nasceu de uma mulher» para que nós pudéssemos receber a plenitude da nossa humanidade, «a adoção de filhos». Pelo seu abaixamento, fomos solevados. Da sua pequenez, veio a nossa grandeza. 

Da sua fragilidade, a nossa força. De Ele Se fazer servo, a nossa liberdade. 

Que nome dar a tudo isso, senão Amor? Amor do Pai e do Filho e do Espírito Santo, a Quem a santa mãe Igreja eleva em todo o mundo, nesta tarde, o seu hino de louvor e agradecimento.

«Non finito», pintura do Infinito

Vou transcrever extensos parágrafos de Maria Zarco sobre um quadro de Leonardo da Vinci [1], que vem a propósito deste Natal de 2017. O quadro, que tinha sido levado em 2011 para restauro, voltou agora a casa, na «Galleria degli Uffizi», em Florença. Uma entrada espectacular por uma janela alta do edifício, à uma da manhã, com escolta de «carabinieri», suspenso de um guindaste, à luz dos holofotes. É que o quadro mede 6 m2 e está pintado sobre grossas pranchas de madeira. É grande e pesa muito.

Tudo começou, corria o ano de 1481. Leonardo já era famoso quando recebeu, com 29 anos, esta encomenda do convento de San Donato. A grande superfície de madeira esperava o pincel, para se transformar num presépio com a adoração dos Magos. Foi preciso trabalhar longamente, porque os pintores têm muito que fazer antes de acometer a obra propriamente dita. Os quadros nascem nos bosquejos que se sucedem, experimentando a composição, os planos, as feições. É assim que, aos poucos, a obra ganha vida e amadurece, até à forma definitiva.

Passados 200 anos, o retábulo mudou-se para a «Galleria degli Uffizi», aonde agora voltou, depois de 6 anos de restauro, muito mais colorido e com algumas figuras secundárias que se tinham apagado com o tempo.

O interessante é recuar 536 anos, àqueles dois anos intensos que Leonardo gastou a pintar o quadro. A peça tem um impacto notável e parte desse efeito vem de que Leonardo levou ao extremo a estética do «non finito», do «não acabado». Em vez do retoque minucioso, preferiu sublinhar o essencial e, sobretudo, não dar a ilusão (talvez pretensiosa) da completude. A beleza e o equilíbrio da cena estão lá, mas concentradas na mensagem principal.

A criatividade fervilhante do pintor rompeu com as convenções artísticas, facilitando a coabitação de vários cenários, diferenciados pela ordenação em perspectiva, que era ainda um expediente invulgar. Este domínio exímio da profundidade permitiu hierarquizar as cenas em graus de distância. O recurso a sombreados e claridades acentuou esse efeito de perspectiva, alongando a vista até lonjuras então inimagináveis. E, tudo isto, com a aplicação exponenciada do «non finito».

O pintor encontrou uma nova posição para a Mãe e o Filho, ao centrá-los no primeiro plano, em vez da localização tradicional, numa das laterais, que desenrolava a cena bíblica em linha horizontal, a fluir de um lado ao outro. Neste quadro, o presépio passa para o epicentro de uma narrativa que se desenvolve na profundidade (em vez de em fila transversal), abarcando um espaço maior, em que se sobrepõem episódios de épocas diferentes. Leonardo coloca o presépio no contexto da história da humanidade, no vértice do tempo.
Qual é esta luz potente que se projecta sobre a história dos homens?

O retábulo organiza-se em torno da harmonia, do enlevo de uma jovem Mãe com o seu Menino. O traço subtil e aparentemente inacabado coloca a ternura divina no centro. O gesto espontâneo do Pequenino, maravilhado com a sumptuosidade dos presentes dos Magos, contrasta com o aparato do mundo, porque o trono não pertence a esses reis. O trono é Maria. A sobriedade vence a riqueza, a Mãe vale mais que os cofres cheios.

Os Magos em adoração rodeiam Maria e Jesus, no meio de um corrupio de acompanhantes (dizem que um jovem no lado direito seria o próprio Leonardo). Num plano mais recuado, sobre a esquerda, assomam as ruínas de um templo romano pagão. Ao mesmo nível, sobre a direita, um par de cavaleiros digladia-se ferozmente. Mais ao fundo, surge uma paisagem rochosa e desértica. Tudo isto, e outros pormenores, representa o mundo afastado de Cristo, longe da doçura da Mãe.
Árvores carregadas de simbolismo marcam presença em pontos significativos. Palmeiras, símbolo de vitória, imagem do Cântico dos Cânticos que a liturgia aplica a Nossa Senhora (Ct. 7, 7), símbolo também da palma do martírio, emergem, plantadas sobre as ruínas: triunfam pacificamente sobre a morte e a Roma imperial, ali representadas pela violência sanguinária e pelo esboroar dos monumentos pagãos. A segunda árvore, ao meio, é uma alfarrobeira, cujas sementes eram utilizadas na pesagem de pedras e metais preciosos. Está ali como testemunha silenciosa, a proclamar Cristo Rei do Universo e Maria Rainha dos Céus e da Terra.

O costume era pintar com régua e minúcia, Leonardo teve o arrojo deste traço vibrante, num estilo que ficou conhecido como «non finito», não «acabadinho». Maria Zarco classifica o resultado como inexcedível. Concordo.



[1] Acessível no blogue «http://adeus-ate-ao-meu-regresso.blogspot.pt/2017/12/vai-um-gin-do-peters_20.html», na secção «Vai um Gin do Peter’s?», 20 de Dezembro de 2017.
José Maria C.S. André
31-XII-2017
Spe Deus

Evangelho do dia 31 de dezembro de 2018

No princípio existia o Verbo; o Verbo estava em Deus; e o Verbo era Deus. No princípio Ele estava em Deus. Por Ele é que tudo começou a existir; e sem Ele nada veio à existência. Nele é que estava a Vida de tudo o que veio a existir. E a Vida era a Luz dos homens. A Luz brilhou nas trevas, mas as trevas não a receberam. Apareceu um homem, enviado por Deus, que se chamava João. Este vinha como testemunha, para dar testemunho da Luz e todos crerem por meio dele. Ele não era a Luz, mas vinha para dar testemunho da Luz. O Verbo era a Luz verdadeira, que, ao vir ao mundo, a todo o homem ilumina. Ele estava no mundo e por Ele o mundo veio à existência, mas o mundo não o reconheceu. Veio para o que era seu, e os seus não o receberam. Mas, a quantos o receberam, aos que nele crêem, deu-lhes o poder de se tornarem filhos de Deus. Estes não nasceram de laços de sangue, nem de um impulso da carne, nem da vontade de um homem, mas sim de Deus. E o Verbo fez-se homem e veio habitar connosco. E nós contemplámos a sua glória, a glória que possui como Filho Unigénito do Pai, cheio de graça e de verdade. João deu testemunho dele ao clamar: «Este era aquele de quem eu disse: 'O que vem depois de mim passou-me à frente, porque existia antes de mim.'» Sim, todos nós participamos da sua plenitude, recebendo graças sobre graças. É que a Lei foi dada por Moisés, mas a graça e a verdade vieram-nos por Jesus Cristo. A Deus jamais alguém o viu. O Filho Unigénito, que é Deus e está no seio do Pai, foi Ele quem o deu a conhecer.

Jo 1, 1-18