Jesus
queria mostrar o caminho às pessoas, os pontos de apoio correctos para uma vida
plena [...]. Certa vez, subiu a uma montanha, e o seu sermão abriu, de certa
forma, um novo capítulo.
Não há dúvida
de que o Sermão da Montanha ocupa um lugar simbólico. Mais ainda: com esse
sermão, irrompe uma nova etapa da humanidade, que é possível porque Deus se une
aos homens. Ele não se situa apenas no mesmo nível que Moisés, o que, para os ouvintes,
certamente já não era fácil de assimilar, mas fala das alturas do autêntico legislador,
do próprio Deus. Neste sentido, o Sermão da Montanha é, em muitos aspectos, a
expressão mais vigorosa da sua reivindicação divina [como Filho de Deus]; o
Senhor afirma que, a partir desse momento, a Lei do Antigo Testamento encontra
a sua mais profunda explicação e a sua vigência universal, não por uma
intervenção humana, mas graças ao próprio Deus.
As pessoas
compreendem isso. E percebem também com muita força, digamos, o duplo aspecto
do Sermão da Montanha: que essa mensagem traz consigo uma nova intimidade, um
novo amadurecimento e bondade, uma libertação daquilo que é apenas superficial
e externo; e, ao mesmo tempo, um novo nível de exigência, uma exigência tão
fora de proporções que quase esmaga a pessoa.
Quando o
Senhor diz: "Já não vos digo apenas: Não podes cometer adultério, mas nem sequer
olhar a mulher com desejo"; quando diz: "Não somente não matarás,
como nem sequer guardarás rancor ao próximo"; e quando diz: "Não basta
o olho por olho e dente por dente, mas, quando alguém te bater numa das faces,
oferece-lhe a outra", somos confrontados com uma exigência que, embora dotada
de uma grandeza que provoca admiração, parece desmedida para o ser humano. Ou
pelo menos o seria, se Jesus Cristo já não a tivesse experimentado antes e se
não fosse uma consequência do encontro pessoal com Deus. Aqui vemos realmente a
condição divina de Cristo: não é mais outro enviado [de Deus], mas o
definitivo, e nEle se manifesta o próprio Deus.
(Cardeal
Ratzinger em ‘La fe, de tejas abajo’)