Corrente e relógio usados por Winston Churchill |
Este ano, numa conferência sobre a Magna Carta na Torre do Tombo, João Carlos Espada resumiu a filosofia política churchilliana com uma conhecida citação acerca da “corrente de ouro” que une “passado e presente, tradição e progresso”.
O que pretendo demonstrar é que Portugal, desde a revolução democrática a 25 de abril de 1974, também poderá ter concebido uma corrente de ouro. Invisível, sem autor único, de lenta gestação e com a instabilidade típica daquilo que é jovem.
A nossa corrente de ouro seria, obviamente, diferente da britânica. Temos culturas e histórias diferentes. No entanto, não creio que a importância desta seja menor ou menos vital para o futuro.
O debate na evolução das nossas políticas de costumes tende a ser feito num saudável jogo de tensão entre mentalidade progressista e valores cristãos. É essa conversa, relembrando Churchill, que une “tradição e progresso”, salvaguardando uma democracia informada e moderada.
A gerigonça (N. 'Spe Deus': nome dado aos acordos de incidência parlamentar que sustentam o atual governo de Portugal). ameaça romper essa corrente de ouro. Porquê? António Costa compra o europeísmo do seu governo subornando o Bloco de Esquerda com causas fraturantes. Por cada rigidez orçamental, uma lei do Bloco. É assim que anda a gerigonça: as leis são feitas a correr, ninguém as discute como deve ser, ninguém ouve a sociedade civil, ninguém dá tempo.
Talvez a pressa se deva à noção do tempo de vida destes acordos à esquerda, mas um primeiro-ministro pagar apoios com leis é uma prática grave que dá poder desproporcional a um BE com apenas 10% dos votos das últimas eleições.
A questão, aqui, não é se somos contra ou a favor das chamadas “causas fraturantes”. Deixo isso para os ativistas e para outra crónica. A questão é sobre a inconsciência democrática – e consequente irresponsabilidade social – que representa a compulsão legisladora da geringonça João Miguel Tavares, por exemplo, concorda com a adoção por casais homossexuais, mas discorda do modo como foi discutida. Mais recentemente, a PMA (N. 'Spe Deus': Procriação Medicamente Assistida) foi aprovada ignorando qualquer preocupação dos médicos do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida.
A ideia de mudar o nome do cartão de cidadão por ser “machista” foi a prova do ridículo disto tudo. Quando é o Partido Comunista a servir de moderador na evolução dos costumes é porque algo não está bem. As sufragistas que conseguiram o voto das mulheres não levaram pancada da polícia para as pseudofeministas do BE brincarem com o dicionário em nome da sua causa. As mulheres que continuam a receber menos que homens a fazer o mesmo trabalho não são representadas por estas infantilidades. São insultadas por estas infantilidades.
É do pior populismo que se pode fazer aquele que desrespeita os que verdadeiramente lutaram por direitos, assim convertidos em propaganda.
Devemos olhar para este fenómeno como um apogeu da hipocrisia. A esquerda queixa-se da falta de escrutínio democrático da União Europeia, mas durante meses reuniu-se secretamente nas caves de S. Bento. A esquerda grita pela “soberania do parlamento”, mas recusa-se a usá-lo para aquilo que ele serve: debate público.
Achar que um adolescente de 16 anos deve mudar de sexo sem conversar com um psiquiatra é uma loucura e desvaloriza a autonomia que se obtém com a maioridade. Historicamente, o PS é um partido que aprecia o Estado. Eu espero não o ver corromper a sua função zeladora, trocando crianças por orçamentos retificativos.
Se for esperto, Costa espera até ter de subir o IVA para 25%. Aí poderemos todos relaxar sobre a legalização da prostituição. O nosso parlamento já estará convertido num bordel em que se vendem leis por desejos e se esquece a responsabilidade da liberdade.
Sebastião Bugalho
* Titulo e seleção de imagem da responsabilidade do editor do 'Spe Deus' com a concordância prévia do autor do texto, título original "Traficantes de causas fracturantes"