Quantas vezes não lhe chamaram comunista por ser de esquerda? Provavelmente, o mesmo número de vezes que me chamaram fundamentalista por ser cristão. Não tem grande sentido mas, claro, é só a minha opinião. Fico respeitosamente à espera da sua
“Não te metas com o Daniel Oliveira”, aconselhou-me um querido amigo tão de esquerda quanto o cronista do “Expresso”. “Tem mais anos e mais seguidores que tu; areia a mais para a tua camioneta”, continuou o meu amigo.
Ele é capaz de ter razão, contudo, eu não encaro o colunismo como uma luta de galos. O Daniel, que eu não conheço pessoalmente, tem o mérito de nunca se abster na troca de impressões com os seus leitores. Eu sei, porque sou um deles. E sou um deles porque, como o Daniel, sou do contra. Ele tem o contraditório da direita e eu tenho o contraditório da esquerda que ele tão bem simboliza.
Além disso, sei que ele é do contra porque o vejo constantemente na melhor pizzaria de Lisboa a comer um prato que não pizza. Desculpe, Daniel, sou um observador e quem escreve precisa de observar.
Pergunto-lhe então, ainda como leitor, sobre a sua crónica da última quarta-feira de março. O assunto não era política, porque aí somos os dois suspeitos, cada um de seu lado. Mais o Daniel, que até foi (ou ainda é?) dirigente partidário. O assunto é religioso, e aí só mesmo eu sou suspeito porque o Daniel é ateu.
Tendo em conta que é ativista político e analista político ao mesmo tempo, talvez também seja legítimo eu ser pessoa e filho de Deus ao mesmo tempo.
Em primeiro lugar, fiquei contente por vê-lo assumir-se contra a febre antirreligiosa. Esta não é boa para nenhum europeu, para nenhum migrante e para nenhuma religião. Fiquei, por outro lado, algo apreensivo com o desenrolar do resto do texto.
“Tal como o Islão, o cristianismo não promoveu ou promove a democracia e a liberdade.”
Imagino que por cada feito positivo que eu lhe apresentar, o Daniel vai apresentar-me uma lista de conivências com regimes ditatoriais e violações de direitos humanos desde a Inquisição. Nem eu nem a Igreja os negamos. Porém, nada disso deve apagar da história as contribuições que esta religião deu por todo o planeta.
Ao contrário do que foi dado a entender após o filme sobre o caso Spotlight, os dois últimos Sumos Pontífices tiveram papel ativo na condenação da pedofilia. E ainda bem que assim foi.
Já que o Daniel falou da sua atenção ao atual Santo Padre, falo-lhe eu do papel de João Paulo II contra o totalitarismo da União Soviética ou do papel do próprio Francisco contra as tecnocracias da União Europeia. Se isto não é tentar promover democracia e liberdade, por favor, vá ao Vaticano e ensine-lhes. O Papa foi a Cuba, o Daniel pode ir a São Pedro; de lá, pelo menos, não tem de sair a nado.
“Não alimento, no entanto, equívocos. Tal como o Islão, o cristianismo não respeita as mulheres, os direitos dos indivíduos à sua autodeterminação, ou os direitos dos homossexuais.”
Dizer que o cristianismo nunca promoveu a liberdade quando a doutrina da salvação depende do livre-arbítrio individual é, no mínimo, estranho.
Em 2015, a “National Geographic” considerou Nossa Senhora a mulher mais poderosa do mundo. Eu sei que dói, mas assim como S. Francisco de Assis foi ecologista antes do Greenpeace, os cristãos também foram os primeiros feministas.
O Daniel fala do “cristianismo” e dentro do cristianismo há tantas variações quanto dentro dos 14 movimentos que compõem o Syriza.
Fará sentido estigmatizar uma fé desta maneira? É como falar de uma esquerda como se ela não pudesse ser anárquica, autoritária ou democrática nas suas diferentes formas. Quantas vezes não lhe chamaram comunista por ser de esquerda? Provavelmente, o mesmo número de vezes que me chamaram fundamentalista por ser cristão. Não tem grande sentido mas, claro, é só a minha opinião. Fico respeitosamente à espera da sua.
P.S. Já que não experimenta Cristo, sugiro que experimente as tais pizzas. São mesmo boas; não alimentam equívocos.
Sebastião Bugalho