Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sábado, 29 de abril de 2017

Discurso Santo Padre encontro de oração no Seminário Copto-Católico de Maadi

Beatitudes,
Queridos irmãos e irmãs,
Al Salamò Alaikum! A paz esteja convosco!

«Este é o dia que o Senhor fez, alegremo-nos n’Ele! Cristo venceu a morte para sempre, alegremo-nos n’Ele!»

Sinto-me feliz por me encontrar entre vós neste lugar, onde se formam os sacerdotes e que representa o coração da Igreja Católica no Egito. Sinto-me feliz por saudar em vós – sacerdotes, consagrados e consagradas do pequeno rebanho católico no Egito – o «fermento» que Deus prepara para esta terra abençoada, para que, juntamente com os nossos irmãos ortodoxos, cresça nela o seu Reino (cf. Mt 13, 33).

Desejo, antes de mais nada, agradecer o vosso testemunho e todo o bem que fazeis cada dia, trabalhando no meio de muitos desafios e, frequentemente, poucas consolações. Desejo também encorajar-vos. Não tenhais medo do peso do dia-a-dia, do peso das circunstâncias difíceis que alguns de vós têm de atravessar. Nós veneramos a Santa Cruz, instrumento e sinal da nossa salvação. Quem escapa da cruz, escapa da Ressurreição. «Não temais, pequenino rebanho, porque aprouve ao vosso Pai dar-vos o Reino» (Lc 12, 32).

Trata-se, pois, de crer, testemunhar a verdade, semear e cultivar sem esperar pela colheita. Na realidade, nós recolhemos os frutos de muitos outros, consagrados e não consagrados, que generosamente trabalharam na vinha do Senhor: a vossa história está cheia deles!

No meio de muitos motivos de desânimo e por entre tantos profetas de destruição e condenação, no meio de numerosas vozes negativas e desesperadas, sede uma força positiva, sede luz e sal desta sociedade; sede a locomotiva que faz o comboio avançar para a meta; sede semeadores de esperança, construtores de pontes, obreiros de diálogo e de concórdia.
Isto é possível se a pessoa consagrada não ceder às tentações que todos os dias encontra no seu caminho. Gostaria de evidenciar algumas dentre as mais significativas.

1. A tentação de deixar-se arrastar e não guiar. O bom pastor tem o dever de guiar o rebanho (cf. Jo 10, 3-4), de o conduzir a pastagens verdejantes e até à nascente das águas (cf. Sal 23/22, 2). Não pode deixar-se arrastar pelo desânimo e o pessimismo: «Que posso fazer?» Aparece sempre cheio de iniciativas e de criatividade, como uma fonte que jorra mesmo quando vem a seca; sempre oferece a carícia da consolação, mesmo quando o seu coração está alquebrado; é um pai quando os filhos o tratam com gratidão, mas sobretudo quando não lhe são agradecidos (cf. Lc 15, 11-32). A nossa fidelidade ao Senhor nunca deve depender da gratidão humana: «teu Pai, que vê o oculto, há de recompensar-te» (Mt 6, 4.6.18).

2. A tentação de lamentar-se continuamente. Sempre é fácil acusar os outros: as faltas dos superiores, as condições eclesiais ou sociais, as escassas possibilidades… Mas a pessoa consagrada é alguém que, pela unção do Espírito, transforma cada obstáculo em oportunidade, e não cada dificuldade em desculpa! Na realidade, quem se lamenta sempre é uma pessoa que não quer trabalhar. Por isso o Senhor, dirigindo-Se aos pastores, disse: «Levantai as vossas mãos fatigadas e os vossos joelhos enfraquecidos» (Heb 12, 12; cf. Is 35, 3).

3. A tentação da crítica e da inveja. O perigo é sério, quando a pessoa consagrada, em vez de ajudar os pequenos a crescer e a alegrar-se com os sucessos dos irmãos e irmãs, se deixa dominar pela inveja tornando-se numa pessoa que fere os outros com a crítica. Quando, em vez de se esforçar por crescer, começa a destruir aqueles que estão crescendo; em vez de seguir os bons exemplos, julga-os e diminui o seu valor. A inveja é um câncer que arruína qualquer corpo em pouco tempo: «Se um reino se dividir contra si mesmo, tal reino não pode perdurar; e se uma família se dividir contra si mesma, essa família não pode subsistir» (Mc 3, 24-25). Com efeito, «por inveja do diabo é que a morte entrou no mundo» (Sab 2, 24). E a crítica é o seu instrumento e a sua arma.

4. A tentação de se comparar com os outros. A riqueza reside na diferença e na unicidade de cada um de nós. Comparar-nos com aqueles que estão melhor, leva-nos frequentemente a cair no rancor; comparar-nos com aqueles que estão pior, leva-nos muitas vezes a cair na soberba e na preguiça. Quem tende sempre a comparar-se com os outros, acaba por se paralisar. Aprendamos de São Pedro e São Paulo a viver a diferença dos caráteres, dos carismas e das opiniões na escuta e docilidade ao Espírito Santo.

5. A tentação do «faraonismo», isto é, de endurecer o coração e fechá-lo ao Senhor e aos irmãos. É a tentação de se sentir acima dos outros e, consequentemente, de os submeter a si por vanglória; de ter a presunção de ser servido em vez de servir. É uma tentação comum, desde o início, entre os discípulos, os quais – diz o Evangelho –, «no caminho, tinham discutido uns com os outros, sobre qual deles era o maior» (Mc 9, 34). O antídoto para este veneno é o seguinte: «Se alguém quiser ser o primeiro, há de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35)

6. A tentação do individualismo. Como diz o conhecido provérbio egípcio: «Eu e, depois de mim, o dilúvio». É a tentação dos egoístas que, ao caminhar, perdem a noção do objetivo e, em vez de pensar nos outros, pensam em si mesmos, sem sentir qualquer vergonha; antes, justificando-se. A Igreja é a comunidade dos fiéis, o corpo de Cristo, onde a salvação de um membro está ligada à santidade de todos (cf. 1 Cor 12, 12-27; Lumen gentium, 7). Ao contrário, o individualista é motivo de escândalo e conflitualidade.

7. A tentação de caminhar sem bússola nem objetivo. A pessoa consagrada perde a sua identidade e começa a «não ser carne nem peixe». Vive com o coração dividido entre Deus e a mundanidade. Esquece o seu primeiro amor (Ap 2, 4). Na realidade, sem uma identidade clara e sólida, a pessoa consagrada caminha sem direção e, em vez de guiar os outros, dispersa-os. A vossa identidade como filhos da Igreja é ser coptas – isto é, radicados nas vossas raízes nobres e antigas – e ser católicos – isto é, parte da Igreja una e universal: como uma árvore que quanto mais enraizada está na terra tanto mais alta se eleva no céu.

Queridos consagrados, não é fácil resistir a estas tentações, mas é possível se estivermos enxertados em Jesus: «Permanecei em Mim, que Eu permaneço em vós. Tal como o ramo não pode dar fruto por si mesmo, mas só permanecendo na videira, assim também acontecerá convosco, se não permanecerdes em Mim» (Jo 15, 4). Quanto mais enraizados estivermos em Cristo, tanto mais vivos e fecundos seremos. Só assim pode a pessoa consagrada conservar a capacidade de maravilhar-se, a paixão do primeiro encontro, o fascínio e a gratidão na sua vida com Deus e na sua missão. Da qualidade da nossa vida espiritual depende a da nossa consagração
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O Egipto contribuiu para enriquecer a Igreja com o tesouro inestimável da vida monástica. Exorto-vos, pois, a beber do exemplo de São Paulo o Eremita, de Santo Antão, dos Santos Padres do deserto, dos numerosos monges que abriram, com a sua vida e o seu exemplo, as portas do céu a muitos irmãos e irmãs; e assim também vós podereis ser luz e sal, isto é, motivo de salvação para vós próprios e para todos os outros, crentes e não-crentes, e de modo especial para os últimos, os necessitados, os abandonados e os descartados.

A Sagrada Família vos proteja e abençoe a todos vós, ao vosso país com todos os seus habitantes. Do fundo do meu coração, desejo tudo de melhor a cada um de vós e, por vosso intermédio, saúdo os fiéis que Deus confiou aos vossos cuidados. O Senhor vos conceda os frutos do seu Santo Espírito: «amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade, fidelidade, mansidão, autodomínio» (Gal 5, 22).

Sempre vos terei presente no meu coração e na minha oração. Coragem e avante, com o Espírito Santo! «Este é o dia que o Senhor fez, alegremo-nos n’Ele!» E, por favor, não vos esqueçais de rezar por mim.

Fátima (1): Aparições ou visões?

Na Cova da Iria os pastorinhos tiveram visões e não aparições, mas o valor não é menor porque, como notou Bento XVI, visões têm uma força de presença tal que equivalem à manifestação externa sensível.

Ainda não foi o centenário da primeira aparição de Nossa Senhora em Fátima e já abundam as alegadas ‘desmitificações’ do fenómeno ocorrido na Cova da Iria, agora reduzido a uma mera narrativa, que cada qual reinterpreta a seu bel-prazer. Os factos ocorreram de 13 de Maio a 13 de Outubro de 1917, tendo por protagonistas três crianças: os irmãos Francisco e Jacinta Marto, que o Papa Francisco vai muito felizmente canonizar no próximo dia 13, e a prima deles, Lúcia dos Santos, que foi a relatora das aparições.

Para alguns, tudo não passou de um embuste político-religioso, para que foram aliciadas umas criancinhas analfabetas que, a troco de sabe-se lá o quê, se prestaram a ser videntes de mirabolantes aparições celestiais. Para outros, é evidente que a manobra teve mãozinha clerical e intenção marcadamente antirrepublicana, em tempos em que a Igreja Católica era ferozmente perseguida pelos Afonsos Costas deste país. Também os há que, embora afirmando-se fiéis, olham com desdém para este tipo de fenómenos, que reprovam em nome da sua impoluta racionalidade, mais livre-pensadora do que verdadeiramente católica. É caso para perguntar: afinal, em que ficamos?!

Quem ler as Memórias da Irmã Lúcia, a vidente que sobreviveu e relatou os acontecimentos extraordinários ocorridos na Cova da Iria em 1917, percebe de imediato que, se alguma pressão sofreram aquelas três crianças, quer por parte do seu pároco, quer ainda por parte das suas famílias – que, para o efeito, até recorreram a vias de facto! – foi precisamente no sentido de as obrigar a desmentir as aparições. Também as zelosas autoridades públicas tudo fizeram para obrigar os videntes a se desdizerem ou, pelo menos, revelarem o segredo que lhes tinha sido dito pela sua celestial interlocutora.

A própria Igreja portuguesa, de início, não reagiu positivamente às aparições. Só a 13 de Maio de 1922 se iniciou a investigação canónica relativa aos acontecimentos de Fátima, que concluiu oito anos e meio depois, a 13 de Outubro de 1930, com a aprovação do culto e das aparições, que não constituem, contudo, matéria de fé.

Neste sentido, o Padre Anselmo Borges, em entrevista ao Expresso, a 16-4-2017, afirmou: “Posso ser um bom católico e não acreditar em Fátima, porque não é um dogma”. É verdade que Fátima não é, nem nunca poderá ser, um dogma, mas é pouco provável que possa ser um “bom católico” quem não aceita o veredicto da hierarquia eclesial em relação a estas aparições, até porque a totalidade da mensagem atribuída à ‘Senhora mais brilhante do que o sol’ é de uma total e irrepreensível coerência evangélica. Aliás, nenhuma revelação particular, como é o caso, pode ser reconhecida pela Igreja se não for absolutamente coincidente com a fé católica.

O P. Anselmo Borges igualmente declarou: “É preciso também distinguir aparições de visões. É evidente que Nossa Senhora não apareceu em Fátima. Uma aparição é algo objetivo. Uma experiência religiosa interior é outra realidade, é uma visão, o que não significa necessariamente um delírio, mas é subjectivo.”

A distinção entre aparições e visões não é nenhuma novidade pois, como recordou Bento XVI, quando era cardeal perfeito da Congregação para a Doutrina da Fé, “a antropologia teológica distingue, neste âmbito, três formas de percepção ou «visão»: a visão pelos sentidos, ou seja, a percepção externa corpórea; a percepção interior; e a visão espiritual (visio sensibilis, imaginativa, intellectualis). É claro que, nas visões de Lourdes, Fátima, etc, não se trata da percepção externa normal dos sentidos: as imagens e as figuras vistas não se encontram fora no espaço circundante, como está lá, por exemplo, uma árvore ou uma casa. Isto é bem evidente, por exemplo, no caso da visão do inferno (descrita na primeira parte do «segredo» de Fátima) ou então na visão descrita na terceira parte do «segredo», mas pode-se facilmente comprovar também noutras visões, sobretudo porque não eram captadas por todos os presentes, mas apenas pelos «videntes». De igual modo, é claro que não se trata duma «visão» intelectual sem imagens, como acontece nos altos graus da mística. Trata-se, portanto, da categoria intermédia, a percepção interior que, para o vidente, tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível” (Cardeal Joseph Ratzinger, Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Comentário teológico, in A mensagem de Fátima, 26-6-2000).

Assim sendo, não oferece dúvidas que, de facto, Nossa Senhora não apareceu, em sentido técnico, na Cova da Iria. Que se tenha tratado de uma visão e não de uma aparição não permite, contudo, afirmar que foi, como disse o P. Anselmo Borges, apenas uma “experiência religiosa interior” dos videntes, nem que, mesmo não sendo “necessariamente um delírio”, teria sido contudo algo meramente “subjectivo”.

Bento XVI, no seu já citado comentário teológico à mensagem de Fátima, esclarece: “Este ver interiormente não significa que se trata de fantasia, que seria apenas uma expressão da imaginação subjectiva. Significa, antes, que a alma recebe o toque suave de algo real mas que está para além do sensível, tornando-a capaz de ver o não-sensível, o não-visível aos sentidos: uma visão através dos «sentidos internos». Trata-se de verdadeiros «objectos» que tocam a alma, embora não pertençam ao mundo sensível que nos é habitual”. Atente-se aos termos usados pelo Cardeal Ratzinger para descrever as ‘aparições’ de Fátima: não “se trata de fantasia”, nem de “uma expressão da imaginação subjectiva”, mas de “algo real”, de “verdadeiros ‘objectos’”!

Prossegue Bento XVI, no seu Comentário teológico: “Como dissemos, a «visão interior» não é fantasia” – ao contrário do que o termo ‘visão imaginativa’, usado por D. Carlos Azevedo, na sua entrevista ao Público, no passado dia 21, poderia levar a crer – “mas uma verdadeira e própria maneira de verificação. Fá-lo, porém, com as limitações que lhe são próprias. Se, na visão exterior, já interfere o elemento subjectivo, isto é, não vemos o objecto puro mas este chega-nos através do filtro dos nossos sentidos que têm de operar um processo de tradução; na visão interior, isso é ainda mais claro, sobretudo quando se trata de realidades que por si mesmas ultrapassam o nosso horizonte”.

Nada tem de muito surpreendente este esclarecimento se se tiver em conta que, também no Evangelho, se recorre com frequência a metáforas que facilitam a compreensão dos mistérios da fé: é óbvio que o inferno não pode ser fogo, nem o céu um banquete e, quando Jesus diz que ele é “a videira verdadeira” (Jo 15, 1), não se está a atribuir a si mesmo uma natureza vegetal, mas apenas a sugerir que, da mesma forma como os ramos estão unidos ao tronco e dele recebem a vida, assim também os cristãos em graça estão enxertados em Cristo, de quem lhes vem a energia que alimenta a sua vida sobrenatural.

“Isto” – prossegue o Cardeal Ratzinger – “é patente em todas as grandes visões dos Santos; naturalmente vale também para as visões dos pastorinhos de Fátima. As imagens por eles delineadas não são de modo algum mera expressão da sua fantasia, mas fruto duma percepção real de origem superior e íntima”. Portanto, se se trata, como explica Bento XVI, de uma “percepção real de origem superior e íntima” e “não são de modo algum mera expressão da sua (deles, pastorinhos) fantasia”, impõe-se a conclusão óbvia: o seu valor não é menor do que se se tivesse tratado, em sentido técnico, de autênticas aparições, pois “tem uma força de presença tal que equivale à manifestação externa sensível”. Razão que explica também que a Conferência Episcopal Portuguesa, na sua nota pastoral sobre o centenário de Fátima (Fátima, Sinal de Esperança para o nosso tempo, Carta pastoral no Centenário das Aparições de Nossa Senhora em Fátima, 2016), mantenha o uso do termo “aparições”, mesmo não sendo o tecnicamente mais preciso. Também o inquilino se refere à casa em que vive como sendo sua, embora juridicamente não seja o seu proprietário.

Como sintetizou o então Cardeal Secretário de Estado, Ângelo Sodano, na celebração eucarística da beatificação de Jacinta e Francisco Marto, na Cova da Iria, a 13-5-2000, presidida por São João Paulo II, “a visão de Fátima refere-se sobretudo à luta dos sistemas ateus contra a Igreja e os cristãos e descreve o sofrimento imane das testemunhas da fé do último século do segundo milénio. É uma Via Sacra sem fim, guiada pelos Papas do século vinte.”

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Observador AQUI

Homilia do Santo Padre Missa no Cairo

Al Salamò Alaikum (A paz esteja convosco)!

Hoje, o Evangelho do terceiro domingo de Páscoa fala-nos do itinerário dos dois discípulos de Emaús que deixaram Jerusalém. Um Evangelho que se pode resumir em três palavras: morte, ressurreição e vida.

Morte. Os dois discípulos voltam à sua vida quotidiana, repletos de desânimo e desilusão: o Mestre morreu e, por conseguinte, é inútil esperar. Sentiam-se desorientados, enganados e desiludidos. O seu caminho é um voltar atrás; é um afastar-se da experiência dolorosa do Crucificado. A crise da Cruz – antes, o «escândalo» e a «loucura» da Cruz (cf. 1 Cor 1, 18, 2, 2) – parece ter sepultado todas as suas esperanças. Aquele sobre quem construíram a sua existência morreu, derrotado, levando consigo para o túmulo todas as suas aspirações.

Não podiam acreditar que o Mestre e Salvador, que ressuscitara os mortos e curara os doentes, pudesse acabar pregado na cruz da vergonha. Não podiam entender por que razão Deus Todo-Poderoso não O tivesse salvo duma morte tão ignominiosa. A cruz de Cristo era a cruz das suas ideias sobre Deus; a morte de Cristo era uma morte daquilo que imaginavam ser Deus. Na realidade, eram eles os mortos no sepulcro da sua limitada compreensão.

Quantas vezes o homem se autoparalisa, recusando-se a superar a sua ideia de Deus, um deus criado à imagem e semelhança do homem! Quantas vezes se desespera, recusando-se a crer que a omnipotência de Deus não é omnipotência de força, de autoridade, mas é apenas omnipotência de amor, de perdão e de vida!

Os discípulos reconheceram Jesus no ato de «partir o pão» (Lc 24, 35), na Eucaristia. Se não deixarmos romper o véu que ofusca os nossos olhos, se não deixarmos romper o endurecimento do nosso coração e dos nossos preconceitos, nunca poderemos reconhecer o rosto de Deus.

Ressurreição. Na obscuridade da noite mais escura, no desespero mais desconcertante, Jesus aproxima-Se dos dois discípulos e caminha pela sua estrada, para que possam descobrir que Ele é «o caminho, a verdade e a vida» (Jo 14, 6). Jesus transforma o seu desespero em vida, porque, quando desaparece a esperança humana, começa a brilhar a divina: «O que é impossível aos homens é possível a Deus» (Lc 18, 27; cf. 1, 37). Quando o homem toca o fundo do fracasso e da incapacidade, quando se despoja da ilusão de ser o melhor, ser o autossuficiente, ser o centro do mundo, então Deus estende-lhe a mão para transformar a sua noite em alvorada, a sua tristeza em alegria, a sua morte em ressurreição, o seu voltar atrás em regresso a Jerusalém, isto é, regresso à vida e à vitória da Cruz (cf. Heb 11, 34).

Com efeito, depois de ter encontrado o Ressuscitado, os dois discípulos retornam cheios de alegria, confiança e entusiasmo, prontos a dar testemunho. O Ressuscitado fê-los ressurgir do túmulo da sua incredulidade e tristeza. Encontrando o Crucificado-Ressuscitado, acharam a explicação e o cumprimento de toda a Escritura, da Lei e dos Profetas; acharam o sentido da aparente derrota da Cruz.

Quem não faz a travessia desde a experiência da Cruz até à verdade da Ressurreição, autocondena-se ao desespero. Com efeito, não podemos encontrar Deus, sem crucificar primeiro as nossas ideias limitadas dum deus que reflete a nossa compreensão da omnipotência e do poder.

Vida. O encontro com Jesus ressuscitado transformou a vida daqueles dois discípulos, porque encontrar o Ressuscitado transforma toda a vida e torna fecunda qualquer esterilidade.[1] De facto, a Ressurreição não é uma fé nascida na Igreja, mas foi a Igreja que nasceu da fé na Ressurreição. Diz São Paulo: «Se Cristo não ressuscitou, é vã a nossa pregação, e vã é também a nossa fé» (1 Cor 15, 14).

O Ressuscitado desaparece da vista deles, para nos ensinar que não podemos reter Jesus na sua visibilidade histórica: «Felizes os que creem sem terem visto!» (Jo 21, 29; cf. 20, 17). A Igreja deve saber e acreditar que Ele está vivo com ela e vivifica-a na Eucaristia, na Sagrada Escritura e nos Sacramentos. Os discípulos de Emaús compreenderam isto e voltaram a Jerusalém para partilhar com os outros a sua experiência: «Vimos o Senhor... Sim, verdadeiramente ressuscitou!» (cf. Lc 24, 32).

A experiência dos discípulos de Emaús ensina-nos que não vale a pena encher os lugares de culto, se os nossos corações estiverem vazios do temor de Deus e da sua presença; não vale a pena rezar, se a nossa oração dirigida a Deus não se transformar em amor dirigido ao irmão; não vale a pena ter muita religiosidade, se não for animada por muita fé e muita caridade; não vale a pena cuidar da aparência, porque Deus vê a alma e o coração (cf. 1 Sam 16, 7) e detesta a hipocrisia (cf. Lc 11, 37-54; At 5, 3.4).[2] Para Deus, é melhor não acreditar do que ser um falso crente, um hipócrita!

A fé verdadeira é a que nos torna mais caridosos, mais misericordiosos, mais honestos e mais humanos; é a que anima os corações levando-os a amar a todos gratuitamente, sem distinção nem preferências; é a que nos leva a ver no outro, não um inimigo a vencer, mas um irmão a amar, servir e ajudar; é a que nos leva a espalhar, defender e viver a cultura do encontro, do diálogo, do respeito e da fraternidade; é a que nos leva a ter a coragem de perdoar a quem nos ofende, a dar uma mão a quem caiu, a vestir o nu, a alimentar o faminto, a visitar o preso, a ajudar o órfão, a dar de beber ao sedento, a socorrer o idoso e o necessitado (cf. Mt 25, 31-45). A verdadeira fé é a que nos leva a proteger os direitos dos outros, com a mesma força e o mesmo entusiasmo com que defendemos os nossos. Na realidade, quanto mais se cresce na fé e no seu conhecimento, tanto mais se cresce na humildade e na consciência de ser pequeno.

Queridos irmãos e irmãs, Deus só aprecia a fé professada com a vida, porque o único extremismo permitido aos crentes é o da caridade. Qualquer outro extremismo não provém de Deus nem Lhe agrada.

Agora, como os discípulos de Emaús, voltai à vossa Jerusalém, isto é, à vossa vida diária, às vossas famílias, ao vosso trabalho e à vossa amada pátria, cheios de alegria, coragem e fé. Não tenhais medo de abrir o vosso coração à luz do Ressuscitado e deixai que Ele transforme a vossa incerteza em força positiva para vós e para os outros. Não tenhais medo de amar a todos, amigos e inimigos, porque, no amor vivido, está a força e o tesouro do crente.

A Virgem Maria e a Sagrada Família, que viveram nesta terra abençoada, iluminem os nossos corações e vos abençoem a vós e ao amado Egito que, ao alvorecer do cristianismo, recebeu a evangelização de São Marcos e, ao longo da história, deu muitos mártires e uma longa série de Santos e Santas!

Al Massih kam; bilhakika kam (Cristo ressuscitou; ressuscitou verdadeiramente)!


[1] Cf. Bento XVI, Audiência-Geral de Quarta-feira, 11 de abril de 2007.
[2] Santo Efrém exclama: «Arrancai a máscara que cobre o hipócrita e não vereis nele senão podridão» (Serm.). «Ai do coração débil (…) que segue dois caminhos»: diz o Eclesiástico (2, 12; cf. 2, 14 Vulg.).

O Evangelho de Domingo dia 30 de abril de 2017

No mesmo dia, caminhavam dois deles para uma aldeia, chamada Emaús, distante de Jerusalém sessenta estádios. Iam falando sobre tudo o que se tinha passado. Sucedeu que, quando eles iam conversando e discorrendo entre si, aproximou-Se deles o próprio Jesus e caminhou com eles. Os seus olhos, porém, estavam como que fechados, de modo que não O reconheceram. Ele disse-lhes: «Que palavras são essas que trocais entre vós pelo caminho?». Eles pararam cheios de tristeza. Um deles, chamado Cléofas, respondeu: «Serás tu o único forasteiro em Jerusalém que não sabe o que ali se passou nestes dias?». Ele disse-lhes: «Que foi?». Responderam: «Sobre Jesus Nazareno, que foi um profeta, poderoso em obras e em palavras diante de Deus e de todo o povo; e de que maneira os príncipes dos sacerdotes e os nossos chefes O entregaram para ser condenado à morte, e O crucificaram. Ora nós esperávamos que Ele fosse o que havia de libertar Israel; depois de tudo isto, é já hoje o terceiro dia, depois que estas coisas sucederam. É verdade que algumas mulheres, das que estavam entre nós, nos sobressaltaram porque, ao amanhecer, foram ao sepulcro e, não tendo encontrado o Seu corpo, voltaram dizendo que tinham tido a aparição de anjos que disseram que Ele está vivo. Alguns dos nossos foram ao sepulcro e acharam que era assim como as mulheres tinham dito; mas a Ele não O encontraram». Então Jesus disse-lhes: «Ó estultos e lentos do coração para crer tudo o que anunciaram os profetas! Porventura não era necessário que o Cristo sofresse tais coisas, para entrar na Sua glória?». Em seguida, começando por Moisés e discorrendo por todos os profetas, explicava-lhes o que d'Ele se encontrava dito em todas as Escrituras. Aproximaram-se da aldeia para onde caminhavam. Jesus fez menção de ir para mais longe. Mas os outros insistiram com Ele, dizendo: «Fica connosco, porque faz-se tarde e o dia já declina». Entrou para ficar com eles. Estando com eles à mesa, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o, e lho deu. Abriram-se os seus olhos e reconheceram-n'O; mas Ele desapareceu da vista deles. Disseram então um para o outro: «Não é verdade que nós sentíamos abrasar-se-nos o coração, quando Ele nos falava pelo caminho e nos explicava as Escrituras?». Levantando-se no mesmo instante, voltaram para Jerusalém. Encontraram juntos os onze e os que estavam com eles, que diziam: «Na verdade o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão». E eles contaram também o que lhes tinha acontecido no caminho, e como O tinham reconhecido ao partir o pão.

Lc 24, 13-35

O Evangelho do dia 29 de abril de 2017

Então Jesus, falando novamente, disse: «Eu Te louvo ó Pai, Senhor do céu e da terra, porque ocultaste estas coisas aos sábios e aos prudentes, e as revelaste aos pequeninos. Assim é, ó Pai, porque assim foi do Teu agrado. «Todas as coisas Me foram entregues por Meu Pai; e ninguém conhece o Filho senão o Pai; nem ninguém conhece o Pai senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar. O «Vinde a Mim todos os que estais fatigados e oprimidos, e Eu vos aliviarei. Tomai sobre vós o Meu jugo, e aprendei de Mim, que sou manso e humilde de coração, e achareis descanso para as vossas almas. Porque o Meu jugo é suave, e o Meu fardo leve».

Mt 11, 25-30