Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

terça-feira, 30 de junho de 2020

Pratica a caridade sem limites

Ama e pratica a caridade, sem limites e sem discriminações, porque é a virtude que caracteriza os discípulos do Mestre. Contudo essa caridade não pode levar-te – deixaria de ser virtude – a amortecer a fé, a tirar as arestas que a definem, a dulcificá-la até convertê-la, como alguns pretendem, em algo amorfo, que não tem a força e o poder de Deus. (Forja, 456)

O Senhor tomou a iniciativa, vindo ao nosso encontro. Deu-nos o exemplo para nos pormos com Ele ao serviço dos outros, para – gosto de repetir – pormos generosamente o nosso coração a servir de alcatifa, de modo que os outros caminhem suavemente e a sua luta resulte para eles mais amável. Devemos comportar-nos assim, porque somos filhos do mesmo Pai, que não hesitou em entregar-nos o seu Filho muito amado.

Não somos nós que construímos a caridade; é ela que nos invade com a graça de Deus: porque Ele nos amou primeiro. Convém que nos empapemos bem desta verdade formosíssima: se podemos amar a Deus é porque fomos amados por Deus. Tu e eu estamos em condições de derramar carinho sobre os que nos rodeiam, porque nascemos para a fé pelo amor do Pai. Pedi com ousadia ao Senhor este tesouro, esta virtude sobrenatural da caridade, para a exercitardes até ao último pormenor.

Nós, os cristãos, não temos sabido muitas vezes corresponder a esse dom; algumas vezes temo-lo rebaixado como se se limitasse a uma esmola dada sem alma, friamente; outras vezes temo-lo reduzido a uma atitude de beneficência mais ou menos convencional. Exprimia bem esta aberração a queixa resignada de uma doente: Aqui, tratam-me com caridade, mas a minha mãe cuidava de mim com carinho. O amor que nasce do Coração de Cristo não pode dar lugar a este tipo de distinções. (Amigos de Deus, 228–229)

São Josemaría Escrivá

Quando tudo acabou

Christian Dirce de Henryk Siemiradzki (1897) - Museu Nacional - Varsóvia - Polónia
Os anos do governo de Nero, no início da década de 60 depois de Cristo, somaram desgraça sobre desgraça. Problemas na fronteira do império, o temporal que afundou a esquadra no Adriático, o incêndio devastador na cidade de Roma e, ligado a tudo isto, a contestação popular e as manobras no palácio. Nero reagiu identificando a raiz do problema e pondo a solução em prática.

O problema eram os cristãos. Não que eles tivessem soprado o vento que afundou a esquadra, ou atiçado as labaredas de Roma. O problema era eles existirem. Roma imperial era próspera até os romanos se começarem a converter e, portanto, voltaria à prosperidade anterior quando o cristianismo fosse eliminado da face da Terra.

O aniversário do Imperador, no ano 64, foi escolhido como o dia da redenção. Numa ampla propriedade na margem direita do rio Tibre, englobando a colina Vaticana, organizou-se um festival nunca visto. Competições de cavalos, lutas sangrentas, e vinho, e luxúria, e iguarias à descrição, e tudo sem medida. Finalmente, como momento culminante, a matança de todos os cristãos. Morreram tantos, que foi preciso variar as formas de martírio para não ser uma coisa cansativa. S. Pedro, o primeiro Papa, foi crucificado de cabeça para baixo; muitos arderam como archotes para iluminar um espectáculo nocturno.

Na madrugada do dia seguinte, parecia que o cristianismo tinha acabado na cidade de Roma. Sobraram muito poucos, que sepultaram os mortos e recolheram com especial devoção o cadáver de Pedro.

Pouco ficou da incipiente comunidade cristã. Entre os poucos que sobreviveram àquele dia, bastantes morreram nos dias seguintes e nas semanas seguintes. A Paulo, que escapou à matança por estar na prisão, cortaram a cabeça ainda antes de aquele ano acabar.

Aparentemente, não havia mais nada a acrescentar à história generosa das primeiras conversões cristãs. Tudo tinha acabado.

30 ou 40 anos antes, a surpresa de seguir Jesus, de O ouvir responder às questões mais difíceis, de assistir aos milagres mais incontestáveis e, sobretudo, o deslumbramento perante um horizonte maravilhoso da sua pregação tinham terminado na forma horrorosa de um suplício na Cruz.

Desde então, 30 ou 40 anos tinham passado, em que a primeira geração de cristãos anunciou por todo o mundo a Ressurreição e foi tal a alegria do testemunho e a abundância da graça, que muitos judeus e pagãos se converteram.

Agora, pela segunda vez, tudo tinha acabado. Quase tudo. No rescaldo da festança imperial, quem se lembraria de bons momentos? Que restava do sonho árduo, mas excelente, de tocar Deus, de conviver com Ele?

Não se extinguiu completamente. Subsistiu um ínfimo fio de vida. A Pedro sucedeu Lino, que também foi mártir, e depois Cleto, Clemente, Evaristo, Alexandre, Sisto, Telésforo, Higino... até Francisco. Àqueles primeiros cristãos, despedaçados por causa da superstição e da manha política do Imperador todo-poderoso, sucederam novos cristãos e mais mártires. 250 anos mais tarde, Tertuliano resumia a experiência dos primeiros séculos: «o sangue dos mártires foi semente de cristãos». Nem Tertuliano presumia de compreender este enigma, nem vale a pena tentarmos o esforço: o que aconteceu não foi o prémio da eloquência, nem da inteligência, nem do poderio dos homens. Foi, à letra, o paradoxo evangélico, que continua a deixar o mundo perplexo: «se o grão de trigo não morre, fica infecundo; mas, se morre, dá muito fruto».

Na sexta-feira passada, comemorou-se a solenidade de S. Pedro e S. Paulo, no sábado comemorou-se a multidão de mártires que os acompanharam naquele ano de loucura em que tudo parecia ter acabado; hoje, Domingo, comemoramos a Ressurreição de Cristo e o mistério da Igreja, que consiste em Ele ter sempre a última palavra.
José Maria C.S. André
30-VI-2018
Spe Deus

Relativismo e democracia

Muitos opinam que o relativismo constitui um princípio básico da democracia, porque seria essencial a ela que tudo pudesse ser posto em discussão. Na realidade, porém, a democracia vive com base em que existem verdades e valores sagrados que são respeitados por todos. Caso contrário, afunda-se na anarquia e neutraliza-se a si mesma.

Já Alexis de Tocqueville, há aproximadamente cento e cinquenta anos, observava que a democracia só pode subsistir se antes vier precedida de um determinado ethos. Os mecanismos democráticos só funcionam se esse ethos for, por assim dizer, evidente e indiscutível, e só assim esses mecanismos se convertem em instrumentos da justiça. O princípio da maioria só é tolerável se essa maioria também não estiver autorizada a fazer tudo ao seu arbítrio, pois tanto a maioria como a minoria devem estar unidas no comum respeito por uma justiça que obriga as duas. Há, em consequência, elementos fundamentais prévios à existência do Estado, que não estão sujeitos ao jogo da maioria e da minoria, e que devem ser invioláveis para todos.

A questão é: quem define esses "valores fundamentais"? E quem os protege? Este problema, tal como Tocqueville observou, não se pôs na primeira democracia americana como um problema constitucional porque havia um certo consenso cristão básico - protestante -, absolutamente indiscutido e que era considerado óbvio. Esse princípio nutria-se da convicção comum dos cidadãos, convicção que estava acima de toda a polémica. Mas que acontece se já não existem essas convicções? Será possível, por decisão da maioria, declarar justo algo que até ontem era considerado injusto, e vice-versa?

No século terceiro, Orígenes comentou a este respeito: se no país dos citas a injustiça se convertesse em lei, então os cristãos que vivem ali deveriam agir contra a lei. Não é difícil traduzir isto para o século XX: quando, durante o governo do nacional socialismo, se declarou que a injustiça era lei, um cristão estava obrigado a agir contra a lei. "Deve-se obedecer a Deus antes que aos homens" (At 5, 29). Mas como incorporar este factor ao conceito de democracia?

É evidente que uma constituição democrática deve tutelar, na sua qualidade de fundamento, os valores provenientes da fé cristã, declarando-os invioláveis precisamente em nome da liberdade. Semelhante custódia por parte do direito só subsistirá, como é manifesto, se estiver respaldada pela convicção de um grande número de cidadãos. Esta é a razão pela qual é de suprema importância para a preparação e a conservação da democracia preservar e aprofundar as convicções morais fundamentais, sem as quais ela não poderá subsistir. Estamos diante de um enorme trabalho de educação, ao qual devem dedicar-se os cristãos de hoje.

(Cardeal Joseph Ratzinger in entrevista a Jaime Antúnez Aldunate)