O no-baby boom, a mãe de todas as crises
Um suplemento do PÚBLICO de 27-7-2012 noticiou que, «pela primeira vez, um lince-ibérico, proveniente do programa de reprodução em cativeiro, teve crias em liberdade». Com efeito, a fêmea Granadilla, nascida em Espanha e libertada em 2010, teve quatro crias. Os técnicos da Junta da Andaluzia dizem tratar-se de «um enorme impulso para o futuro da espécie na região» (Recicla, nº 8, Julho-Setembro 2012, pág. 6).
A boa notícia ecológica é muito de saudar, dado o fundado receio de extinção desta raça ibérica. O número de crias é ainda insuficiente para assegurar a sobrevivência da espécie, mas os técnicos da Junta andaluza regozijaram com o feliz nascimento dos quatro pequenos linces, que a fêmea Granadilla deu à luz no país vizinho.
Como Bento XVI referiu na sua última visita à Alemanha, nomeadamente no seu discurso ao Bundestag, a ecologia é uma das grandes conquistas dos tempos modernos. Nem sempre se teve uma tão nítida consciência de que os recursos naturais, que são escassos, são património de toda a humanidade, sem esquecer as gerações futuras. Portanto, a preservação da natureza é uma obrigação que a todos incumbe e responsabiliza. Em boa hora as organizações ambientalistas sensibilizaram os poderes públicos para a necessidade de respeitar os ecossistemas, porque os vindouros também têm direito a essas riquezas naturais.
Com efeito, a obrigação de conservar os recursos naturais faz sentido sobretudo em relação às novas gerações, porque serão elas as beneficiárias desse património que, também por essa razão, não pode ser liquidado irresponsavelmente. Se assim é, a subsistência da humanidade é a primeira e a mais urgente obrigação ecológica. Não faria sentido, aliás, conservar um bem que depois a ninguém aproveitaria. Contudo, parece existir um especial pudor em reconhecer a dramática situação demográfica portuguesa, só comparável – e, certamente, não por acaso! – à não menos grave crise económica e social.
Fecham-se, todos os anos, centenas de escolas no país, mas ninguém diz que é por falta de alunos ou, mesmo que alguém o insinue, os poderes públicos não têm a coragem de promover a natalidade. É certo que a insustentabilidade da Segurança Social se deve, em boa parte, à inversão da pirâmide demográfica, mas as entidades oficiais estão mais empenhadas na contracepção e no aborto livre do que na consolidação da família. Há milhares de professores no desemprego e os sindicatos pretendem que seja o ministério a resolver a sua difícil situação laboral, mas esquecem que nenhuma portaria ministerial pode «criar» os alunos que seriam necessários para justificar esses postos de trabalho. Organizam-se marchas e abaixo-assinados contra o fecho das maternidades, mas do que se precisa realmente é de mais mães e de mais bebés e, para isso, são urgentes medidas que contrariem a trágica quebra da natalidade. Com um tão diminuto número de nascimentos, é óbvio que não se justificam, em termos económicos, nem tantas nem tão grandes maternidades.
A cura da tuberculose converteu o Caramulo numa curiosa cidade fantasma, onde as ruínas dos velhos sanatórios recordam uma numerosa população que, graças ao actual tratamento dessa doença, por meios que dispensam o internamento hospitalar, já não existe. Se não se inverter a actual tendência para o súbito envelhecimento populacional, Portugal corre sérios riscos de se converter, a médio prazo, num país fantasma.
Há já algum tempo, o Presidente da República teve por bem alertar para esta prioridade nacional, mas não consta que as entidades oficiais, as organizações ambientalistas e a sociedade civil tenham ficado consciencializadas da gravidade da situação. Nem parece que estejam, por isso, seriamente empenhadas num aumento sustentado dos nascimentos, condição sine qua non para a defesa de todas as outras riquezas naturais.
O homem, intervindo atempada e inteligentemente na natureza, pode evitar a extinção de espécies naturais, como felizmente parece estar a acontecer com o lince-ibérico. Mas os animais não poderão lograr a preservação dos homens, se o ser humano não for capaz de garantir a sua própria sobrevivência.
Gonçalo Portocarrero de Almada
(texto retirado da página no Facebook do autor)