Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quinta-feira, 30 de setembro de 2021

S. Jerónimo, presbítero, cardeal, Doutor da Igreja, séc. IV

Nasceu em Estridon (Dalmácia) cerca do ano 340. Estudou em Roma e aí foi baptizado. Tendo abraçado a vida ascética, partiu para o Oriente e foi ordenado sacerdote. Regressou a Roma e foi secretário do papa Dâmaso. Nesta época começou a revisão das traduções latinas da Sagrada Escritura e promoveu a vida monástica. Mais tarde estabeleceu-se em Belém, onde continuou a tomar parte muito activa nos problemas e necessidades da Igreja. Escreveu muitas obras, principalmente comentários à Sagrada Escritura. Morreu em Belém no ano 420.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Os sete Arcanjos

«Eu sou Rafael, um dos sete anjos que apresentam as orações dos justos e têm lugar diante da majestade do Senhor.» (Livro de Tobite 12,15)

Nas Sagradas Escrituras só aparecem denominados os Arcanjos São Miguel, São Gabriel e São Rafael, ainda que como se pode verificar na transcrição do Livro de Tobite, parte integrante da Bíblia, sejam referidos sete Arcanjos, creio que o não sabermos o nome de todos não será relevante, basta através da nossa fé acreditarmos e estarmos gratos a Deus Nosso Senhor por nos oferecer esses “escudos protetores”.

Ainda assim e de acordo com o Livro de Enoch, que não faz parte da Bíblia, os arcanjos são Uriel, Raguel, Sariel e Jerahmeel, enquanto que em outras fontes apócrifas encontramos as variantes Izidkiel, Hanael, and Kepharel ao invés dos últimos três.

- O nome do arcanjo São Rafael (Rafael = "Deus curou") não aparece nas Escrituras Hebraicas e no Antigo Testamento figura apenas no Livro de Tobite, onde ele inicialmente aparece disfarçado de companheiro de viagem do jovem Tobias, denominando-se "Azarias, filho do grande Ananias". Durante o curso da viagem, por várias vezes ocorre a proteção do anjo, incluindo a passagem no deserto e o enfrentar do demónio que já tinha matado sete maridos de Sara (Tobite 5-11). Depois de voltarem e de curar a cegueira do velho Tobias, Azarias apresenta-se como "o anjo Rafael, um dos sete (espíritos principais) que assistimos diante do Senhor" (Tobite 12:15).

São Gabriel é um dos poucos Arcanjos mencionados pelo nome na Bíblia. Existem quatro aparições suas: no Antigo Testamento em Daniel VIII e IX, e no Novo Testamento anunciando o nascimento de São João Baptista a Zacarias e anunciando à Virgem Maria a vinda de Jesus através da sua conceção virginal.

- O nome de São Miguel aparece nas seguintes passagens da Bíblia:

1. Em Daniel 10: 13 sqq, Porém o príncipe do reino dos Persas resistiu-me durante 21 dias; mas eis que veio em meu socorro Miguel, um dos primeiros príncipes, e eu fiquei lá junto do rei dos Persas. (...) Mas eu te anunciarei o que está expresso na escritura da verdade; e em todas estas coisas ninguém me ajuda senão Miguel, que é vosso príncipe.
2.Em Daniel 12, o anjo falando dos últimos dias do mundo diz: Naquele tempo levantar-se-á o grande príncipe Miguel, que é o protetor dos filhos do vosso povo.
3. Em Apocalipse 12:7, E houve no céu uma grande batalha: Miguel e os seus anjos pelejavam contra o dragão, e o dragão com os seus anjos pelejavam contra ele; porém estes não prevaleceram, e o seu lugar não se achou mais no céu. São João fala o grande conflito do final dos tempos, que reflete a batalha no céu do início dos tempos.

São Miguel aparece ainda em uma Epístola apócrifa de São Judas disputando com o demónio o corpo de Moisés, segundo uma antiga tradição judaica.

JPR

Os Arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael (excertos homilia de Bento XVI em 2007)

Celebramos a festa dos três Arcanjos que a sagrada Escritura menciona pelo seu nome próprio: Miguel, Gabriel e Rafael. Mas, o que é um anjo? A sagrada Escritura e a tradição da Igreja fazem-nos descobrir dois aspetos.

Por um lado, o Anjo é uma criatura que está diante de Deus, orientada, com todo o seu ser para Deus. Os três nomes dos Arcanjos terminam com a palavra "El", que significa "Deus". Deus está inscrito nos seus nomes, na sua natureza. A sua verdadeira natureza é a existência em vista d'Ele e para Ele.

Explica-se precisamente assim também o segundo aspeto que caracteriza os Anjos: eles são mensageiros de Deus. Trazem Deus aos homens, abrem o céu e assim abrem a terra. Exatamente porque estão junto de Deus, podem estar também muito próximos do homem. De facto, Deus é mais íntimo a cada um de nós de quanto o somos nós próprios.

Como um anjo para os outros
Os Anjos falam ao homem do que constitui o seu verdadeiro ser, do que na sua vida com muita frequência está velado e sepultado. Eles chamam-no a reentrar em si mesmo, tocando-o da parte de Deus. Neste sentido também nós, seres humanos, deveríamos tornar-nos sempre de novo anjos uns para os outros anjos que nos afastam dos caminhos errados e nos orientam sempre de novo para Deus.

Se a Igreja antiga chama os Bispos "anjos" da sua Igreja, pretende dizer precisamente o seguinte: "os próprios Bispos devem ser homens de Deus, devem viver orientados para Deus. "Multum orat pro populo" "Reza muito pelo povo", diz o Breviário da Igreja a propósito dos santos Bispos. O Bispo deve ser um orante, alguém que intercede pelos homens junto de Deus. Quanto mais o fizer, tanto mais compreende também as pessoas que lhe estão confiadas e pode tornar-se para elas um anjo um mensageiro de Deus, que as ajuda a encontrar a sua verdadeira natureza, a si mesmas, e a viver a ideia que Deus tem delas.

São Miguel: dar lugar a Deus no mundo
Tudo isto se torna ainda mais claro se olharmos agora para as figuras dos três Arcanjos cuja festa a Igreja celebra hoje. Antes de tudo está Miguel. Encontramo-lo na Sagrada Escritura sobretudo no Livro de Daniel, na Carta do Apóstolo São Judas Tadeu e no Apocalipse. Deste Arcanjo tornam-se evidentes nestes textos duas funções. Ele defende a causa da unicidade de Deus contra a soberba do dragão, da "serpente antiga", como diz João. É a perene tentativa da serpente de fazer crer aos homens que Deus deve desaparecer, para que eles se possam tornar grandes; que Deus é um obstáculo para a nossa liberdade e que por isso devemos desfazer-nos dele.

Mas o dragão não acusa só Deus. O Apocalipse chama-o também "o acusador dos nossos irmãos, que os acusava de dia e de noite diante de Deus" (12, 10). Quem põe Deus de lado, não enobrece o homem, mas priva-o da sua dignidade. Então o homem torna-se um produto defeituoso da evolução. Quem acusa Deus, acusa também o homem. A fé em Deus defende o homem em todas as suas debilidades e insuficiências: o esplendor de Deus resplandece sobre cada indivíduo.

É tarefa do Bispo, como homem de Deus, fazer espaço para Deus no mundo contra as negações e defender assim a grandeza do homem. E o que se poderia dizer e pensar de maior sobre o homem a não ser que o próprio Deus se fez homem? A outra função de Miguel, segundo a Escritura, é a de protector do Povo de Deus (cf. Dn 10, 21; 12, 1). Queridos amigos, sede verdadeiramente "anjos da guarda" das Igrejas que vos serão confiadas! Ajudai o povo de Deus, que deveis preceder na sua peregrinação, a encontrar a alegria na fé e a aprender o discernimento dos espíritos: a acolher o bem e a recusar o mal, a permanecer e tornar-se sempre mais, em virtude da esperança da fé, pessoas que amam em comunhão com Deus-Amor.

São Gabriel: Deus que chama
Encontramos o Arcanjo Gabriel sobretudo na preciosa narração do anúncio a Maria da encarnação de Deus, como nos refere São Lucas (1, 26-38). Gabriel é o mensageiro da encarnação de Deus. Ele bate à porta de Maria e, através dela, o próprio Deus pede a Maria o seu "sim" para a proposta de se tornar a Mãe do Redentor: dar a sua carne humana ao Verbo eterno de Deus, ao Filho de Deus.

Repetidas vezes o Senhor bate às portas do coração humano. No Apocalipse diz ao "anjo" da Igreja de Laodiceia e, através dele, aos homens de todos os tempos: "Eis que estou à porta e bato: se alguém ouvir a Minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (3, 20). O Senhor está à porta à porta do mundo e à porta de cada um dos corações. Ele bate para que o deixemos entrar: a encarnação de Deus, o seu fazer-se carne deve continuar até ao fim dos tempos.

Todos devem estar reunidos em Cristo num só corpo: dizem-nos isto os grandes hinos sobre Cristo na Carta aos Efésios e na Carta aos Colossenses. Cristo bate.

Também hoje Ele tem necessidade de pessoas que, por assim dizer, lhe põem à disposição a própria carne, que lhe doam a matéria do mundo e da sua vida, servindo assim para a unificação entre Deus e o mundo, para a reconciliação do universo.

Queridos amigos, compete-vos bater à porta dos corações dos homens, em nome de Cristo. Entrando vós mesmos em união com Cristo, podereis também assumir a função de Gabriel: levar a chamada de Cristo aos homens.

São Rafael: recobrar a vista
São Rafael é-nos apresentado sobretudo no Livro de Tobias como o Anjo ao qual é confiada a tarefa de curar. Quando Jesus envia os seus discípulos em missão, com a tarefa do anúncio do Evangelho está sempre ligada a de curar. O bom Samaritano, acolhendo e curando a pessoa ferida que jaz à beira da estrada, torna-se silenciosamente uma testemunha do amor de Deus. Este homem ferido, com necessidade de curas, somos todos nós. Anunciar o Evangelho, já em si é curar, porque o homem precisa sobretudo da verdade e do amor.

Do Arcanjo Rafael são referidas no Livro de Tobias duas tarefas emblemáticas de cura. Ele cura a comunhão importunada entre homem e mulher. Cura o seu amor. Afasta os demónios que, sempre de novo, rasgam e destroem o seu amor. Purifica a atmosfera entre os dois e confere-lhes a capacidade de se receberem reciprocamente para sempre. Na narração de Tobias esta cura é referida com imagens legendárias.

No Novo Testamento, a ordem do matrimónio, estabelecido na criação e ameaçado de muitas formas pelo pecado, é curado pelo facto de que Cristo o acolhe no seu amor redentor. Ele faz do matrimónio um sacramento: o seu amor, que por nós subiu à cruz, é a força restauradora que, em todas as confusões, dá a capacidade da reconciliação, purifica a atmosfera e cura as feridas. Ao sacerdote é confiada a tarefa de guiar os homens sempre de novo ao encontro da força reconciliadora do amor de Cristo. Deve ser o "anjo" curador que os ajuda a ancorar o seu amor no sacramento e a vivê-lo com empenho sempre renovado a partir dele.

Em segundo lugar, o Livro de Tobias fala da cura dos olhos cegos. Todos sabemos quanto estamos hoje ameaçados pela cegueira para Deus. Como é grande o perigo de que, perante tudo o que sabemos sobre as coisas materiais e que somos capazes de fazer com elas, nos tornamos cegos para a luz de Deus.

Curar esta cegueira mediante a mensagem da fé e o testemunho do amor, é o serviço de Rafael confiado dia após dia ao sacerdote e de modo especial ao Bispo. Assim, somos espontaneamente levados a pensar também no sacramento da Reconciliação, no sacramento da Penitência que, no sentido mais profundo da palavra, é um sacramento de cura. A verdadeira ferida da alma, de facto, o motivo de todas as outras nossas feridas, é o pecado. E só se existe um perdão em virtude do poder de Deus, em virtude do poder do amor de Cristo, podemos ser curados, podemos ser remidos.

"Permanecei no meu amor", diz-nos hoje o Senhor no Evangelho (Jo 15, 9). No momento da Ordenação episcopal Ele di-lo de modo particular a vós, queridos amigos. Permanecei no seu amor! Permanecei naquela amizade com Ele cheia de amor que Ele neste momento vos doa de novo! Então a vossa vida dará fruto um fruto que permanece (Jo 15, 16).

Bento XVI

segunda-feira, 27 de setembro de 2021

S. Vicente de Paulo

Nascido em Pouy, Dax, França em 24 de Abril de 1581.

Em 1600 é nomeado capelão da Rainha Margarida de Valois; dois anos mais tarde, é pároco de Clichy e, no ano seguinte, perceptor na célebre família "De Gondi".

1617 é o ano determinante da vida de S. Vicente: decide consagrar a sua vida ao serviço dos Pobres.

Em 1625 funda a Congregação da Missão para evangelizar o povo do campo, mas também para a formação do Clero.

Em 1633, com Luisa Marillac, funda a Filhas da Caridade.

S. Vicente foi "um plasmador de consciências, um sedutor de almas, um anunciador e um profeta da Caridade de Cristo, um verdadeiro homem de Deus".

Morreu em 27 de Setembro de 1660, mas o seu espírito continua vivo nas suas obras.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

domingo, 26 de setembro de 2021

S. Cosme e S. Damião, médicos e mártires

São Cosme e São Damião sofreram martírio em Ciro (na Síria), provavelmente durante a perseguição de Diocleciano, nos inícios do século IV. A data de 27 de Setembro corresponde provavelmente à dedicação da Basílica que o papa Félix IV mandou construir em honra deles no Foro Romano; e é ainda meta mais de turistas que de devotos, pelo esplêndido mosaico que lhe decora a abside. Sabemos que os dois irmãos curavam "todas as enfermidades, não só das pessoas, mas também dos animais", fazendo tudo gratuitamente. Em grego são chamados de "anargiros", isto é, sem dinheiro.

Os dois irmãos foram colocados no paredão para que quatro soldados os atravessassem com setas, mas "os dardos voltavam para trás e feriam a muitos, porém os santos nada sofriam ". Foram obrigados a recorrer à espada para a decapitação, honra reservada só aos cidadãos romanos e somente assim os dois mártires, juntamente com outros três irmãos, puderam prestar seu testemunho a Cristo.

Seus restos mortais, segundo consta, encontram-se em Ciro na Síria, repousando numa basílica a eles consagrada. Da Síria o seu culto alcançou Roma e dali se espalhou por toda a Igreja do Ocidente.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

sexta-feira, 24 de setembro de 2021

Nossa Senhora das Mercês

Em 621, os visigodos tornaram-se senhores de toda a Espanha. 

Em 711, vieram os árabes que os repeliram para as montanhas das Astúrias e conquistaram quase toda a Península. Foram precisos seis séculos para os expulsar.

Durante este período foram levados para África grande número de cristãos. Os que abraçavam o islamismo eram tratados como homens livres; os outros eram vendidos como escravos. Para os libertar era necessário pagar o resgate. Como nem todas as famílias tinham posses para libertar seus familiares, S. Pedro Nolasco fundou, em 1218, a Ordem das Mercês ou da Redenção dos Cativos. A própria Virgem, numa aparição, incitou a isso. Pedro contou a sua visão a S. Raimundo de Penhaforte e ao rei Jaime I, de Aragão. Os três conseguiram pôr em prática o projecto. Graças ao seu heroísmo e à generosidade dos cristãos, a obra foi fecunda em resultados e só terminou com o desaparecimento da pirataria.

Dizia o Breviário Romano que "foi com o fim de agradecer a Deus e à Santíssima Virgem os benefício de tal Instituição que se estabeleceu a festa de Nossa Senhora das Mercês".

O nome feminino, Mercedes, vem deste título especial da Virgem Maria.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

quinta-feira, 23 de setembro de 2021

Catequese de Bento XVI sobre o Padre Pio

Amados irmãos e irmãs

No centro da minha peregrinação a este lugar, onde tudo fala da vida e da santidade de Padre Pio de Pietrelcina, tenho a alegria de celebrar para vós e convosco a Eucaristia, mistério que constitui o âmago de toda a sua existência: a origem da sua vocação, a força do seu testemunho e a consagração do seu sacrifício. Saúdo com grande afecto todos vós, aqui reunidos em grande número, e quantos se encontram unidos a nós mediante a rádio e a televisão. Em primeiro lugar, saúdo o Arcebispo Domenico Umberto D'Ambrosio que, depois de anos de serviço fiel a esta Comunidade diocesana, se prepara para assumir o governo da Arquidiocese de Lecce. Agradeço-lhe cordialmente também porque se fez intérprete dos vossos sentimentos. Saúdo os demais Bispos concelebrantes. Dirijo uma saudação especial aos Frades Capuchinhos, juntamente com o Ministro-Geral, Frei Mauro Jöhri, o Definitório Geral, o Ministro Provincial, o Padre Guardião do Convento, o Reitor do Santuário e a Confraria Capuchinha de San Giovanni Rotondo. Além disso, saúdo com reconhecimento aqueles que oferecem a sua contribuição ao serviço do Santuário e das obras adjacentes; saúdo as Autoridades civis e militares; saúdo os sacerdotes, os diáconos, os outros religiosos e religiosas, bem como todos os fiéis. Dirijo um pensamento afectuoso a quantos se encontram na Casa "Alívio do Sofrimento", às pessoas sozinhas e a todos os habitantes desta vossa cidade.

Há pouco ouvimos o Evangelho da tempestade acalmada, que foi acompanhado de um texto breve mas incisivo do Livro de Job, em que Deus se revela como o Senhor do mar. Jesus ameaça o vento e ordena ao mar que se acalme, interpelando-o como se ele se identificasse com o poder diabólico. Com efeito, segundo o que nos dizem a primeira Leitura e o Salmo 106 [107], na Bíblia o mar é cosiderado um elemento ameaçador, caótico e potencialmente destruidor, que somente Deus, o Criador, pode dominar, governar e acalmar.

Porém, existe uma outra força uma força positiva que move o mundo, capaz de transformar e renovar as criaturas: a força do "amor de Cristo", (2 Cor 5, 14) – como a define São Paulo na Segunda Carta aos Coríntios –: portanto, não essencialmente uma força cósmica, mas sim divina, transcendente. Age também no cosmos mas, em si mesmo, o amor de Cristo é um "outro" poder, e esta sua alteridade transcendente, o Senhor manifestou-a na sua Páscoa, na "santidade" do "caminho" por Ele escolhido para nos libertar do domínio do mal, como tinha acontecido no êxodo do Egipto, quando fez sair os judeus através das águas do Mar Vermelho. "Ó Deus – exclama o salmista – santos são os vossos caminhos... Sobre o mar foi o vosso caminho / e a vossa senda, no meio da águas caudalosas" (Sl 77 [76], 14.20). No mistério pascal, Jesus passou através do abismo da morte, porque Deus assim quis renovar o universo: mediante a morte e a ressurreição do seu Filho, "morto por todos", para que todos possam viver "para Aquele que, por eles, morreu e ressuscitou" (2 Cor 5, 16), e não vivam unicamente para si mesmos.

O gesto solene de acalmar o mar tempestuoso é claramente um sinal do senhorio de Cristo sobre os poderes negativos e leva a pensar na sua divindade: "Quem é Este – interrogaram-se admirados e cheios de terror os discípulos – a Quem até o vento e o mar obedecem?" (Mc 4, 41). A sua fé ainda não é sólida, mas está a formar-se; é um misto de medo e de confiança; o abandono confiante de Jesus ao Pai é, ao contrário, total e puro. Por isso, por este poder do amor, Ele pode adormecer durante a tempestade, completamente seguro nos braços de Deus. No entanto, virá o momento em que também Jesus sentirá medo e angústia: quando chegar a sua hora, Ele sentirá sobre si mesmo todo o peso dos pecados da humanidade, como uma onda alta que está prestes a cair sobre Ele. Esta, sim, será uma tempestade terrível, não cósmica, mas espiritual. Será o derradeiro e extremo assalto do mal contra o Filho de Deus.

Todavia, nessa hora Jesus não duvidou do poder de Deus Pai e da sua proximidade, embora tenha tido que experimentar plenamente a distância do ódio em relação ao amor, da mentira em relação à verdade e do pecado em relação à graça. Experimentou este drama em si mesmo de maneira dilacerante, especialmente no Getsémani, antes de ser preso, e depois durante toda a paixão, até à morte na cruz. Nessa hora Jesus, por um lado, foi um só com o Pai, abandonando-se plenamente a Ele; por outro, enquanto solidário com os pecadores, foi por assim dizer separado e sentiu-se como que abandonado por Ele.

Alguns Santos viveram intensa e pessoalmente esta experiência de Jesus. Padre Pio de Pietrelcina foi um deles. Um homem simples, de origens humildes, "arrebatado por Cristo" (Fl 3, 12) como escreve de si mesmo o Apóstolo Paulo para dele fazer um instrumento eleito do poder perene da sua Cruz: poder de amor pelas almas, de perdão e de reconciliação, de paternidade espiritual e de solidariedade efectiva para com aqueles que sofrem. Os estigmas, que o marcaram no corpo, uniram-no intimamente ao Crucificado-Ressuscitado. Seguidor autêntico de São Francisco de Assis, fez sua, a exemplo do Pobrezinho, a experiência do Apóstolo Paulo, como ele mesmo descreve nas suas Cartas: "Estou crucificado com Cristo! Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 19-20); ou então: "Em nós age a morte, e em vós a vida" (2 Cor 4, 11). Isto não significa alienação, perda da personalidade: Deus nunca anula o humano, mas transforma-o com o seu Espírito e orienta-o para o serviço do seu desígnio de salvação. Padre Pio conservou os seus dons naturais e até o seu próprio temperamento, mas ofereceu tudo a Deus, que pôde servir-se disto livremente para prolongar a obra de Cristo: anunciar o Evangelho, perdoar os pecados e curar os doentes no corpo e no espírito.

Como aconteceu com Jesus, a verdadeira luta, o combate radical, Padre Pio teve que enfrentá-los não contra inimigos terrenos, mas sim contra o espírito do mal (cf. Ef 6, 12). As maiores "tempestades" que o ameaçavam eram os assaltos do diabo, dos quais se defendia com "a armadura de Deus", com "o escudo da fé" e com "a espada do Espírito, que é a palavra de Deus" (Ef 6, 11.16.17). Permanecendo unido a Jesus, ele teve sempre em vista a profundidade do drama humano, e para isto se entregou e ofereceu os seus numerosos sofrimentos, e soube dedicar-se à cura e ao alívio dos doentes, sinal privilegiado da misericórdia de Deus, do seu Reino que há-de vir, aliás, que já se encontra no mundo, da vitória do amor e da vida sobre o pecado e a morte. Guiar as almas e aliviar os sofrimentos: assim se pode resumir a missão de São Pio de Pietrelcina, como pôde dizer dele também o Servo de Deus, Papa Paulo VI: "Era um homem de oração e de sofrimento" (Aos Frades Capitulares Capuchinhos, 20 de Fevereiro de 1971).

Estimados amigos, Frades Menores Capuchinhos, membros dos grupos de oração e todos os fiéis de San Giovanni Rotondo, vós sois os herdeiros de Padre Pio e a herança que ele vos deixou é a santidade. Numa das suas cartas, ele escreve: "Parece que Jesus não tem outra preocupação, a não ser a santificação da vossa alma" (Epist. II, pág. 155). Esta era sempre a sua primeira solicitude, o seu anseio sacerdotal e paterno: que as pessoas voltassem para Deus, que pudessem experimentar a sua misericórdia e, interiormente renovadas, redescobrissem a beleza e a alegria de ser cristãos, de viver em comunhão com Jesus, de pertencer à sua Igreja e de praticar o Evangelho. Padre Pio atraía para o caminho da santidade com o seu testemunho pessoal, indicando com o exemplo a "senda" que para ela conduz: a oração e a caridade.

Antes de tudo, a oração. Como todos os grandes homens de Deus, Padre Pio tornou-se ele mesmo oração, alma e corpo. Os seus dias eram um rosário vivo, ou seja, uma contínua meditação e assimilação dos mistérios de Cristo em união espiritual com a Virgem Maria. Assim se explica a singular coexistência, nele, de dons sobrenaturais e de consistência humana. E tudo tinha o seu ápice na celebração da Santa Missa: ali ele unia-se plenamente ao Senhor morto e ressuscitado. Da oração, como de uma fonte sempre viva, jorrava a caridade. O amor que ele trazia no coração e transmitia aos outros era repleto de ternura, sempre atento às situações concretas das pessoas e das famílias. De modo especial pelos doentes e pelos sofredores, nutria a predilecção do Coração de Cristo, e precisamente dela adquiriu origem e forma o projecto de uma grande obra dedicada ao "alívio do sofrimento". Não se pode compreender, nem interpretar adequadamente tal instituição, se a mesma for separada do seu manancial inspirador, que é a caridade evangélica, animada por sua vez pela oração.

Caríssimos, tudo isto é proposto de novo hoje por Padre Pio à nossa nossa atenção. Os riscos do activismo e da secularização estão sempre presentes; por isso, esta minha visita tem também a finalidade de vos confirmar na fidelidade à missão herdada do vosso amadíssimo Padre. Muitos de vós, religiosos, religiosas e leigos, estais tão ocupados com as numerosas incumbências exigidas pelo serviço aos peregrinos, ou então aos enfermos no hospital, que correis o risco de descuidar aquilo que é verdadeiramente necessário: ouvir Cristo, para cumprir a vontade de Deus. Quando vos dais conta de que estais próximos de correr este perigo, olhai para Padre Pio: para o seu exemplo, os seus sofrimentos; e invocai a sua intercessão, a fim de que vos obtenha do Senhor a luz e a força de que tendes necessidade para dar continuidade à sua própria missão, imbuída de amor a Deus e de caridade fraterna. E do Céu, que ele continue a exercer a maravilhosa paternidade espiritual que o caracterizou durante a sua existência terrena; continue a acompanhar os seus confrades, os seus filhos espirituais e toda a obra por ele encetada. Juntamente com São Francisco e com Nossa Senhora, que ele amou em grande medida e fez amar neste mundo, vele sobre todos e vos proteja sempre. E então, também nas tempestades que se podem elevar repentinamente, podereis experimentar o sopro do Espírito Santo que é mais forte que todo o vento contrário e que impele a barca da Igreja e cada um de nós. Eis por que motivo devemos viver sempre na serenidade e cultivar no coração a alegria, dando graças ao Senhor: "O seu amor é para sempre" (Salmo responsorial).

Amém!

São Pio de Petrelcina (Padre Pio)

Nasceu no dia 25 de Maio de 1887 em Pietrelcina, na arquidiocese de Benevento, filho de Grazio Forgione e de Maria Giuseppa de Nunzio. Foi baptizado no dia seguinte, recebendo o nome de Francisco. Recebeu o sacramento do Crisma e a Primeira Comunhão, quando tinha 12 anos.

Aos 16 anos, no dia 6 de Janeiro de 1903, entrou no noviciado da Ordem dos Frades Menores Capuchinhos, em Morcone, tendo aí vestido o hábito franciscano no dia 22 do mesmo mês, e ficou a chamar-se Frei Pio. Depois da Ordenação Sacerdotal, recebida no dia 10 de Agosto de 1910 em Benevento, precisou de ficar com sua família até 1916, por motivos de saúde. Em Setembro desse ano de 1916, foi mandado para o convento de São Giovanni Rotondo, onde permaneceu até à morte.

Desde a juventude, a sua saúde era muito frágil e sobretudo nos últimos anos da sua vida, declinou rapidamente. A irmã morte levou-o, preparado e sereno, no dia 23 de Setembro de 1968; tinha ele 81 anos de idade. O seu funeral caracterizou-se por uma afluência absolutamente extraordinária de gente.

terça-feira, 21 de setembro de 2021

S. Mateus, apóstolo e evangelista

Trata-se de um dos apóstolos, homem decidido e generoso desde o primeiro momento da sua vocação. É também evangelista - o primeiro que, por inspiração divina, pôs por escrito a mensagem messiânica de Jesus.

Foi Judeu. Exercia as funções de cobrador de direitos de portagem, ao serviço de Herodes Antipas. Um dia, Jesus saía de Cafarnaum em direcção ao Lago, olhou para ele com atenção e disse-lhe: "Mateus, segue-me". E Mateus seguiu-o e foi generoso ao seguir o chamamento e agradecido ao mesmo tempo. Acompanhou sempre o Salvador. Foi testemunha da Ressurreição, assistiu à Ascensão e recebeu o Espírito Santo no dia de Pentecostes.

A glória principal de S. Mateus é o seu Evangelho, escrito primeiro em aramaico e traduzido pouco depois para o grego.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

São Mateus, um dos quatro evangelistas

S. Mateus com Anjo de Guido Reni
Santo Ireneu de Lyon (c. 130-c. 208), bispo, teólogo, mártir
Contra as heresias, III, 11, 8-9

Não pode haver mais nem menos evangelhos. Com efeito, uma vez que são quatro as regiões do mundo no qual nos encontramos, e quatro os ventos principais, e uma vez que, por outro lado, a Igreja está espalhada por toda a terra e tem por «coluna e sustentáculo» (1Tim 3,15) o Evangelho e o Espírito da vida, é natural que haja quatro colunas que sopram a imortalidade de todos os lados e dão vida aos homens. Quando o Verbo, o artesão do universo, que tem o trono sobre os querubins e que sustenta todas as coisas (Sl 79,2; Heb 1,3), Se manifestou aos homens, deu-nos um evangelho com quatro formas, embora mantido por um único Espírito. Implorando a sua vinda, David dizia: «Manifestai-Vos, Vós que tendes o vosso trono sobre os querubins» (Sl, 79,2). Porque os querubins têm quatro figuras (Ez 1,6), que são as imagens da atividade do Filho de Deus.

«O primeiro [destes seres vivos] era semelhante a um leão» (Ap 4,7), e caracteriza o poder, a preeminência e a realeza do Filho de Deus; «o segundo, a um touro», manifestando a sua função de sacrificador e de sacerdote; «o terceiro tinha um rosto como que de homem», evocando claramente a sua face humana; «o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo», indicando o dom do Espírito que paira sobre a Igreja. Os evangelhos segundo João, Lucas, Mateus e Marcos estão, pois, de acordo com estes seres vivos sobre os quais Cristo Jesus tem o seu trono. […]

Encontramos estes mesmos traços no próprio Verbo de Deus; aos patriarcas que existiram antes de Moisés, falava Ele segundo a sua divindade e a sua glória; aos homens que viveram sob a Lei, atribuiu uma função sacerdotal e ministerial; em seguida, fez-Se homem por nós; por fim, enviou o dom do Espírito a toda a terra, escondendo-os à sombra das suas asas (Sl 16,8). […] São, pois, fúteis, ignorantes e presunçosos os que rejeitam a forma como se apresenta o evangelho, ou nele introduzem um número de figuras maior ou menor do que as que referimos.

domingo, 19 de setembro de 2021

Nossa Senhora de La Salette

Nossa Senhora de La Salette (em francês Notre-Dame de La Salette) é o nome dado à Santíssima Virgem Maria nas suas aparições na montanha de La Salete, Isére, nos Alpes franceses. Nossa Senhora apareceu a 19 de Setembro de 1846 a duas crianças, Maximin Giraud de 11 anos e Mélanie Calvat de 15 anos.

O culto a Nossa Senhora de La Salette floresceu no século XX e, assim como Nossa Senhora de Lourdes (1858) e Nossa Senhora de Fátima (1917), continua a ser uma das mais famosas aparições marianas da idade moderna. Tem fortes ligações com essas duas aparições através da linha do tempo do segredo de La Salette e da confirmação em Fátima das recomendações de Lourdes.

sexta-feira, 17 de setembro de 2021

«Defender a fé sem levantar a voz»

No passado Domingo, as Paulinas lançaram em Lisboa a edição portuguesa do livro de Austen Ivereigh «Como defender a fé sem levantar a voz —Respostas civilizadas a perguntas desafiantes» (original How to Defend the Faith Without Raising Your Voice: Civil Responses to Catholic Hot-Button Issues). O livro é interessante e a edição portuguesa acrescentou-lhe dois capítulos, um dos quais é um contributo valioso para repensar a presença da Igreja no mundo.


A história remonta a Março de 2010, quando se marcou uma visita de Bento XVI à Grã-Bretanha para 16 a 19 de Setembro desse ano. Os cabecilhas do ateísmo responderam com uma campanha feroz. Richard Dawkins and Christopher Hitchens propuseram que, à chegada, o Papa fosse metido na prisão e julgado pelos tribunais britânicos. A imprensa anunciou que a visita custaria 19 milhões de libras, levantando um clamor de escândalo. O Governo não se opunha à visita, mas os burocratas encarregados de a organizar propuseram lançar uma marca de preservativos chamada «Bento XVI», que o Papa incluísse no programa a visita a uma clínica de aborto e casasse dois homossexuais.


Pouco antes, tinha-se realizado um importante debate entre personalidades do ateísmo e uma professora universitária convertida ao catolicismo e um bispo. A sondagem anterior ao debate indicou que metade da audiência apreciava positivamente o papel da Igreja católica e a outra metade considerava-o negativo. O desempenho dos esforçados católicos foi tão mau que, no final, quase toda a audiência estava contra a Igreja.


Foi nesta conjuntura que Austen Ivereigh (porta-voz do anterior Arcebispo de Westminster, Londres) e Jack Valero (porta-voz do Opus Dei no Reino Unido) decidiram formar um grupo de gente nova capaz de intervir nos meios de comunicação social. O novo Arcebispo de Westminster apoiou a ideia e assim surgiu o «Catholic Voices», que catalizou uma verdadeira revolução. O impacto desta nova forma de comunicar transformou, em poucas semanas, a opinião pública do Reino Unido.


Imaginem, por exemplo, que uma pessoa de certa idade acusa a Igreja de ser uma velha rabugenta, insensível ao desejo juvenil de relações pré-matrimoniais; e, do outro lado, um rapaz e uma rapariga jovens explicam como a ternura e o respeito entre os namorados expressam o seu amor, o seu sentido de responsabilidade e os ajudam a amadurecer e a querer-se mais. Todos compreendem que Deus está do lado da generosidade e do amor; e que o ataque à Igreja traduz uma visão carregada de desilusão e egoísmo. A maneira como se comunica faz muita diferença.


O plano inicial da visita era que o Papa Bento XVI se deslocasse num automóvel fechado, para evitar confrontos com a população, mas o panorama mudou naquelas semanas. Mesmo em zonas onde há poucos católicos, como na Escócia, o Papa foi acolhido por multidões entusiásticas. As pessoas concentravam-se nas ruas para saudar a passagem do papamóvel. 70 mil pessoas (muitas não católicas) encheram o Bellahouston Park para a Missa. Nas regiões mais católicas, a recepção foi ainda mais calorosa. Milhões de pessoas seguiam a transmissão em directo, em contínuo, de manhã à noite. As autoridades da Igreja anglicana receberam o Papa efusivamente. Os representantes dos judeus e de outras religiões emocionaram-se. Diante de todos os deputados, na solenidade máxima do Parlamento, com Bento XVI sentado no lugar de proeminência, o «Speaker» declarou que «a presença ali do Pontífice, inconcebível em tempos anteriores, é agora uma coisa completamente natural» e que «a fé não é uma relíquia do passado, incrustada na vida política, mas faz parte do seu tecido»: os deputados aplaudiram longamente. Os quatro dias da visita foram intensíssimos e, no final do dia 19, Bento XVI regressou a Roma despedindo-se de um Reino Unido profundamente mudado, enamorado da sua simpatia quase tímida.


O livro de Austen Ivereigh passa em revista os temas mais controvertidos, propondo para cada um aquele tipo de abordagem construtiva, verdadeira, que inspirou os rapazes e as raparigas do «Catholic Voices». Faltava contudo um tema, afinal de contas o principal: faltava falar de Deus, não apenas dos temas fracturantes relacionados com Deus, mas do próprio Deus. Auten Ivereigh e Jack Valero convidaram Pedro Gil a acrescentar esse tópico e por isso esta edição é ainda mais útil e completa que as anteriores.

A necessidade deste capítulo corresponde ao perigo de nos deixarmos arrastar pelo espírito da polémica, como o Papa Francisco alertou: «com a selecção de conteúdos feita pelos mass-media, a mensagem que anunciamos corre o risco de aparecer mutilada e reduzida a alguns dos seus aspectos secundários. (...) Parece assim identificar-se com esses aspectos secundários que, apesar de relevantes, não manifestam por si sós o coração da mensagem de Jesus Cristo». É preciso então «concentrar-se no essencial, no que é mais belo, mais importante, mais atraente e, ao mesmo tempo, mais necessário» (Evangelii gaudium, 34, 35).


Sim, mais atraente e mais necessário. Porém, mais desafiante. Era o capítulo que faltava a este livro: como falar de Deus.

José Maria C.S. André

quinta-feira, 16 de setembro de 2021

A emoção dominante deste ano

«A apatia pode converter-se na emoção dominante deste ano de 2021». Este prognóstico é do psicólogo Adam Grant, autor do livro Think Again, que convida a pensarmos e a procurarmos as raízes deste estado de ânimo tão presente nos nossos dias.

Grant define a apatia como uma sensação de estagnação e vazio, um estado de ânimo caracterizado pela perda de entusiasmo e de energia. Não chega a ser uma depressão, mas é claramente uma ausência de bem-estar e uma perda da alegria de viver.

A pessoa que se deixa cair nas “areias movediças” da apatia pode tornar-se “indiferente” ao facto de estar assim.

Mas, atenção: a apatia já existia antes de chegar a pandemia!

Para ela contribuem certas inércias como a dispersão provocada pelas distrações contínuas. Segundo alguns estudos, o homem actual muda de ocupação, em média, cada dez minutos, e falta-lhe motivação para lutar por uma vida estimulante que valha a pena encarar com um certo espírito de aventura.

Vários autores actuais, entre os quais se encontra Grant, defendem que recuperar “a capacidade de estarmos atentos” e fugirmos da dispersão é um caminho fundamental para vencermos a tentação da apatia.

Quem quiser aspirar a uma vida profunda não pode ter medo de mergulhar em experiências intelectuais (ler um bom livro, por exemplo) que exigem o esforço do estudo, da atenção e da paciência.

Esta “imersão” não só traz sossego à mente, mas também nos ajuda a ter a sensação clara de que a nossa vida possui um sentido que passa necessariamente por contemplar e agradecer a realidade que nos rodeia.

Como dizia alguém, os sábios da Humanidade sempre estiveram convencidos de que a verdadeira sabedoria vai unida ao esforço, atenção e profundidade. E que deixar-se arrastar pelos sentidos, vivendo uma vida superficial, é o melhor modo de cair na apatia.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

'Mater Dolorosa' de Francesco Barbieri conhecido como Guercino - Roma - Collezione Patrizi Montoro

Nossa Senhora das Dores

A festa de hoje liga-se a uma antiga tradição cristã. Contam que, na Sexta-feira da Paixão, Maria Santíssima voltou a encontrar-se com Jesus, seu filho. Foi um encontro triste e muito doloroso, pois Jesus havia sido açoitado, torturado e exposto à humilhação pública. Coroado de espinhos, Jesus arrastava até ao Calvário a pesada cruz, para aí ser crucificado. Sua Mãe, ao vê-lo tão mal tratado, com a coroa de espinhos, sofre de dor. Perdendo as forças, caiu por terra, vergada pela dor e pelo sofrimento de ver Jesus prestes a morrer suspenso na cruz. Recobrando os sentidos, reuniu todas as suas forças, acompanhou o filho e permaneceu ao pé da Cruz até o fim.

Inicialmente, esta festa foi celebrada com o título de "Nossa Senhora da Piedade" e "Compaixão de Nossa Senhora". Depois, Bento XIII (1724-1730) promulgou a festa com o título de "Nossa Senhora das Dores".

Somos convidados, hoje, a meditar os episódios mais importantes que os Evangelhos nos apresentam sobre a participação de Maria na paixão, morte e ressurreição de Jesus: a profecia do velho Simeão (Lucas 2,33ss.); a fuga para o Egipto (Mateus 2,13ss.); a perda de Jesus aos doze anos, em Jerusalém (Lucas 2,41ss.); o caminho de Jesus para o Calvário (João 19:12ss.); a crucificação (João 19,17ss.); a deposição da cruz e o sepultamento (Lucas 23,50ss.).

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

terça-feira, 14 de setembro de 2021

Viver a festa da Exaltação da Santa Cruz com alegria

(…) a 14 de setembro, voltamos a agradecer a festa da Exaltação da Santa Cruz à nossa Mãe a Igreja. O nosso Padre preparava-a e celebrava-a com especial alegria, completamente certo de que a Cruz é o trono de glória de onde Cristo atrai tudo a Si [1]. Não imaginais com que alegria indicou que, na Sede central do Opus Dei, se pintasse um grande mural representando a cena que se celebra na Liturgia: a restituição da santa Cruz a Jerusalém, depois de ter sido resgatada de mãos não crentes.


Como manifestação desta tão enraizada devoção, trazia sempre consigo uma relíquia do lignum crucis, e quis que os seus sucessores a usassem também: primeiro, o inesquecível D. Álvaro e agora eu. A todos nos impressionava o grande amor com que beijava, em cada dia, essa santa relíquia: à noite, antes de se retirar para descansar, ao começar de novo o dia e noutros momentos.

[1]. Cfr. Jo 12, 32.

(D. Javier Echevarría na carta de mês de setembro de 2012)

Exaltação da Santa Cruz

A Igreja universal celebra hoje a festa da Exaltação da Santa Cruz. É uma festa que se liga à dedicação de duas importantes basílicas construídas em Jerusalém por ordem de Constantino, filho de Santa Helena. Uma foi construída sobre o Monte do Gólgota; por isso, se chama Basílica do Martyrium ou Ad Crucem. A outra foi construída no lugar em que Cristo Jesus foi sepultado pelos discípulos e foi ressuscitado pelo poder de Deus; por isto é chamada Basílica Anástasis, ou seja, Basílica da Ressurreição.


A dedicação destas duas basílicas remonta ao ano 335, quando a Santa Cruz foi exaltada ou apresentada aos fiéis. Encontrada por Santa Helena, foi roubada pelos persas e resgatada pelo imperador Heráclio. Segundo contam, o imperador levou a Santa Cruz às costas desde Tiberíades até Jerusalém, onde a entregou ao Patriarca Zacarias, no dia 3 de Maio de 630. A partir daí a Festa da Exaltação da Santa Cruz passou a ser celebrada no Ocidente. Tal festividade lembra aos cristãos o triunfo de Jesus, vencedor da morte e ressuscitado pelo poder de Deus.

(Fonte: Evangelho Quotidiano)

A Cruz, a Santa Cruz!, pesa

Ao celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz, suplicaste a Nosso Senhor, com todas as veras da tua alma, que te concedesse a sua graça para "exaltar" a Cruz Santa nas tuas potências e nos teus sentidos... Uma vida nova! Um novo selo: para dar firmeza à autenticidade da tua embaixada..., todo o teu ser na Cruz! – Veremos, veremos. (Forja, 517)


A Cruz, a Santa Cruz!, pesa.

– Por um lado, os meus pecados. Por outro, a triste realidade dos sofrimentos da nossa Mãe a Igreja; a apatia de tantos católicos que têm um "querer sem querer"; a separação – por diversos motivos – de seres amados; as doenças e tribulações, alheias e próprias...

A cruz, a Santa Cruz!, pesa: "Fiat, adimpleatur...!". Faça-se, cumpra-se, seja louvada e eternamente glorificada a justíssima e amabilíssima Vontade de Deus sobre todas as coisas! Amen. Amen. (Forja, 769)

A Cruz não é a pena, nem o desgosto, nem a amargura... É o madeiro santo onde triunfa Jesus Cristo... e onde triunfamos nós, quando recebemos com alegria e generosamente o que Ele nos envia. (Forja, 788)

Sacrifício, sacrifício!... É verdade que seguir Jesus Cristo (disse-o Ele) é levar a Cruz. Mas não gosto de ouvir as almas, que amam o Senhor, falar tanto de cruzes e de renúncias; porque, quando há Amor, o sacrifício é gostoso – ainda que custe – e a cruz é a Santa Cruz.

A alma que sabe amar e entregar-se assim, enche-se de alegria e de paz. Então, porquê insistir em "sacrifício", como buscando consolações, se a Cruz de Cristo – que é a tua vida – te torna feliz? (Forja, 249)

São Josemaría Escrivá

Ave Crux, Spes Unica!

segunda-feira, 13 de setembro de 2021

Catequeses de Bento XVI sobre São João Crisóstomo

                      AUDIÊNCIA GERAL
    Quarta-feira, 19 de Setembro de 2007

Queridos irmãos e irmãs!
Celebra-se este ano o 16º centenário da morte de São João Crisóstomo (407-2007). Pode-se dizer que João de Antioquia, chamado Crisóstomo, isto é "Boca de ouro", ainda hoje está vivo devido à sua eloquência e também às suas obras. Um copista anónimo deixou escrito que elas "atravessam toda a terra como relâmpagos buliçosos". Os seus escritos permitem também a nós, como aos fiéis do seu tempo, que foram repetidamente privados dele por causa dos seus exílios, de viver com os seus livros, apesar da sua ausência. Foi quanto ele próprio sugeriu do exílio numa sua carta (cf. A Olimpiade, Carta 8, 45).

Nascido por volta de 349 em Antioquia da Síria (hoje Antakaya, no sul da Turquia), ali desempenhou o ministério presbiteral durante onze anos, até 397, quando, nomeado Bispo de Constantinopla, exerceu na capital do Império o ministério episcopal antes dos dois exílios, que foram um a pouco tempo do outro, entre 403 e 407. Limitamo-nos hoje a considerar os anos antioquenos de Crisóstomo.

Tendo ficado órfão de pai em tenra idade, viveu com a mãe, Antusa, que lhe transmitiu uma requintada sensibilidade humana e uma profunda fé cristã. Tendo frequentado os estudos primários e superiores, coroados pelos cursos de filosofia e retórica, teve como mestre Libânio, pagão, o mais célebre mestre de retórica da época. Na sua escola, João tornou-se o maior orador da antiguidade grega tardia. Baptizado em 368 e formado na vida eclesiástica pelo Bispo Melézio, foi por ele instituído leitor em 371. Este acontecimento marcou a entrada oficial de Crisóstomo no cursus eclesiástico. Frequentou, de 367 a 372, o asceterio, uma espécie de seminário de Antioquia, juntamente com um grupo de jovens, alguns dos quais se tornaram depois Bispos, sob a guia do famoso exegeta Diodoro de Tarso, que iniciou João na exegese histórico-literária, característica da tradição antioquena.

Retirou-se depois durante quatro anos entre os eremitas no vizinho monte Silpio. Prosseguiu aquele retiro por outros dois anos, que viveu sozinho numa gruta sob a orientação de um "idoso". Naquele período dedicou-se totalmente à meditação "das leis de Cristo", dos Evangelhos e especialmente das Cartas de Paulo. Tendo adoecido, encontrou-se impossibilitado de se curar sozinho, e por isso teve que regressar à comunidade cristã de Antioquia (cf. Palladio, Vita 5). O Senhor explica o biógrafo interveio com a enfermidade no momento justo para permitir que João seguisse a sua verdadeira vocação. De facto, escreverá ele mesmo que, colocado na alternativa de escolher entre as adversidades do governo da Igreja e a tranquilidade da vida monástica, teria preferido mil vezes o serviço pastoral (cf. Sul sacerdocio, 6, 7): precisamente para isto Crisóstomo se sentia chamado. E realiza-se aqui a mudança decisiva da sua história vocacional: pastor de almas a tempo inteiro! A intimidade com a Palavra de Deus, cultivada durante os anos da eremitério, tinha amadurecido nele a urgência irresistível de pregar o Evangelho, de doar aos outros o que tinha recebido nos anos da meditação. O ideal missionário lançou-o assim, alma de fogo, no cuidado pastoral.

Entre 378 e 379 regressou à cidade. Diácono em 381 e presbítero em 386, tornou-se célebre pregador nas igrejas da sua cidade. Pronunciou homilias contra os arianos, seguidas pelas comemorativas dos mártires antioquenos e por outras sobre as principais festas litúrgicas: trata-se de um grande ensinamento da fé em Cristo, também à luz dos seus Santos. O ano de 387 foi "o ano heróico" de João, o da chamada "revolta das estátuas". O povo derrubou as estátuas imperiais, em sinal de protesto contra o aumento das taxas. Naqueles dias de Quaresma e de angústia por causa das punições infligidas por parte do imperador, ele pronunciou as suas 22 vibrantes homilias sobre as estátuas, finalizadas à penitência e à conversão. Seguiu-se o período da serena atividade pastoral (387-397).

Crisóstomo coloca-se entre os Padres mais fecundos: dele chegaram até nós 17 tratados, mais de 700 homilias autênticas, os comentários a Mateus e a Paulo (Cartas aos Romanos, aos Coríntios, aos Efésios e aos Hebreus), e 241 cartas. Não foi um teólogo especulativo. Mas transmitiu a doutrina tradicional e segura da Igreja numa época de controvérsias teológicas suscitadas sobretudo pelo arianismo, isto é, pela negação da divindade de Cristo. Portanto, ele é uma testemunha credível do desenvolvimento dogmático alcançado pela Igreja nos séculos IV-V. A sua é uma teologia requintadamente pastoral, na qual é constante a preocupação da coerência entre o pensamento expresso pela palavra e a vivência existencial. É este, em particular, o fio condutor das maravilhosas catequeses, com as quais preparava os catecúmenos para receber o Batismo.

Próximo da morte, escreveu que o valor do homem consiste no "conhecimento exato da verdadeira doutrina e na retidão da vida" (Carta do exílio). As duas coisas, conhecimento da verdade e retidão na vida, caminham juntas: o conhecimento deve traduzir-se em vida. Cada uma das suas intervenções tinha sempre por finalidade desenvolver nos fiéis o exercício da inteligência, da verdadeira razão, para compreender e traduzir em prática as exigências morais e espirituais da fé.

João Crisóstomo preocupa-se por acompanhar com os seus escritos o desenvolvimento integral da pessoa, nas dimensões física, intelectual e religiosa. As várias fases do crescimento são comparadas a outros tantos mares de um oceano imenso: "O primeiro destes mares é a infância" (Homilia 81, 5 sobre o Evangelho de Mateus). De facto "precisamente nesta primeira idade se manifestam as inclinações para o vício e para a virtude". Por isso a lei de Deus deve ser desde o início impressa na alma "como numa tábua de cera" (Homilia 3, 1 sobre o Evangelho de João): de facto esta é a idade mais importante. Devemos ter presente como é fundamental que nesta primeira fase da vida entrem realmente no homem as grandes orientações que dão perspectiva justa à existência. Por isso Crisóstomo recomenda: "Precavei as crianças desde a mais tenra idade com armas espirituais, e ensinai-lhes a persignar a fronte com a mão" (Homilia 12, 7 sobre a primeira Carta aos Coríntios). Vêm depois a adolescência e a juventude: "à infância segue-se o mar da adolescência, onde os ventos sopram violentos..., porque cresce em nós... a concupiscência" (Homilia 81, 5 sobre o Evangelho de Mateus). Por fim, chegam o noivado e o matrimónio: "À juventude segue-se a idade da pessoa madura, na qual chegam os compromissos de família: é o tempo de procurar esposa" (ibid.). Do matrimónio, ele recorda as finalidades, enriquecendo-as com a referência à virtude da temperança de uma rica trama de relações personalizadas. Os esposos bem preparados impedem o caminho do divórcio: tudo se desenvolve com alegria e podem-se educar os filhos para a virtude. Depois, quando nasce o primeiro filho, ele é "como uma ponte; os três tornam-se uma só carne, porque o filho une as duas partes" (Homilia 12, 5 sobre a Carta aos Colossences), e os três constituem "uma família, pequena Igreja" (Homilia 20, 6 sobre a Carta aos Efésios).

A pregação de Crisóstomo realizava-se habitualmente durante a liturgia, "lugar" no qual a comunidade se constrói com a Palavra e com a Eucaristia. Nela, a assembleia reunida expressa a única Igreja (Homilia 8, 7 sobre a Carta aos Romanos), a mesma palavra dirige-se em qualquer lugar a todos (Homilia 24, 2 sobre a primeira Carta aos Coríntios), e a comunhão eucarística torna-se sinal eficaz de unidade (Homilia 32, 7 sobre o Evangelho de Mateus). O seu projeto pastoral estava inserido na vida da Igreja, na qual os fiéis leigos com o Batismo assumem o ofício sacerdotal, real e profético. Ele diz ao fiel leigo: "Também a ti o Batismo torna rei, sacerdote e profeta" (Homilia 3, 5 sobre a segunda Carta aos Coríntios). Provém daqui o dever fundamental da missão, porque cada um de certa forma é responsável da salvação dos outros: "Este é o princípio da nossa vida social... não nos interessarmos apenas de nós!" (Homilia 9, 2 sobre o Génesis). Tudo isto se desenvolve entre dois pólos: a grande Igreja e a "pequena Igreja", a família, em relação recíproca.

Como podeis ver, queridos irmãos e irmãs, esta lição de Crisóstomo sobre a presença autenticamente cristã dos fiéis na família e na sociedade, permanece ainda hoje atual como nunca. Rezemos ao Senhor para que nos torne dóceis aos ensinamentos deste grande Mestre da fé.

                                               AUDIÊNCIA GERAL
                           Quarta-feira, 26 de Setembro de 2007

Queridos irmãos e irmãs!
Continuamos hoje a nossa reflexão sobre São João Crisóstomo. Depois do período passado em Antioquia, em 397 ele foi nomeado Bispo de Constantinopla, a capital do Império romano do Oriente. Desde o início, João projetou a reforma da sua Igreja:  a austeridade do palácio episcopal devia servir de exemplo para todos clero, viúvas, monges, palacianos e ricos.
Infelizmente, muitos destes, atingidos pelos seus juízos, afastaram-se dele. Solícito pelos pobres, João foi chamado também "Esmoler". De facto, como administrador atento ele conseguiu criar instituições caritativas muito apreciadas. O seu arrojo nos vários âmbitos fez com que ele se tornasse para alguns um rival perigoso. Ele, contudo, como verdadeiro Pastor, tratava todos de modo cordial e paterno. Sobretudo, destinava considerações sempre ternas às mulheres e cuidados especiais ao matrimónio e à família. Convidava os fiéis a participar na vida litúrgica, por ele tornada esplendorosa e atraente com genial criatividade.

Não obstante o coração generoso, não teve uma vida tranquila. Pastor da capital do Império, viu-se com frequência envolvido em questões e intrigas políticas, devido aos seus contínuos relacionamentos com as autoridades e as instituições civis. Depois, a nível eclesiástico foi acusado de ter superado os confins da própria jurisdição, e tornou-se assim alvo de fáceis acusações. Outro pretexto contra ele foi a presença de alguns monges egípcios, excomungados pelo patriarca Teófilo de Alexandria que se refugiaram em Constantinopla. Uma acesa polémica foi depois originada pelas críticas feitas por Crisóstomo à imperatriz Eudóxia e às suas palacianas, que reagiram desacreditando-o e insultando-o. Chegou-se assim à sua deposição, no sínodo organizado pelo mesmo patriarca Teófilo em 403, com a consequente condenação ao primeiro breve exílio. Depois do seu regresso, a hostilidade suscitada contra ele desde o protesto contra as festas em honra da imperatriz que o Bispo considerava como festas pagãs, sumptuosas e a expulsão dos presbíteros encarregados dos Batismos na Vigília pascal de 404 marcaram o início da perseguição de Crisóstomo e dos seus seguidores, os chamados "Joanitas".

Então João denunciou através de carta os factos ao Bispo de Roma, Inocêncio I. Mas já era demasiado tarde. No ano de 406 teve de novo que se refugiar no exílio, desta vez em Cucusa, na Arménia. O Papa estava convencido da sua inocência, mas não tinha o poder de o ajudar. Um Concílio, querido por Roma para uma pacificação entre as duas partes do Império e entre as suas Igrejas, não pôde ser realizado. O deslocamento extenuante de Cucusa para Pytius, meta nunca alcançada, devia impedir as visitas dos fiéis e interromper a resistência do exilado extenuado:  a condenação ao exílio foi uma verdadeira condenação à morte! São comovedoras as numerosas cartas do exílio, nas quais João manifesta as suas preocupações pastorais com tonalidades de participação e de sofrimento pelas perseguições contra os seus. A marcha rumo à morte terminou em Comano no Ponto. Aqui, João moribundo, foi levado para a capela do mártir São Basilisco, onde rendeu a alma a Deus e foi sepultado, mártir ao lado do mártir (Palladio, Vita 119). Era o dia 14 de Setembro de 407, festa da Exaltação da Santa Cruz. A reabilitação teve lugar em 438 com Teodósio II. As relíquias do santo Bispo, colocadas na igreja dos Apóstolos em Constantinopla, foram depois trasladadas em 1204 para Roma, para a primitiva Basílica constantiniana, e agora jazem na capela do Coro dos Cónegos da Basílica de São Pedro. A 24 de Agosto de 2004 uma considerável parte delas foi doada pelo Papa João Paulo II ao Patriarca Bartolomeu I de Constantinopla. A memória litúrgica do santo celebra-se a 13 de Setembro. O beato João XXIII proclamou-o padroeiro do Concílio Vaticano II.

Foi dito acerca de João Crisóstomo que, quando foi colocado no trono da Nova Roma, isto é, Constantinopla, Deus mostrou nele um segundo Paulo, um doutor do Universo. Na realidade, em Crisóstomo há uma unidade substancial de pensamento e de ação tanto em Antioquia como em Constantinopla. Mudam só o papel e as situações. Meditando sobre as oito obras realizadas por Deus no suceder-se dos seis dias no comentário do Génesis, Crisóstomo deseja reconduzir os fiéis da criação ao criador:  "É um grande bem", diz, "conhecer o que é a criatura e o que é o Criador".

Mostra-nos a beleza da criação e a transparência de Deus na sua criação, a qual se torna assim quase que uma "escada" para subir a Deus, para o conhecer. Mas a este primeiro passo acrescenta-se um segundo:  este Deus criador é também o Deus da condescendência (synkatabasis). Nós somos débeis na "subida", os nossos olhos são débeis. E assim Deus torna-se o Deus da condescendência, que envia ao homem pecador e estrangeiro uma carta, a Sagrada Escritura, de modo que criação e Sagrada Escritura completam-se. À luz da Escritura, da carta que Deus nos deu, podemos decifrar a criação. Deus é chamado "pai terno" (philostorgios) (ibid.), médico das almas (Homilia 40, 3 sobre o Génesis), mãe (ibid.) e amigo afetuoso (Sobre a providência 8, 11-12). Mas a este segundo passo primeiro a criação como "escada" para Deus e depois a condescendência de Deus através duma carta que nos deu, a Sagrada Escritura acrescenta-se um terceiro passo. Deus não só nos transmite uma carta:  em definitiva, desce Ele mesmo, encarna-se, torna-se realmente "Deus connosco", nosso irmão até à morte na Cruz. E a estes três passos Deus é visível na criação, Deus dá-nos uma sua carta, Deus desce e torna-se um de nós acrescenta-se no final um quarto passo. No arco da vida e da acção do cristão, o princípio vital e dinâmico é o Espírito Santo (Pneuma), que transforma as realidades do mundo. Deus entra na nossa existência através do Espírito Santo e transforma-nos do interior do nosso coração.

Nesta panorâmica, precisamente em Constantinopla João, no comentário continuativo dos Actos dos Apóstolos, propõe o modelo da Igreja primitiva (Act 4, 32-37) como modelo para a sociedade, desenvolvendo uma "utopia" social (quase uma "cidade ideal"). De facto, tratava-se de dar uma alma e um rosto cristão à cidade. Por outras palavras, Crisóstomo compreendeu que não é suficiente dar esmola, ajudar os pobres sempre que precisem, mas é necessário criar uma nova estrutura, um novo modelo de sociedade; um modelo baseado na perspectiva do Novo Testamento. É a nova sociedade que se revela na Igreja nascente. Portanto João Crisóstomo torna-se assim realmente um dos grandes Padres da Doutrina Social da Igreja:  a velha ideia da "polis" grega é substituída por uma nova ideia de cidade inspirada na fé cristã. Crisóstomo defendia com Paulo (cf. 1 Cor 8, 11) a primazia de cada cristão, da pessoa como tal, também do escravo e do pobre. O seu projecto corrige assim a tradicional visão grega da "polis", da cidade, na qual amplas camadas de população eram excluídas dos direitos de cidadania, enquanto na cidade cristã todos são irmãos e irmãs com iguais direitos. A primazia da pessoa é também a consequência do facto que realmente partindo dela se constrói a cidade, enquanto que na "polis" grega a pátria era superior ao indivíduo, o qual estava totalmente subordinado à cidade no seu conjunto. Assim com Crisóstomo tem início a visão de uma sociedade construída pela consciência cristã. E ele diz-nos que a nossa "polis" é outra, "a nossa pátria está no céu" (Fl 3, 20) e esta nossa pátria também nesta terra nos torna iguais, irmãos e irmãs, e obriga-nos à solidariedade.

No final da sua vida, do exílio nos confins da Arménia, "o lugar mais remoto do mundo", João, voltando à sua primeira pregação de 386, retomou o tema que lhe era tão querido do plano que Deus prossegue em relação à humanidade:  é um plano "indizível e incompreensível", mas certamente guiado por Ele com amor (cf. Sobre a providência 2, 6). É esta a nossa certeza.

Mesmo se não podemos decifrar os pormenores da história pessoal e colectiva, sabemos que o plano de Deus se inspira sempre no seu amor. Assim, apesar dos sofrimentos, Crisóstomo reafirmava a descoberta de que Deus ama cada um de nós com um amor infinito, e por isso deseja que todos se salvem. Por seu lado, o santo Bispo cooperou nesta salvação generosamente, sem se poupar, ao longo de toda a sua vida. De facto ele considerava o fim último da sua existência a glória de Deus, que já agonizante deixou como extremo testamento:  "Glória a Deus por tudo!" (Palladio, Vita 11).