Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 22 de abril de 2020

Ninguém dá o que não tem

Convence-te: o teu apostolado consiste em difundir bondade, luz, entusiasmo, generosidade, espírito de sacrifício, constância no trabalho, profundidade no estudo, amplitude na entrega, actualização, obediência absoluta e alegre à Igreja, caridade perfeita... Mas ninguém dá o que não tem. (Sulco, 927)

Não o esqueças: convencemos tanto melhor quanto mais convencidos estivermos. (Sulco, 929)

"Não se acende a luz para a pormos debaixo de um alqueire, mas sobre um candeeiro, a fim de que ilumine todos os da casa; assim brilhe a vossa luz diante dos homens, de maneira que vejam as vossas boas obras e glorifiquem o vosso Pai que está nos Céus".

E, no final da sua passagem pela Terra, ordena: "euntes docete", ide e ensinai. Quer que a sua luz brilhe na conduta e nas palavras dos seus discípulos. Nas tuas também. (Sulco, 930)
Que essa ideia do catolicismo é velha e, portanto, inaceitável?... Mais antigo é o Sol, e não perdeu a sua luz; mais arcaica é a água, e ainda tira a sede e refresca! (Sulco, 937)

Alguns não sabem nada de Deus..., porque não lhes falaram d'Ele em termos compreensíveis. (Sulco, 941)

Acredita em mim: normalmente, o apostolado, a catequese, tem de ser capilar: um a um. Cada crente com o seu companheiro mais próximo.

A nós, filhos de Deus, interessam-nos todas as almas, porque nos interessa cada uma delas. (Sulco, 943)

São Josemaría Escrivá

ESTADO DE EMERGÊNCIA CRISTÃ

Uma proposta diária de oração pessoal e familiar.

35º Dia. Quarta-feira da segunda semana da Páscoa, 22 de Abril de 2020.

Meditação da Palavra de Deus (Jo 3, 16-21)

Deus ama o mundo!
Naquele tempo, disse Jesus a Nicodemos: ‘Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito, para que todo o homem que acredita n’Ele não pereça, mas tenha a vida eterna. Porque Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.
Se mais nada tivesse sido dito por Jesus Cristo, esta breve passagem já teria justificado a sua encarnação e vinda a este mundo: que coisa maravilhosa é saber deste amor de Deus ao mundo e que a missão do seu Filho não é a de nos condenar, mas de nos salvar!
É tradicional dizer que os três inimigos da alma humana são o demónio, o mundo e a carne. A renúncia ao mundo era uma das condições para a vida perfeita, nomeadamente na vida religiosa.
É verdade que o mundo pode ser entendido como sinónimo de mundano ou frívolo, superficial, e, nesse sentido, é um sério obstáculo a uma vida cristã plena. Mas também pode e deve ser entendido como sinónimo de criação, em cujo caso é uma coisa boa, admirável até.
A principal beleza e bondade do mundo não está na natureza, mas na humanidade, que Deus criou à sua imagem e semelhança. Depois de cometido o pecado original, Deus não desistiu desse seu amor, pois enviou o seu Filho ao mundo para que o salvasse: “Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele.
O optimismo é o realismo cristão e o pessimismo uma atitude incompatível com a fé. Por isso, São Paulo dizia, na sua carta aos cristãos de Roma, que todas as coisas concorrem para o bem daqueles que amam a Deus. Estes tempos não são maus, mas excelentes, mais que não seja porque são os tempos que Deus quis para nós, ou seja, para a nossa santificação. Somos mais pedinchões do que agradecidos, mas há tanta gente e tanta coisa pelas quais devemos estar gratos a Deus!
Jesus não veio condenar, mas salvar. Também se pode dizer o mesmo de cada um de nós ou, pelo contrário, nas nossas obras, palavras, desejos e pensamentos, estamos sempre a condenar o nosso próximo? Mesmo quando seja nosso dever corrigir alguém, saibamos fazê-lo com amor, ou seja, de uma forma positiva, não como quem condena, mas como quem quer “que o mundo seja salvo por ele”.  
     
Intenções para os mistérios gloriosos do Santo Rosário de Nossa Senhora:

1º - A Ressurreição de Nosso Senhor. Cristo ressuscitado podia ter desistido de Pedro, que por três vezes O negou, mas preferiu perdoar e confiar, porque mais podia o seu amor e misericórdia. Que o Senhor nos conceda a graça de perdoar e confiar no nosso próximo.
2º - A Ascensão de Jesus aos Céus. Jesus disse: “Vinde a Mim todos os que estais fatigados e carregados, e Eu vos aliviarei” (Mt 11, 28). Rezemos para que a esperança do Céu anime os que se encontram fatigados e sobrecarregados. 
3º - A vinda do Espírito Santo. O Paráclito apareceu aos apóstolos sob a forma de línguas de fogo. Que o Espírito Santo nos ensine sempre o que, para a santificação do nosso próximo, devemos dizer.
4º - A Assunção de Nossa Senhora. De Maria, nunca se ouviu nenhuma crítica, nem murmuração. Que Nossa Senhora nos ensine a calar, quando não pudermos louvar.
5º - A coroação de Maria Santíssima. Não é fácil ser-se humilde quando se é exaltado, mas Maria disse-se serva, quando foi elevada à excelsa dignidade de Mãe de Deus.  Que o seu exemplo nos recorde que tudo o que de bom somos, ou temos, a Deus o devemos.

Para ler, meditar e partilhar! Obrigado e até amanhã, se Deus quiser!

Com amizade,
P. Gonçalo Portocarrero de Almada

O sentido genuíno do trabalho

Um dos problemas mais “espinhosos” da actualidade é a conciliação entre trabalho e família. Parece um dilema profundo de difícil resolução.

Para as mulheres esse dilema pode-se expressar mais ou menos assim: “Ou trabalhas ou tens filhos. Ou te dedicas à tua carreira profissional ou cuidas do teu lar”.

Para os homens o mesmo dilema costuma ter outras “tonalidades”: “Ter filhos agora complica a nossa carreira profissional. Isso seria um transtorno para o nosso casamento. Quando tudo estiver estável economicamente, então, sim. Agora, querida, não dá jeito nenhum”.

A constituição de uma família aparece como um obstáculo para o trabalho, e o trabalho também pode ser visto como um estorvo para a família. Realidades que na sua origem pareciam inseparáveis são vistas neste momento como irreconciliáveis.

O problema não se reduz à perda do sentido da família. A questão está em que se não entendemos o que é uma família, também não entenderemos o sentido profundo que possui o trabalho.

Fomos criados para amar e ser amados. Isto só se realiza no dom sincero de nós mesmos aos outros.

Só com estas premissas claras poderemos entender que o trabalho não é nunca um fim em si mesmo. Não é um âmbito de auto-afirmação ou de auto-desenvolvimento. É – deve ser – um verdadeiro serviço. Um modo de cooperar no bem comum da sociedade, começando pela que temos lá em casa, que se chama família.

É, muitas vezes, a noção do trabalho como “algo meu” – a minha carreira, os meus êxitos, o meu ordenado – que faz “rebentar” a família que tenho lá em casa.

É urgente reconquistar o sentido genuíno do trabalho como “dom de si”: serviço directo ao cônjuge, aos filhos e a toda a sociedade.

Pe. Rodrigo Lynce de Faria

REFLEXÕES SOBRE A PESTE DE 2020 (III) Luís Filipe Thomaz

Este tema conduz-me insensivelmente a uma terceira reflexão. Quando revolvo em mente o contraste entre a violência que implicou o fim do nazismo e a suavidade com que se dissipou o comunismo, sinto a tentação de estabelecer comparações e concluir que este teve uma morte serena porque na sua raiz jazia uma ideia de justiça social, ao passo que aquele acabou em tragédia porque radicava da mera soberba de um povo e da sede de poder de um homem. É, porém, pensamento em que não quero consentir, pois seria uma afronta ao Deus escondido, cujos desígnios nos são opacos.
              A tentação do providencialismo é muito antiga: já na época de Constantino escreveu Lactâncio um tratado Sobre a morte dos perseguidores, em que se esforçava por provar que todos os imperadores que perseguiram a Igreja acabaram por morrer de morte violenta. E em águas semelhantes navegou na centúria seguinte o primeiro escritor conhecido do território português, Paulo Orósio, autor de uma História contra os Pagãos. Dele escreveu É. Amann no Dictionnaire de Théologie Catholique: "com um robusto otimismo, ele imagina ter quase penetrado nos desígnios do Eterno; pelo menos, lê claramente, até nos mais pequenos detalhes da história de cá-em-baixo a intervenção de lá-em-cima e a sua significação". Nos séculos XVI e XVII essa maneira de olhar a História fez escola, facultando bastas vezes aos historiadores uma explicação fácil para o inexplicável.
              Se da metodologia histórica esse providencialismo primário despareceu praticamente, na mentalidade do vulgo continua ainda a grassar. Recebi há poucos dias um texto, dos que circulam na internet, em que o autor se interrogava por que motivo, sendo a epidemia um castigo de Deus, fora aparentemente superada já na China, sem grande dificuldade, ao passo que no resto do mundo continuava a causar dano: a punição divina devia atingir sobretudo os países que têm regimes ateus, como é o caso da China…
              Aventam outros que Deus estará irado com a imoralidade que — com a conivência dos poderes públicos, que legalizam e até fomentam práticas como o aborto, o casamento homossexual e a eutanásia — invadiu a nossa sociedade, que não só peca como, o que é bem mais grave, perdeu a noção do que é pecado. Colhemos por isso o que semeámos…
              O Antigo Testamento fala-nos, de facto, de penas infligidas por Deus aos pecadores, individuais ou mesmo coletivos, como foi nomeadamente o caso de Sodoma e Gomorra; e aí, porque é a Escritura que o diz, podemos afirmar que andou o dedo de Senhor. Podemos também afirmá-lo nos casos em que uma pessoa ou uma coletividade arca com as consequências naturais, ainda que desproporcionadas, dos seus atos — pois a ordem da natureza é obra de Deus e não é impunemente que se infringem as suas leis: fulano morreu de pneumonia porque foi tomar banho ao mar em Janeiro, sicrano quebrou a espinha porque se pôs a escalar um pico montanhoso sem tomar as devidas precauções, e assim por diante. Fora de tais casos é inaceitável presunção afirmar que fulano "teve o castigo que merecia" ou que beltrano "não merecia sofrer o que sofreu". Só o Deus que perscruta os corações e os rins sabe o que cada um merece!
              Melhor do que investigar os desígnios de Deus é exclamar com S. Paulo: "Ó abismo da riqueza da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus decretos e incompreensíveis suas vias! (Rom 11, 33).
              Enviou-me há dias um dos meus parentes de Goa um judicioso comentário sobre a atual crise escrito por Eugénio Viassa Monteiro,  um goês que presentemente ensina em Bombaim, em que cita extensamente um texto redigido por Anne Graham — filha do famoso pregador batista dos Estados Unidos Billy Graham (1918-2018) — a propósito do furacão Katrina, mas que se pode aplicar a qualquer outra catástrofe natural. Apreciei sobretudo a delicadeza com que esta observava:

Penso que Deus estará muito triste com tudo isso, como nós estamos, mas durante anos estivemos a dizer-Lhe para sair das nossas escolas, para sair da vida pública, para sair das nossas vidas… Como gentleman que Ele é, penso que tranquilamente se afastou.

              A última frase parece um eco do cântico de Moisés no Deuteronómio (32, 20): "esconderei deles a Minha face, e verei o que lhes sucede, pois são uma geração perversa, filhos infiéis". Seja como for, a imagem de um Deus que gentilmente se retira, deixando a natureza agir conforme as suas leis, é de longe preferível à de um Deus vingador que castiga prontamente as ofensas que se lhe façam. Contudo, a explicação que a autora dá para esse afastamento do Senhor propende um tanto ou quanto para aquele providencialismo ignaro da transcendência de Deus, que acima criticávamos a Paulo Orósio:

À luz de alguns acontecimentos como ataques terroristas, tiros nas escolas, etc., fico a pensar que tudo começou quando X. X. se lamentou do absurdo das orações nas nossas escolas. E nós dissemos, OK, não há mais orações nas escolas!
Depois, alguém se lembrou que não fazia sentido ler a Biblia na escola (a Biblia diz: não matarás, não roubarás e… ama o teu próximo como a ti mesmo). E nós dissemos, OK. Não há Bíblia!
O Dr. B. S. disse que não devemos bater nas crianças quando se portam mal, porque podemos ferir as suas personalidades e reduzir a sua autoestima (o seu filho suicidou-se). E nós pensámos: um perito sabe do que fala. E dissemos, OK! Está bem. Agora perguntamo-nos porque as nossas crianças não tem consciência do que está bem e do que está mal? E friamente dão um tiro num estrangeiro, ou num colega seu de aula e nelas próprias.
Se O escorraçamos das nossa vidas, das escolas, da vida pública… o que é que podíamos esperar, senão que as forças do mal tivessem livre curso? Inevitavelmente concluímos que “colhemos o que semeámos”. E perante as aflições podemos perguntar-nos, porque Deus deixa que isso aconteça?

              Estou também eu convencido de que dentro em breve a nossa sociedade irá pagar caro pelo seus erros; mas não exatamente pela intervenção de um Deus que se vinga, antes pelo mecanismo do homem que se afoga por persistir em ir para fora de pé sem ter aprendido a nadar. Uma juventude educada no hedonismo, no culto da autossatisfação, na religião dos direitos individuais, sem que jamais se lhe fale dos seus deveres, não estará amanhã preparada para enfrentar situações de crise como a que hoje vivemos, em que se requere altruísmo, espírito de sacrifício e sujeição do interesse individual ao bem comum. Disso tivemos uma amostra há dois ou três dias atrás: em Miami, na Florida, um grupo de jovens persistiu em realizar a festa, bem regada com cerveja, que tinham aprazada; resultado: 20 infetados e dois mortos…
              É nesse sentido que entendo a citação de Alexander Soljenitize com que Anne Graham remata o seu texto:

Consagrei-me durante 50 anos ao estudo. Li centenas de livros, reuni muitos testemunhos pessoais, publiquei oito obras. Hoje, se tivesse de resumir o mais brevemente possível a verdadeira causa do nosso problema, só teria uma explicação: o homem esqueceu-se de Deus… E se me pedissem que dissesse claramente qual a maior ameaça, ainda assim não acharia outra coisa para dizer, senão que o homem se esqueceu de Deus.

              Aprovo assim por isso inteiramente o que se pode considerar a conclusão que de tudo isto retira o meu amigo de Bombaim, a quem devemos o comentário:

A atual crise do vírus mostrou ao homem a sua pequenez… tudo quanto sabe e fez, é zero, nada, incapaz de dominar um miserável vírus! E talvez isso o leve a considerar como a sua arrogância fez expulsar o Criador da sua vida, pondo-O sob suspeita. Talvez seja este o modo de nos trazer à realidade, à situação de criaturas, carentes da proteção do Criador.

              Esta conclusão vem assim a coincidir quase inteiramente com um belo ensinamento do ancião Emiliano, arquimandrita do mosteiro de Simonópetra, no Monte Athos, falecido há pouco mais de um ano:

A doença é uma visita de Deus, uma visita divina. A doença humilha-nos, ensina-nos, reforma-nos. Desperta-nos para a realidade e torna-nos capazes de discernir o que é realmente importante e de valor. Não é um castigo, mas uma visita divina para nossa educação e correção

(continua, são no total VII reflexões)

A ‘morte digna’ e a Páscoa

Muito se tem discutido, recentemente, o pretenso direito a uma ‘morte digna’, ou seja, à eutanásia. É óbvio que para um cristão, que professa necessariamente o Evangelho da vida, a questão não faz sentido, porque a vida é um dom de Deus e, como em boa hora recordaram agora os nossos bispos, em oportuníssima nota pastoral, não cabe impedi-la, pelo aborto; abreviá-la, pela eutanásia; ou prolongá-la artificialmente, pela chamada distanásia ou obstinação terapêutica.

Contudo, é lícito causar a morte do injusto agressor, se assim o exigir a legítima defesa. O mesmo se diga da guerra em que, se for justa, também é eticamente aceitável recorrer aos meios necessários para fazer frente ao inimigo, mesmo sabendo que, por essa via, se podem ceifar vidas humanas. Em casos extremos, a pena de morte também pode ser moralmente lícita, se de facto for o único meio capaz de lograr a efectiva defesa do bem comum, embora hoje se entenda que o recurso à pena capital não se justifica nos Estados modernos.

Outra coisa é a morte provocada, consciente e voluntariamente, de um ser humano inocente, como acontece no aborto e na eutanásia. Nestes casos, atenta-se contra uma vida humana e, por isso, em termos éticos e jurídicos, uma tal acção não pode ser outra coisa que não seja um homicídio. A compaixão do agente não pode legitimar uma acção intrinsecamente má e contrária ao quinto mandamento da lei de Deus, embora talvez possa ser tida como atenuante da sua responsabilidade criminal. É óbvio que é mais grave matar alguém, a sangue frio, do que abreviar uma vida em grande sofrimento e já em estado terminal, mas também esta acção é, para todos os efeitos jurídicos, éticos e religiosos, um crime. Como se costuma dizer, os fins não justificam os meios: um terrorista, que mata por uma causa patriótica ou religiosa, não é, por isso, menos assassino; como não é menos ladrão o que rouba, qual novo Robin dos Bosques, para depois dar esmolas aos pobres.

Também o vago conceito de ‘morte digna’, ‘boa morte’, ou eutanásia, tem muito que se lhe diga. É digna a morte de uma pessoa corrupta, que falece na melhor clínica do mundo, sem dor? É indigna a morte de um sem-abrigo, que morre de fome e de frio, numa qualquer viela de uma grande cidade? Será indigna a vida do sujeito iníquo, como indigna será também a sua morte impenitente, mesmo que na abundância e sem qualquer sofrimento. Terá sido digna a vida e a morte do sem-abrigo, se sempre viveu de acordo com os princípios éticos, mesmo que na maior miséria. É óbvio que se devem prestar todos os auxílios aos moribundos e evitar, tanto quanto seja moralmente possível, o seu sofrimento, mas a dignidade da morte afere-se pela dignidade da vida e não pelas condições materiais em que ocorre, nem pela ausência ou menor intensidade das dores da agonia final.

A morte mais digna de toda a história da humanidade é a de Cristo na Cruz e, no entanto, nenhuma foi mais humilhante, nem mais dolorosa. Morreu crucificado, como um escravo, nu, sobre o lenho em que, em jeito de troça, se escreveu: Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. E, contudo, aquele madeiro foi o trono da sua realeza, aqueles espinhos foram a coroa da sua omnipotência e o letreiro o reconhecimento da sua majestade universal. E, por isso, do alto da Cruz, Cristo não só teve palavras de perdão para o bom ladrão, como também para os seus assassinos. Matar é próprio de um criminoso, mas perdoar e amar é próprio de Deus, cujo rosto é a misericórdia.

A dignidade humana não reside principalmente no poder, nem na riqueza, nem no saber, nem na fama, nem no prazer ou na ausência de sofrimento. Está, como em Cristo, no cumprimento integral da missão de serviço a que é chamada cada vida humana: Jesus não abreviou o seu sofrimento terminal, mas viveu-o até ao fim, até estar tudo consumado. Outro tanto fizeram os santos, com imensa coragem, como São João Paulo II. A verdadeira dignidade humana está, sobretudo, no amor: “ninguém tem mais amor do que quem dá a vida” – até ao fim! – “pelos seus amigos” (Jo 15, 13).

Santa Páscoa da ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo!

Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada