Depois de termos vivido os tempos penitentes da Quaresma, em que procurámos experimentar, através de uma mortificação mais intensa, a própria via dolorosa de Nosso Senhor Jesus Cristo, surge o Domingo da Ressurreição (Domingo de Páscoa, neste ano no dia 24).
Toda a Quaresma está orientada para este momento fundamental da passagem do Mestre sobre a terra. Com ela, Jesus manifesta-Se Senhor da vida e Senhor da morte. Se foi Ele que deu origem à vida, com a criação, foi Ele também que nos garantiu que havemos um dia de ressuscitar, vencendo a lei da morte que Satanás trouxe ao mundo, como se observa no Livro da Sabedoria: “(...) Deus criou o homem para a imortalidade, e fê-lo imagem da sua própria natureza; mas pela inveja do demónio a morte entrou no mundo...” Sab 2, 23-24
Na verdade, com a sua palavra pérfida e enganadora, o espírito do mal – Jesus chamou-lhe com toda a propriedade, “pai da mentira” (Jo 8, 44) – convenceu os nossos primeiros pais que, no dia em que desobedecessem a Deus, ao contrário do que Ele lhes havia dito, em lugar de morrerem, passariam a ser completamente autónomos, ou seja, deuses de si mesmos. Iavé seria, assim, um ser inferior e mentiroso, que intimidaria o homem com a morte e o sofrimento, a fim de que ele sempre fosse dócil aos seus mandatos. Não deveria questioná-los, mas, pura e simplesmente, fiar-se deles e pô-los em prática.
Ao crerem mais em Satanás do que em Deus, Adão e Eva, após a falta original, ficaram perplexos, escravos do demónio e do pecado, que lhes trouxe a morte e o sofrimento. E a sua atitude mais notória foi a de fugirem de Deus, de Quem passaram a ter medo. Antes, o seu relacionamento com Ele era a de filho-Pai. A partir da desobediência, o teor da sua atitude para com Deus torna-se a de um escravo que teme o seu senhor, com receio do castigo que este pode infringir-lhe.
A misericórdia divina, porém, não abandona o homem. E depois de o recriminar pelo seu acto de orgulho e de desobediência, Deus promete que, da linhagem da mulher, há-de vir alguém, capaz de retirar o homem do poder de Satanás (Gén. 3, 15), a quem se entregou de modo orgulhoso e consciente, como se este fosse mais credível do que Deus e lhe desejasse um bem maior do que tudo o que Deus lhe tinha dado com a sua criação. Este Alguém é Jesus Cristo, Verbo de Deus, Segunda Pessoa da Santíssima Trindade, que no seio de Maria Virgem, por especial graça do Espírito Santo – “da linhagem da mulher” – encarna, isto é, assume a natureza humana, a fim de a recapacitar para a recepção do maior bem a que pode aspirar: o reino de Deus, o Céu, o fim para o qual Deus a tinha destinado quando o criou.
Por tudo isto, compreendemos a veemência com que S. Paulo lembra, numa das suas pregações, que a nossa fé seria vã se Cristo não tivesse ressuscitado. Efectivamente, a Ressurreição é o penhor da nossa vida eterna feliz. Cristo vence a lei da morte e promete-nos que havemos, no final dos tempos, de “imitá-Lo” também neste ponto: ressuscitaremos como Ele. E a nossa natureza, unidade de corpo e alma, voltará a ser uma realidade no gozo mais perfeito, porque participará da intimidade perfeitamente feliz da Santíssima Trindade, que nos saciará dum modo absoluto e não acabará.
Tenha-se presente que a nossa participação na felicidade celestial será, em parte, proporcional aos méritos que conquistemos na nossa vida terrena. No entanto, o Céu apresenta-se sempre como um dom de Deus, porque é um bem infinito e as nossas capacidades de mérito serão sempre muito inferiores àquilo que Deus tem reservado para os seus eleitos.
A alegria da Ressurreição será tanto mais atraente para nós, quanto mais puro for o estado de graça da nossa alma, para a qual tanto contribui a presença do Espírito Santo com os seus dons, na vida interior de relação de cada um com Deus. Se a Ressurreição é tempo da maior alegria, a Quaresma, que a precede, a prepara e a prenuncia, é tempo de purificação e de penitência. Daí que a Igreja, nossa Mãe, a quem Cristo encarregou de distribuir os benefícios de salvação que Ele conquistou para nós, peça aos seus fiéis que limpem a sua alma com uma boa confissão. Que alegria daremos a Deus com este acto de humildade e que alegre nos sentiremos nós, ao sacudirmos com decisão, através do meio adequado, tudo aquilo que nos dificulta a nossa relação com Deus, isto é, o pecado.
(Pe. Rui Rosas da Silva – Prior da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu em Lisboa in Boletim Paroquial de Abril, título da responsabilidade do autor do blogue)