Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

domingo, 31 de julho de 2016

JMJ Cracóvia - Discurso de agradecimento aos voluntários

Queridos voluntários!

Antes de regressar a Roma, sinto desejo de vos encontrar e sobretudo agradecer a cada um de vós pelo empenho, generosidade e dedicação com que acompanhastes, ajudastes e servistes os milhares de jovens peregrinos. Obrigado também pelo vosso testemunho de fé que, unido ao de muitíssimos jovens provenientes de toda a parte da terra, é um grande sinal de esperança para a Igreja e para o mundo. Dando-vos por amor de Cristo, experimentastes como é belo comprometer-se por uma causa nobre e como é gratificante fazer, na companhia de tantos amigos e amigas, um percurso que, embora fatigoso, compensa o esforço com a alegria e a dedicação com uma nova riqueza de conhecimento e abertura a Jesus, ao próximo, a opções de vida importantes.

Como expressão da minha gratidão, quero partilhar convosco um dom que nos é oferecido pela Virgem Maria, que hoje veio visitar-nos na imagem miraculosa de Kalwaria Zebrzydowska, muito cara ao coração de São João Paulo II. Com efeito, no próprio mistério evangélico da Visitação (cf. Lc 1, 39-45), podemos encontrar um ícone do voluntariado cristão. De lá tomo três atitudes de Maria e deixo-vo-las para que vos ajudem a ler a experiência destes dias e progredir no caminho do serviço. Estas atitudes são a escuta, a decisão e a ação.

Primeiro: a escuta. Maria põe-se a caminho movida por uma palavra do anjo: «Também a tua parente Isabel concebeu um filho na sua velhice» (Lc 1, 36). Maria sabe escutar a Deus: não se trata dum simples ouvir, mas de escuta, feita de atenção, acolhimento, disponibilidade. Pensemos nas vezes sem conta que ficamos distraidamente diante do Senhor ou dos outros, e verdadeiramente não escutamos. Maria escuta também os factos, os acontecimentos da vida, está atenta à realidade concreta e não Se detém na superfície mas procura identificar o seu significado. Maria soube que Isabel, já idosa, espera um filho; e nisso vê a mão de Deus, o sinal da sua misericórdia. O mesmo acontece na nossa vida: o Senhor está à porta e bate de muitos modos, põe sinais no nosso caminho e convida-nos a lê-los com a luz do Evangelho.

A segunda atitude de Maria é a decisão. Maria escuta, reflete, mas sabe também dar um passo mais: decide. Foi assim na opção fundamental da sua existência: «Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). Assim sucedeu também nas bodas de Caná, quando Maria Se dá conta do problema e decide falar a Jesus para que intervenha: «Não têm vinho» (Jo 2, 3). Muitas vezes é difícil tomar decisões na vida, pelo que tendemos a adiá-las e, quem sabe, a deixar que outros decidam por nós; ou então preferimos deixar-nos arrastar pelos acontecimentos, seguir a «tendência» do momento; às vezes compreendemos o que deveríamos fazer, mas não temos a coragem para isso, porque nos parece muito difícil ir contra corrente... Maria não teme ir contra corrente: com o coração firme na escuta, decide, assumindo-Se todos os riscos, não sozinha mas junta com Deus.

E, por fim, a ação. Maria pôs-se a caminho e «dirigiu-se à pressa…» (Lc 1, 39). Apesar das dificuldades e das críticas que terá recebido, não se demora, não hesita, mas parte e «parte à pressa», porque nela há a força da Palavra de Deus. E o seu agir é cheio de caridade, repleto de amor: este é a marca de Deus. Maria vai ter com Isabel, não para ouvir dizer-lhe que é estupenda, mas para ajudar a prima, tornar-se útil, servir. E ao sair da sua casa, de si mesma, por amor, leva o que tem de mais precioso: Jesus, o Filho de Deus, o Senhor. Isabel identifica-o imediatamente: «Donde me é dado que venha ter comigo a mãe do meu Senhor?» (Lc 1, 43); o Espírito Santo desperta nela ressonâncias de fé e de alegria: «Pois, logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio» (Lc 1, 44).

Também no voluntariado cada serviço é importante, mesmo o mais simples. E o seu sentido último é a abertura à presença de Jesus; é a experiência do amor que, vindo do Alto, põe a caminho e enche de alegria. O voluntário das Jornadas Mundiais da Juventude não é apenas um «agente», mas sempre um evangelizador, porque a Igreja existe e age para evangelizar.

Terminado o serviço a Isabel, Maria voltou para sua casa, em Nazaré. Com delicadeza e simplicidade, como veio, assim vai. Também vós, caríssimos, não vereis todos os frutos do trabalho realizado aqui em Cracóvia ou durante as «geminações». Descobri-los-ão na sua vida e rejubilarão as vossas irmãs e irmãos que servistes. É a gratuidade do amor! Mas Deus conhece a vossa dedicação, o vosso empenho e a vossa generosidade. Ele – podeis ter certeza – não deixará de vos recompensar por tudo o que fizestes por esta Igreja dos jovens, que se reuniu nestes dias em Cracóvia com o Sucessor de Pedro. Confio-vos a Deus e à Palavra da sua graça (cf. At 20, 32); confio-vos à nossa Mãe, modelo de voluntariado cristão; e peço-vos, por favor, que não vos esqueçais de rezar por mim.

Homilia Santa Missa de encerramento das JMJ no "Campus Misericordiea"

Queridos jovens, viestes a Cracóvia para encontrar Jesus. E o Evangelho de hoje fala-nos precisamente do encontro entre Jesus e um homem, Zaqueu, em Jericó (cf. Lc 19, 1-10). Aqui, Jesus não Se limita a pregar ou a saudar alguém, mas quer – diz o Evangelista – atravessar a cidade (cf. v. 1). Por outras palavras, Jesus deseja aproximar-Se da vida de cada um, percorrer o nosso caminho até ao fim, para que a sua vida e a nossa se encontrem verdadeiramente.

E assim acontece o encontro mais surpreendente, o encontro com Zaqueu, o chefe dos «publicanos», isto é, dos cobradores de impostos. Zaqueu era, pois, um rico colaborador dos odiados ocupantes romanos; era um explorador do seu povo, alguém que, pela sua má reputação, não podia sequer aproximar-se do Mestre. Mas o encontro com Jesus muda a sua vida, como sucedeu ou pode sucede cada dia com cada um de nós. Entretanto Zaqueu teve de enfrentar alguns obstáculos para encontrar Jesus: pelo menos três, que podem dizer algo também a nós.

O primeiro é a baixa estatura: Zaqueu não conseguia ver o Mestre, porque era pequeno. Também hoje podemos correr o risco de ficar à distância de Jesus, porque não nos sentimos à altura, porque temos uma baixa opinião de nós mesmos. Esta é uma grande tentação, que não tem a ver apenas com a autoestima, mas toca também a fé. Porque a fé diz-nos que somos «filhos de Deus; e, realmente, o somos» (1 Jo 3, 1): fomos criados à sua imagem; Jesus assumiu a nossa humanidade, e o seu coração não se afastará jamais de nós; o Espírito Santo deseja habitar em nós; somos chamados à alegria eterna com Deus. Esta é a nossa «estatura», esta é a nossa identidade espiritual: somos os filhos amados de Deus, sempre. Compreendeis então que não aceitar-se, viver descontentes e pensar de modo negativo significa não reconhecer a nossa identidade mais verdadeira? É como voltar-se para o outro lado enquanto Deus quer pousar o seu olhar sobre mim, é querer apagar o sonho que Ele tem para mim. Deus ama-nos assim como somos, e nenhum pecado, defeito ou erro Lhe fará mudar de ideia. Para Jesus – assim no-lo mostra o Evangelho –, ninguém é inferior e distante, ninguém é insignificante, mas todos somos prediletos e importantes: tu és importante! E Deus conta contigo por aquilo que és, não pelo que tens: a seus olhos, não vale mesmo nada a roupa que vestes ou o telemóvel que usas; não Lhe importa se andas na moda ou não, importas-Lhe tu. A seus olhos, tu vales; e o teu valor é inestimável.

Quando acontece na vida diminuirmo-nos em vez de nos enobrecermos, pode ajudar-nos esta grande verdade: Deus é fiel em amar-nos, até mesmo obstinado. Ajudar-nos-á pensar que Ele nos ama mais do que nos amamos nós mesmos, que crê em nós mais de quanto acreditamos nós mesmos, que sempre nos apoia como o mais irredutível dos nossos fãs. Sempre nos aguarda com esperança, mesmo quando nos fechamos nas nossas tristezas e dores, remoendo continuamente as injustiças recebidas e o passado. Mas, afeiçoar-nos à tristeza, não é digno da nossa estatura espiritual. Antes pelo contrário; é um vírus que infecta e bloqueia tudo, que fecha todas as portas, que impede de reiniciar a vida, de recomeçar. Deus, por seu lado, é obstinadamente esperançoso: sempre acredita que podemos levantar-nos e não Se resigna a ver-nos apagados e sem alegria. Porque somos sempre os seus filhos amados. Lembremo-nos disto, no início de cada dia. Far-nos-á bem dizê-lo na oração, todas as manhãs: «Senhor, agradeço-Vos porque me amais; fazei-me enamorar da minha vida». Não dos meus defeitos, que hão de ser corrigidos, mas da vida, que é um grande dom: é o tempo para amar e ser amado.

Zaqueu tinha um segundo obstáculo no caminho do encontro com Jesus: a vergonha paralisadora. Podemos imaginar o que se passou no coração de Zaqueu antes de subir àquele sicómoro: terá havido uma grande luta; por um lado, uma curiosidade boa, a de conhecer Jesus; por outro, o risco de fazer triste figura. Zaqueu era uma figura pública; sabia que, tentando subir à árvore, se faria ridículo aos olhos de todos: ele, um líder, um homem de poder. Mas superou a vergonha, porque a atração de Jesus era mais forte. Tereis já experimentado o que acontece quando uma pessoa se nos torna tão fascinante que nos enamoramos: então pode suceder fazermos voluntariamente coisas que de outro modo nunca teríamos feito. Algo semelhante aconteceu no coração de Zaqueu, quando sentiu que Jesus era tão importante que, por Ele, estava pronto a tudo, porque Ele era o único que poderia retirá-lo das areias movediças do pecado e da infelicidade. E assim a vergonha que paralisa não levou a melhor: Zaqueu – diz o Evangelho – «correndo à frente, subiu» e depois, quando Jesus o chamou, «desceu imediatamente» (vv 4.6). Arriscou e colocou-se em jogo. Aqui está também para nós o segredo da alegria: não apagar a boa curiosidade, mas colocar-se em jogo, porque a vida não se deve fechar numa gaveta. Perante Jesus, não se pode ficar sentado à espera de braços cruzados; a Ele que nos dá a vida, não se pode responder com um pensamento ou com uma simples «mensagem».

Queridos jovens, não vos envergonheis de Lhe levar tudo, especialmente as fraquezas, as fadigas e os pecados na Confissão: Ele saberá surpreender-vos com o seu perdão e a sua paz. Não tenhais medo de Lhe dizer «sim» com todo o entusiasmo do coração, de Lhe responder generosamente, de O seguir. Não vos deixeis anestesiar a alma, mas apostai no amor formoso, que requer também a renúncia, e um «não» forte ao doping do sucesso a todo o custo e à droga de pensar só em si mesmo e nas próprias comodidades.

Depois da baixa estatura e da vergonha incapacitante, houve um terceiro obstáculo que Zaqueu teve de enfrentar, não dentro de si mesmo, mas ao seu redor. É a multidão murmuradora, que primeiro o bloqueou e depois criticou-o: Jesus não devia entrar na casa dele, na casa dum pecador. Como é difícil acolher verdadeiramente Jesus! Como é árduo aceitar um «Deus, rico em misericórdia» (Ef 2, 4)! Poderão obstaculizar-vos, procurando fazer-vos crer que Deus é distante, rígido e pouco sensível, bom com os bons e mau com os maus. Ao contrário, o nosso Pai «faz com que o Sol se levante sobre os bons e os maus» (Mt 5, 45) e convida-nos a uma verdadeira coragem: ser mais fortes do que o mal amando a todos, incluindo os inimigos. Poderão rir-se de vós, porque acreditais na força mansa e humilde da misericórdia. Não tenhais medo, mas pensai nas palavras destes dias: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7). Poderão considerar-vos sonhadores, porque acreditais numa humanidade nova, que não aceita o ódio entre os povos, não vê as fronteiras dos países como barreiras e guarda as suas próprias tradições, sem egoísmos nem ressentimentos. Não desanimeis! Com o vosso sorriso e os vossos braços abertos, pregais esperança e sois uma bênção para a única família humana, que aqui tão bem representais.

Naquele dia, a multidão julgou Zaqueu, mediu-o de cima a baixo; mas Jesus fez o contrário: levantou o olhar para ele (v. 5). O olhar de Jesus ultrapassa os defeitos e vê a pessoa; não se detém no mal do passado, mas entrevê o bem no futuro; não se resigna perante os fechamentos, mas procura o caminho da unidade e da comunhão; único no meio de todos, não se detém nas aparências, mas vê o coração. Com este olhar de Jesus, vós podeis fazer crescer outra humanidade, sem esperar louvores, mas buscando o bem por si mesmo, felizes por conservar o coração limpo e lutar pacificamente pela honestidade e a justiça. Não vos detenhais à superfície das coisas e desconfiai das liturgias mundanas do aparecer, da maquilhagem da alma para parecer melhor. Em vez disso, instalai bem a conexão mais estável: a de um coração que vê e transmite o bem sem se cansar. E aquela alegria que gratuitamente recebestes de Deus, gratuitamente dai-a (cf. Mt 10, 8), porque muitos esperam por ela.
Ouçamos, por fim, as palavras de Jesus a Zaqueu, que parecem ditas de propósito para nós hoje: «Desce depressa, pois hoje tenho de ficar em tua casa» (v. 5). Jesus dirige-te o mesmo convite: «Hoje tenho de ficar em tua casa». A JMJ – poderíamos dizer – começa hoje e continua amanhã, em casa, porque é lá que Jesus te quer encontrar a partir de agora. O Senhor não quer ficar apenas nesta bela cidade ou em belas recordações, mas deseja ir a tua casa, habitar a tua vida de cada dia: o estudo e os primeiros anos de trabalho, as amizades e os afetos, os projetos e os sonhos. Como Lhe agrada que tudo isto seja levado a Ele na oração! Como espera que, entre todos os contactos e os chat de cada dia, esteja em primeiro lugar o fio de ouro da oração! Como deseja que a sua Palavra fale a cada uma das tuas jornadas, que o seu Evangelho se torne teu e seja o teu «navegador» nas estradas da vida!

Ao pedir para ir a tua casa, Jesus – como fez com Zaqueu – chama-te por nome. O teu nome é precioso para Ele. O nome de Zaqueu evocava, na linguagem da época, a recordação de Deus. Fiai-vos na recordação de Deus: a sua memória não é um «disco rígido» que grava e armazena todos os nossos dados, mas um coração terno e rico de compaixão, que se alegra em eliminar definitivamente todos os nossos vestígios de mal. Tentemos, também nós agora, imitar a memória fiel de Deus e guardar o bem que recebemos nestes dias. Em silêncio, façamos memória deste encontro, guardemos a recordação da presença de Deus e da sua Palavra, reavivemos em nós a voz de Jesus que nos chama por nome. Assim rezemos em silêncio, fazendo memória, agradecendo ao Senhor que aqui nos quis e encontrou.

Bom Domingo do Senhor!

Façamos como o Senhor nos diz no Evangelho de hoje (Lc 12, 13-21) e guardemo-nos de toda a avareza. Saibamos dispensar o supérfluo em prol dos mais necessitados ajudando-os material e moralmente.

Louvado seja o Senhor que na Sua Palavra nos ensina o justo e correto!

«Nesta mesma noite, vai ser reclamada a tua vida»

Isaac, o Sírio (século VII), monge perto de Mossul 
Discursos ascéticos, 1ª série, nº 38


Senhor, torna-me digno de desprezar a minha vida pela vida que há em Ti. A vida neste mundo parece-se com aqueles que se servem das letras para formar palavras, acrescentando, truncando e mudando as letras a seu bel-prazer. Mas a vida do mundo que há-de vir parece-se com aquilo que está escrito sem o menor erro nos livros selados com o selo real, onde nada há a acrescentar e onde nada falta. Portanto, enquanto estivermos no meio da mudança, estejamos atentos as nós próprios. Enquanto tivermos poder sobre o manuscrito da nossa vida, sobre aquilo que escrevemos com as nossas mãos, esforcemo-nos por lhe acrescentar o bem que fazemos e apagar os defeitos da nossa conduta anterior. Enquanto estivermos neste mundo, Deus não coloca o seu selo, nem sobre o bem nem sobre o mal; só o fará na hora do nosso êxodo, quando a obra estiver acabada, no momento da partida.

Como disse Santo Efrém, é preciso considerar que a nossa alma é como um navio, pronto para a viagem, mas que não sabe quando virá o vento; ou como um exército, que não sabe quando vai soar a trombeta, anunciando o combate. Se ele fala assim do navio ou do exército, que esperam uma coisa que talvez nem chegue, como não teremos nós de nos preparar com antecedência, antes que esse dia venha de modo brusco, que seja lançada a ponte e se abra a porta do mundo novo! Possa Cristo, o Mediador da nossa vida, permitir que estejamos preparados.

sábado, 30 de julho de 2016

Homilia no Santuário João Paulo II na Santa Missa com sacerdotes, religiosos e leigos consagrados

A passagem do Evangelho, que ouvimos (cf. Jo 20, 19-31), fala-nos de um lugar, um discípulo e um livro.

O lugar é aquele onde se encontravam os discípulos, na tarde de Páscoa; dele, apenas se diz que as suas portas estavam fechadas (cf. v. 19). Oito dias depois, os discípulos ainda estavam naquela casa, e as portas ainda estavam fechadas (cf. v. 26). Jesus entra lá, coloca-Se no meio e leva a sua paz, o Espírito Santo e o perdão dos pecados: numa palavra, a misericórdia de Deus. Dentro deste lugar fechado, ressoa forte o convite que Jesus dirige aos seus: «Assim como o Pai me enviou, também Eu vos envio a vós» (v. 21).

Jesus envia. Ele, desde o início, deseja que a Igreja esteja em saída, vá pelo mundo. E quer que o faça assim como Ele próprio fez, como Ele foi enviado ao mundo pelo Pai: não como poderoso mas na condição de servo (cf. Flp 2, 7), não «para ser servido mas para servir» (Mc 10, 45) e para levar a Boa-Nova (cf. Lc 4, 18); e assim são enviados os seus, em todos os tempos. Impressiona o contraste: enquanto os discípulos fechavam as portas com medo, Jesus envia-os em missão; quer que abram as portas e saiam para espalhar o perdão e a paz de Deus, com a força do Espírito Santo.

Esta chamada é também para nós. Como não ouvir nela o eco do grande convite de São João Paulo II: «Abri as portas»? Mas, na nossa vida de sacerdotes e pessoas consagradas, pode haver muitas vezes a tentação de permanecer um pouco fechados, por medo ou comodidade, em nós mesmos e nos nossos setores. E, no entanto, a direção indicada por Jesus é de sentido único: sair de nós mesmos. Trata-se de realizar um êxodo do nosso eu, de perder a vida por Ele (cf. Mc 8, 35), seguindo o caminho do dom de si mesmo. Por outro lado, Jesus não gosta das estradas percorridas a metade, das portas entreabertas, das vidas com via dupla. Pede para se meter à estrada leves, para sair renunciando às próprias seguranças, firmes apenas n'Ele.

Por outras palavras, a vida dos seus discípulos mais íntimos, como nós somos chamados a ser, é feita de amor concreto, isto é, de serviço e disponibilidade; é uma vida onde não existem – ou, pelo menos, não deveriam existir – espaços fechados e propriedades privadas para própria comodidade. Quem escolheu configurar com Jesus toda a existência já não escolhe os próprios locais, mas vai para onde é enviado; pronto a responder a quem o chama, já não escolhe sequer os tempos próprios. A casa onde habita não lhe pertence, porque a Igreja e o mundo são os espaços abertos da sua missão. O seu tesouro é colocar o Senhor no meio da vida, sem nada mais procurar para si. Assim foge das situações gratificantes que o colocariam no centro, não se ergue sobre os trémulos pedestais dos poderes do mundo, nem se reclina nas comodidades que enfraquecem a evangelização; não perde tempo a projetar um futuro seguro e bem retribuído, para evitar o risco de ficar à margem e sombrio, fechado nos muros estreitos dum egoísmo sem esperança nem alegria. Feliz no Senhor, não se contenta com uma vida medíocre, mas arde em desejo de dar testemunho e alcançar os outros; gosta de arriscar e sair, não forçado por sendas já traçadas, mas aberto e fiel às rotas indicadas pelo Espírito: contrário a deixar correr a vida, alegra-se por evangelizar.

No Evangelho de hoje, sobressai em segundo lugar a figura do único discípulo nomeado: Tomé. Na sua dúvida e ânsia de querer entender, este discípulo bastante teimoso assemelha-se-nos um pouco e até aparece simpático a nossos olhos. Sem o saber, dá-nos um grande presente: deixa-nos mais perto de Deus, porque Deus não Se esconde de quem O procura. Jesus mostrou-lhe as suas chagas gloriosas, faz-lhe tocar com a mão a ternura infinita de Deus, os sinais vivos de quanto sofreu por amor dos homens.

Para nós, discípulos, é muito importante pôr a nossa humanidade em contacto com a carne do Senhor, isto é, levar a Ele, com confiança e total sinceridade, tudo o que somos. Jesus, como disse a Santa Faustina, fica contente que Lhe falemos de tudo, não Se cansa das nossas vidas que já conhece, espera a nossa partilha, até mesmo a descrição das nossas jornadas (cf. Diário, 6 de setembro de 1937). Assim, buscamos a Deus com uma oração que seja transparente e não esqueça de Lhe confiar e entregar as misérias, as fadigas e as resistências. O coração de Jesus deixa-Se conquistar pela abertura sincera, por corações que sabem reconhecer e chorar as suas fraquezas, confiantes de que precisamente nelas agirá a misericórdia divina. Que nos pede Jesus? Ele deseja corações verdadeiramente consagrados, que vivam do perdão recebido d’Ele para o derramarem com compaixão sobre os irmãos. Jesus procura corações abertos e ternos para com os fracos, nunca duros; corações dóceis e transparentes, que não dissimulam perante quem tem na Igreja a tarefa de orientar o caminho. O discípulo não hesita em questionar-se, tem a coragem de viver a dúvida e levá-la ao Senhor, aos formadores e aos superiores, sem cálculos nem reticências. O discípulo fiel realiza um discernimento atento e constante, sabendo que o coração há de ser educado diariamente, a partir dos afetos, para escapar de toda a duplicidade nas atitudes e na vida.

No termo da sua busca apaixonada, o apóstolo Tomé chegou não apenas a acreditar na ressurreição, mas encontrou em Jesus o tudo da vida, o seu Senhor; disse-Lhe: «Meu Senhor e meu Deus!» (v. 28). Far-nos-á bem rezar, hoje e cada dia, estas palavas esplêndidas, como que a dizer-Lhe: Sois o meu único bem, o caminho da minha viagem, o coração da minha vida, o meu tudo.

Por fim, no último versículo que ouvimos, fala-se de um livro: é o Evangelho, onde não foram escritos muitos outros sinais realizados por Jesus (v. 30). Depois do grande sinal da sua misericórdia – poderíamos supor –, já não foi necessário acrescentar mais. Mas há ainda um desafio, há espaço para sinais feitos por nós, que recebemos o Espírito do amor e somos chamados a difundir a misericórdia. Poder-se-ia dizer que o Evangelho, livro vivo da misericórdia de Deus que devemos ler e reler continuamente, ainda tem páginas em branco no final: permanece um livro aberto, que somos chamados a escrever com o mesmo estilo, isto é, cumprindo obras de misericórdia. Pergunto-vos, queridos irmãos e irmãs: Como são as páginas do livro de cada um de vós? Estão escritas todos os dias? Estão escritas a meias? Estão em branco? Nisto, venha em nossa ajuda a Mãe de Deus: Ela, que acolheu plenamente a Palavra de Deus na vida (cf. Lc 8, 20-21), nos dê a graça de sermos escritores viventes do Evangelho; a nossa Mãe da Misericórdia nos ensine a cuidar concretamente das chagas de Jesus nos nossos irmãos e irmãs que passam necessidade, tanto dos vizinhos como dos distantes, tanto do doente como do migrante, porque, servindo quem sofre honra-se a carne de Cristo. Que a Virgem Maria nos ajude a gastarmo-nos completamente pelo bem dos fiéis que nos estão confiados e a cuidarmos uns dos outros como verdadeiros irmãos e irmãs na comunhão da Igreja, a nossa santa Mãe.

Queridos irmãos e irmãs, cada um de nós guarda no coração uma página muito pessoal do livro da misericórdia de Deus: é a história da nossa chamada, a voz do amor que fascinou e transformou a nossa vida, fazendo com que, à sua Palavra, largássemos tudo para O seguir (cf. Lc 5, 11). Reavivemos hoje, com gratidão, a memória da sua chamada, mais forte do que qualquer resistência e fadiga. Continuando a Celebração Eucarística, centro da nossa vida, agradeçamos ao Senhor, porque entrou nas nossas portas fechadas com a sua misericórdia; porque, como Tomé, nos chamou por nome; porque nos dá a graça de continuar a escrever o seu Evangelho de amor.

O Evangelho de Domingo dia 31 de julho de 2016

Então disse-Lhe alguém da multidão: «Mestre, diz a meu irmão que me dê a minha parte da herança». Jesus respondeu-lhe: «Meu amigo, quem Me constituiu juiz ou árbitro entre vós?». Depois disse-lhes: «Guardai-vos cuidadosamente de toda a avareza, porque a vida de cada um, ainda que esteja na abundância, não depende dos bens que possui». Sobre isto propôs-lhes esta parábola: «Os campos de um homem rico tinham dado abundantes frutos. Ele andava a discorrer consigo: Que farei, pois não tenho onde recolher os meus frutos? Depois disse: Farei isto: Demolirei os meus celeiros, fá-los-ei maiores e neles recolherei o meu trigo e os meus bens, e direi à minha alma: Ó alma, tu tens muitos bens em depósito para largos anos; descansa, come, bebe, regala-te. Mas Deus disse-lhe: Néscio, esta noite virão demandar-te a tua alma; e as coisas que juntaste, para quem serão? Assim é o que entesoura para si e não é rico perante Deus».

Lc 12, 13-21

O Evangelho do dia 30 de julho de 2016

Naquele tempo, o tetrarca Herodes ouviu falar da fama de Jesus, e disse aos seus cortesãos: «Este é João Batista, que ressuscitou dos mortos, e por isso se operam por meio dele tantos milagres». Porque Herodes tinha mandado prender João, e tinha-o algemado e metido no cárcere, por causa de Herodíades, mulher de seu irmão Filipe. Porque João dizia-lhe: «Não te é lícito tê-la por mulher». E, querendo matá-lo, teve medo do povo, porque este o considerava como um profeta. Mas, no dia natalício de Herodes, a filha de Herodíades bailou no meio dos convivas e agradou a Herodes. Por isso ele prometeu-lhe com juramento dar-lhe tudo o que lhe pedisse. E ela, instigada por sua mãe, disse: «Dá-me aqui num prato a cabeça de João Baptista». O rei entristeceu-se, mas, por causa do juramento e dos comensais, ordenou que lhe fosse entregue. E mandou degolar João no cárcere. A sua cabeça foi trazida num prato e dada à jovem, e ela levou-a à mãe. Chegando os seus discípulos levaram o corpo e sepultaram-no; depois foram dar a notícia a Jesus.

Mt 14, 1-12

sexta-feira, 29 de julho de 2016

Via Sacra JMJ, discurso do Santo Padre

«Tive fome e destes-me de comer,
tive sede e destes-me de beber,
era peregrino e recolhestes-me,
estava nu e destes-me que vestir,
adoeci e visitastes-me,
estive na prisão e fostes ter comigo» (Mt 25, 35-36).

Estas palavras de Jesus vêm ao encontro da questão que muitas vezes ressoa na nossa mente e no nosso coração: «Onde está Deus?» Onde está Deus, se no mundo existe o mal, se há pessoas famintas, sedentas, sem abrigo, deslocadas, refugiadas? Onde está Deus, quando morrem pessoas inocentes por causa da violência, do terrorismo, das guerras? Onde está Deus, quando doenças cruéis rompem laços de vida e de afeto? Ou quando as crianças são exploradas, humilhadas, e sofrem – elas também – por causa de graves patologias? Onde está Deus, quando vemos a inquietação dos duvidosos e dos aflitos na alma? Há perguntas para as quais não existem respostas humanas. Podemos apenas olhar para Jesus, e perguntar a Ele. E a sua resposta é esta: «Deus está neles», Jesus está neles, sofre neles, profundamente identificado com cada um. Está tão unido a eles, que quase formam «um só corpo».

Foi o próprio Jesus que escolheu identificar-Se com estes nossos irmãos e irmãs provados pelo sofrimento e a angústia, aceitando percorrer o caminho doloroso para o calvário. Ao morrer na cruz, entrega-Se nas mãos do Pai e leva consigo e em Si mesmo, com amor de doação, as chagas físicas, morais e espirituais da humanidade inteira. Abraçando o madeiro da cruz, Jesus abraça a nudez e a fome, a sede e a solidão, a dor e a morte dos homens e mulheres de todos os tempos. Nesta noite, Jesus e nós, juntamente com Ele, abraçamos com amor especial os nossos irmãos sírios, que fugiram da guerra. Saudamo-los e acolhemo-los com fraterno afeto e simpatia.

Repassando a Via-Sacra de Jesus, descobrimos de novo a importância de nos configurarmos a Ele, através das 14 obras de misericórdia. Estas ajudam-nos a abrir-nos à misericórdia de Deus, a pedir a graça de compreender que a pessoa, sem misericórdia, não pode fazer nada; sem a misericórdia, eu, tu, nós todos não podemos fazer nada. Comecemos por ver as sete obras de misericórdia corporais: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, vestir os nus, dar pousada aos peregrinos, visitar os enfermos; visitar os presos; enterrar os mortos. Gratuitamente recebemos, demos gratuitamente também. Somos chamados a servir Jesus crucificado em cada pessoa marginalizada, a tocar a sua carne bendita em quem é excluído, tem fome, tem sede, está nu, preso, doente, desempregado, é perseguido, refugiado, migrante. Naquela carne bendita, encontramos o nosso Deus; naquela carne bendita, tocamos o Senhor. O próprio Jesus no-lo disse, ao explicar o «Protocolo» com base no qual seremos julgados: sempre que fizermos isto a um dos nossos irmãos mais pequeninos, fazemo-lo a Ele (cf. Mt 25, 31-46).

Às obras de misericórdia corporais seguem-se as obras de misericórdia espirituais: dar bons conselhos, ensinar os ignorantes, corrigir os que erram, consolar os tristes, perdoar as injúrias, suportar com paciência as fraquezas do nosso próximo, rezar a Deus por vivos e defuntos. A nossa credibilidade de cristãos é posta em jogo no acolhimento da pessoa marginalizada que está ferida no corpo, e no acolhimento do pecador que está ferido na alma.

Hoje a humanidade precisa de homens e mulheres, particularmente jovens como vós, que não queiram viver a sua existência «a metade», jovens prontos a gastar a vida no serviço gratuito aos irmãos mais pobres e mais vulneráveis, à imitação de Cristo que Se doou totalmente a Si mesmo pela nossa salvação. Perante o mal, o sofrimento, o pecado, a única resposta possível para o discípulo de Jesus é o dom de si mesmo, até da própria vida, à imitação de Cristo; é a atitude do serviço. Se alguém, que se diz cristão, não vive para servir, não serve para viver. Com a sua vida, renega Jesus Cristo.

Nesta noite, queridos jovens, o Senhor renova-vos o convite para vos tornardes protagonistas no serviço; Ele quer fazer de vós uma resposta concreta às necessidades e sofrimentos da humanidade; quer que sejais um sinal do seu amor misericordioso para o nosso tempo! Para cumprir esta missão, Ele aponta-vos o caminho do compromisso pessoal e do sacrifício de vós próprios: é o Caminho da cruz. O Caminho da cruz é o caminho da felicidade de seguir a Cristo até ao fim, nas circunstâncias frequentemente dramáticas da vida diária; é o caminho que não teme insucessos, marginalizações ou solidões, porque enche o coração do homem com a plenitude de Jesus. O Caminho da cruz é o caminho da vida e do estilo de Deus, que Jesus nos leva a percorrer mesmo através das sendas duma sociedade por vezes dividida, injusta e corrupta.

O Caminho da cruz é o único que vence o pecado, o mal e a morte, porque desemboca na luz radiosa da ressurreição de Cristo, abrindo os horizontes da vida nova e plena. É o Caminho da esperança e do futuro. Quem o percorre com generosidade e fé, dá esperança e futuro à humanidade.

Naquela Sexta-feira Santa, queridos jovens, muitos discípulos voltaram tristes para suas casas, outros preferiram ir para a casa da aldeia a fim de esquecer a cruz. Pergunto-vos: Nesta noite, como quereis tornar às vossas casas, aos vossos locais de alojamento? Nesta noite, como quereis voltar a encontrar-vos com vós mesmos? Cabe a cada um de vós dar resposta ao desafio desta pergunta.

O grande devedor (Reflexão no Ano Jubilar da Misericórdia)

Próximos do próximo
 [i] 

Nesta reflexão vou tentar assumir o personagem central desta parábola: O grande devedor.

Encontro-me numa situação delicadíssima: o meu Senhor e Rei mandou-me para a prisão e também confiscar todos os meus bens com a ameaça – que levo muito a sério – de se o resultado da venda não atingir o valor em dívida, a minha mulher e os meus filhos serão vendidos como escravos!

Desde que aqui entrei não tenho feito outra coisa que deitar contas à minha vida tentando descobrir a possibilidade de evitar este último pesadíssimo castigo.

Tenho bem presente a enorme soma em causa e a determinação do meu Rei em não me perdoar um cêntimo sequer.

Como pode um homem ser tão mesquinho?
A minha revolta impede-me de raciocinar direito e a única coisa que penso é na forma de me vingar do tirano… ah! E também daqueles que me foram acusar do que tinha feito àquele que me devia cem denários.

Então não estava no meu direito exigir que me pagasse o que me devia?

Claro que sim! As dívidas devem pagar-se sempre, custe o que custar e se acaso tal se revelar impossível não há outra solução que procurar o credor e tentar um adiamento da data acordada.

Reparo agora, no que acabei de reflectir e que está absolutamente correcto mas… a verdade é que eu não procedi assim.

Em primeiro lugar beneficiei de um acto de misericórdia extraordinário do meu Rei e Senhor que me perdoou toda a minha enorme dívida!

Como foi possível que tal benesse não tivesse calado fundo no meu coração empedernido e tivesse transformado radicalmente a minha forma de actuar.

Em vez disso, estou agora aqui na prisão recriminando quem deveria louvar, agradecer e ter em altíssima consideração.

Mais: quando encontrei aquele que me devia cem denários não tive o mais pequeno rasgo de compreensão – de misericórdia – e cometi um acto de impensável impiedade.

Como posso recriminar os meus companheiros por se terem indignado com a minha atitude?

Amargamente chego à conclusão que a minha vida não vale nada!
Tenho-me deixado dominar pelo dinheiro, pela posse, pelos bens mesmo atropelando direitos e deveres de solidariedade.

Não tenho um amigo, uma pessoa que sinta prazer em estar comigo, sou um solitário – um solitário rico, é certo – um desgraçado com os cofres cheios e o coração vazio.

Que me importa, agora, se tenho muitos ou poucos bens se não possuo o único bem que poderia dar-me conforto: a consciência tranquila!

O que posso fazer para emendar – sim, tenho de emendar tudo isto – fazer uma profunda revisão de vida.

Já sei o que vou fazer: vou dar tudo quanto tenho ao meu Rei e Senhor para que faça o que bem entender e também vou passar recibos de quitação a todos a quem emprestei e ainda não me pagaram.

Talvez que, o meu Rei e Senhor se sinta, uma vez mais, movido pela sua misericórdia e me devolva à liberdade com a promessa que jurarei cumprir com todas as minhas forças e empenho, de não voltar jamais a fazer o mesmo.

Acabo, assim, por chegar à conclusão que o meu Rei e Senhor me salvou de mim mesmo e – mesmo sem eu o merecer - me deu uma oportunidade de arrependimento.

(ama, reflexões no Ano Jubilar da Misericórdia, 22.06.2016)



[i] Mt 18, 21-35

21 Então, aproximando-se d'Ele Pedro, disse: «Senhor, até quantas vezes poderá pecar meu irmão contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes?». 22 Jesus respondeu-lhe: «Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete. 23 «Por isso, o Reino dos Céus é comparável a um rei que quis fazer as contas com os seus servos. 24 Tendo começado a fazer as contas, foi-lhe apresentado um que lhe devia dez mil talentos.25 Como não tivesse com que pagar, o seu senhor mandou que fosse vendido ele, a mulher, os filhos e tudo o que tinha, e se saldasse a dívida. 26 Porém, o servo, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei tudo”. 27 E o senhor, compadecido daquele servo, deixou-o ir livre e perdoou-lhe a dívida. 28 «Mas este servo, tendo saído, encontrou um dos seus companheiros que lhe devia cem denários e, lançando-lhe a mão, sufocava-o dizendo: “Paga o que me deves”. 29 O companheiro, lançando-se-lhe aos pés, suplicou-lhe: “Tem paciência comigo, eu te pagarei”. 30 Porém ele recusou e foi mandá-lo meter na prisão, até pagar a dívida. 31 «Os outros servos seus companheiros, vendo isto, ficaram muito contristados e foram referir ao seu senhor tudo o que tinha acontecido. 32 Então o senhor chamou-o e disse-lhe: “Servo mau, eu perdoei-te a dívida toda, porque me suplicaste. 33 Não devias tu também compadecer-te do teu companheiro, como eu me compadeci de ti?”. 34 E o seu senhor, irado, entregou-o aos guardas, até que pagasse toda a dívida. 35 «Assim também vos fará Meu Pai celestial, se cada um não perdoar do íntimo do seu coração ao seu irmão»

Nota: Este trecho do Evangelho escrito por São Mateus também poderia ser o Evangelho “oficial” do Ano Jubilar da Misericórdia.

De facto, a parábola proferida por Jesus Cristo, põe-nos perante um autêntico quadro ou, melhor, perante um filme que se desenrola aos nossos olhos prendendo-nos a atenção e excitando os nossos sentidos.

São Josemaria recomendou: aconselho-te a que, na tua oração, intervenhas nas passagens do Evangelho, como um personagem mais[i]

É isso mesmo que me proponho fazer.

Sob o Título: “Próximos do próximo (sugerido por um bom amigo) vou tentar personificar alguns dos personagens da parábola e, também, introduzir-me nela como observador directo.

Açores, o paraíso da nossa terra

Os Açores dão-nos um sentimento misto em que mudamos de mundo dentro do nosso próprio país. Têm as montanhas em neblina da Escócia, o pôr-do-sol à beira-mar de Veneza e as fajãs que fazem lembrar Bali.

Tive a sorte de a minha viagem para os Açores ser tão curiosa quanto a minha viagem nos Açores.

Entre as ilhas, descolei e aterrei no cockpit. Um dos copilotos viu-me murmurar uma prece antes de levantarmos voo e perguntou-me:

- Não sabes que a probabilidade de teres um acidente de carro é muito maior que a de teres um acidente aqui?

- Ah, mas eu também rezo antes de viajar de carro -, respondi.

O comandante, um tipo baixinho e bem-disposto, riu-se e contou-me que também era católico, que se tinha convertido tarde.

- Acreditas que só tive a certeza quando olhei para a terra daqui de cima? Tinha de haver qualquer coisa maior para fazer isto tão bonito.

Achei que o padre Jacques Hamel, assassinado esta semana em França enquanto celebrava a missa, teria gostado de ouvir isto. Por mais que se tente laicizar o Ocidente, ocultando a culpa islâmica e o luto cristão, ainda há dois gajos que se podem cruzar a 15 mil pés de altitude e, por acaso, conversar sobre a fé.

Um miúdo que também vinha no cockpit perguntou se as nuvens existiam por Deus fumar muito, e lá nos rimos todos.

Eu perguntei ao comandante se conhecia a ode do William Butler Yeats aos aviadores irlandeses. “I know that I shall meet my fate/ Somewhere among the clouds above;/ Those that I fight I do not hate/ Those that I guard I do not love”.

Coincidentemente, a minha fé também tinha uma causa voadora.

Lembrei-me do meu avô, que era piloto e gostava do Yeats. Que me converti depois de ele voar lá acima uma última vez.

Depois cheguei aos Açores e toda a gente que me avisou tinha razão. É lindo.

Uma velhinha da minha aldeia costuma dizer que não se escolhe país nem família; só amigos e destinos.

Os Açores dão-nos um sentimento misto em que mudamos de mundo dentro do nosso próprio país. Têm as montanhas em neblina da Escócia, o pôr-do- -sol à beira-mar de Veneza e as fajãs que fazem lembrar Bali. São realmente únicos. Cada ilha, cada praia, cada miradouro. Não admira que Júlio Verne tenha escolhido o arquipélago como entrada para a sua “Viagem ao Centro da Terra”. Não admiraria até que alguém se lembrasse de proclamar que, afinal, a Atlântida não se perdeu e que os portugueses sempre a tiveram sua.

Se o meu caro leitor gostar de desafios, suba o Pico, o ponto mais alto de Portugal. Não é uma montanha que se vença, mas é uma aventura possível de não se sair vencido. Nós demorámos nove horas a completar o percurso e, eventualmente, só chegámos ao nascer do sol por estar demasiado escuro para vermos quanto faltava. Faziam cinco graus ao amanhecer.

Mais importante: se o meu caro leitor vier aos Açores, traga a namorada ou a máquina fotográfica. Sem uma delas, sentir-se-á perdido e um bocadinho parvo.

É necessário - até aconselhável - entrar em processo de descompressão. Ao jantar, o pão e a manteiga não chegam logo que nos sentamos, mas temos uma vista que nos entretém como em nenhum outro sítio.

O jornal só chega depois de almoço e eu, depois de almoço, não leio. Na verdade, não lia tão poucas notícias desde que estava a caminho daquela aldeia com alguém que me faz conduzir só com uma mão por estar com a outra na dela.

Aqui não se trancam portões na rua e podemos beber vinho à beira da piscina municipal até de manhã. Aqui há restaurantes sem password na internet porque “isso não se rouba”. Aqui, os taxistas são uns porreiros. Aqui pagam-se 15 euros por uma refeição cheia de marisco e cerveja. Do queijo às sopas, é tudo bom.

Sobretudo, aqui não é só um paraíso na terra. É o paraíso da nossa terra.

À Catarina e à Inês

Sebastião Bugalho
http://ionline.sapo.pt/artigo/518041/cronica-de-viagem-acores?seccao=Opiniao_i

N. Spe Deus: Título e seleção de imagens da responsabilidade do blogue

O Evangelho do dia 29 de julho de 2016

Muitos judeus tinham ido ter com Marta e Maria, para as consolarem pela morte de seu irmão. Marta, pois, logo que ouviu que vinha Jesus, saiu-Lhe ao encontro; e Maria ficou sentada em casa. Marta disse então a Jesus: «Senhor, se estivesses cá, meu irmão não teria morrido. Mas também sei agora que tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Jesus disse-lhe: «Teu irmão há de ressuscitar». Marta disse-Lhe: «Eu sei que há-de ressuscitar na ressurreição do último dia». Jesus disse-lhe: «Eu sou a ressurreição e a vida; aquele que crê em Mim, ainda que esteja morto, viverá; e todo aquele que vive e crê em Mim, não morrerá eternamente. Crês isto?». Ela respondeu: «Sim, Senhor, eu creio que Tu és o Cristo, o Filho de Deus, que vieste a este mundo».

Jo 11, 19-27

quinta-feira, 28 de julho de 2016

Discurso do Santo Padre na cerimónia de boas-vindas à JMJ em Cracóvia

Queridos jovens, boa tarde!

Finalmente encontramo-nos…! Obrigado por esta calorosa receção! Agradeço ao Cardeal Dziwisz, aos bispos, aos sacerdotes, aos religiosos, aos seminaristas e a todos queles que vos acompanham. Obrigado a quantos tornaram possível a nossa presença aqui, hoje, que «desceram em campo» para que pudéssemos celebrar a fé.

Nesta sua terra natal, quero agradecer especialmente a São João Paulo II, que sonhou e deu impulso a estes encontros. Do céu, ele nos acompanha vendo tantos jovens pertencentes a povos, culturas, línguas tão diferentes animados por um único motivo: celebrar Jesus que está vivo no meio de nós. E dizer que está vivo é querer renovar o nosso desejo de O seguir, o nosso desejo de viver com paixão o seu seguimento. E qual ocasião melhor para renovar a amizade com Jesus do que ao reforçar a amizade entre vós? Qual modo melhor para reforçar a nossa amizade com Jesus do que partilhá-la com os outros? Qual maneira melhor para viver a alegria do Evangelho do que querer «contagiar», com a sua Boa Nova, a tantas situações dolorosas e difíceis?

Jesus é Aquele que nos convocou para esta trigésima primeira Jornada Mundial da Juventude; é Ele que nos diz: «Felizes os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7). Felizes são aqueles que sabem perdoar, que sabem ter um coração compassivo, que sabem dar o melhor de si mesmos aos outros.

Queridos jovens, nestes dias, a Polónia veste-se de festa; nestes dias, a Polónia quer ser o rosto sempre jovem da Misericórdia. A partir desta terra, convosco e unidos também a muitos jovens que, vendo-se impossibilitados de estar aqui hoje, nos acompanham através dos vários meios de comunicação, todos juntos faremos desta Jornada uma verdadeira Festa Jubilar.

Nos meus anos de bispo, aprendi uma coisa: não há nada mais belo do que contemplar os anseios, o empenho, a paixão e a energia com que muitos jovens abraçam a vida. Quando Jesus toca o coração dum jovem, duma jovem, estes são capazes de ações verdadeiramente grandiosas. É estimulante ouvi-los partilhar os seus sonhos, as suas questões e o seu desejo de opor-se a quantos dizem que as coisas não podem mudar. É um dom do céu poder ver muitos de vós que, com as vossas questões, procurais fazer com que as coisas sejam diferentes. É bonito e conforta-me o coração ver-vos assim exuberantes. Hoje a Igreja olha-vos e quer aprender de vós, para renovar a sua confiança na Misericórdia do Pai que tem o rosto sempre jovem e não cessa de nos convidar para fazer parte do seu Reino.

Conhecendo a paixão que pondes na missão, ouso repetir: a misericórdia tem sempre o rosto jovem. Porque um coração misericordioso tem a coragem de deixar a comodidade; um coração misericordioso sabe ir ao encontro dos outros, consegue abraçar a todos. Um coração misericordioso sabe ser um refúgio para quem nunca teve uma casa ou perdeu-a, sabe criar um ambiente de casa e de família para quem teve de emigrar, é capaz de ternura e compaixão. Um coração misericordioso sabe partilhar o pão com quem tem fome, um coração misericordioso abre-se para receber o refugiado e o migrante. Dizer misericórdia juntamente convosco é dizer oportunidade, dizer amanhã, compromisso, confiança, abertura, hospitalidade, compaixão, sonhos.

Quero também confessar-vos outra coisa que aprendi nestes anos. Entristece-me encontrar jovens que parecem «aposentados» antes do tempo. Preocupa-me ver jovens que desistiram antes do jogo; que «se renderam» sem ter começado a jogar; que caminham com a cara triste, como se a sua vida não tivesse valor. São jovens essencialmente chateados... e chatos. É duro, e ao mesmo tempo interpela-nos, ver jovens que deixam a vida à procura da «vertigem», ou daquela sensação de se sentir vivos por vias obscuras que depois acabam por «pagar»... e pagar caro. Dá que pensar quando vês jovens que perdem os anos belos da sua vida e as suas energias correndo atrás de vendedores de falsas ilusões (na minha terra natal, diríamos «vendedores de fumaça») que vos roubam o melhor de vós mesmos.

Por isso, queridos amigos, estamos aqui reunidos para nos ajudarmos uns aos outros, porque não queremos deixar que nos roubem o melhor de nós mesmos, não queremos permitir que nos roubem as energias, a alegria, os sonhos com falsas ilusões.

Queridos amigos, pergunto-vos: Para a vossa vida quereis aquela «vertigem» alienante, ou quereis sentir a força que vos faça sentir vivos, plenificados? Vertigem alienante ou força da graça? Para ser plenificados, para ter uma força renovada, há uma resposta: não é uma coisa, não é um objeto; é uma pessoa e está viva, chama-se Jesus Cristo.

Jesus Cristo é aquele que sabe dar verdadeira paixão à vida, Jesus Cristo é aquele que nos leva a não nos contentarmos com pouco e a dar o melhor de nós mesmos; é Jesus Cristo que nos interpela, convida e ajuda a erguer-nos sempre que nos damos por vencidos. É Jesus Cristo que nos impele a levantar o olhar e sonhar a altitude.

No Evangelho, ouvimos narrar que Jesus, indo a caminho de Jerusalém, se deteve numa casa – a casa de Marta, Maria e Lázaro – que O acolhe. Passando por lá, entra em casa para estar com eles; as duas mulheres acolhem Aquele que sabem ser capaz de comover-Se. Por vezes as inúmeras ocupações fazem-nos ser como Marta: ativos, distraídos, sempre a correr daqui para ali... mas há vezes também que somos como Maria: à vista duma bela paisagem, ou dum vídeo que um amigo nos envia ao telemóvel, paramos a refletir, a escutar. Nestes dias da JMJ, Jesus quer entrar na nossa casa; dar-Se-á conta das nossas preocupações, da nossa pressa, como fez com Marta... e esperará que O escutemos como Maria: que, no meio de todas as tarefas, tenhamos a coragem de nos confiarmos a Ele. Que sejam dias para Jesus, dedicados a ouvi-Lo, a recebê-Lo nas pessoas com quem partilho a casa, a rua, o grupo ou a escola.

E quem acolhe Jesus, aprende a amar como Jesus. Então pergunta-nos se queremos uma vida plena: Queres uma vida plena? Começa a deixar-te mover à compaixão! Porque a felicidade germina e desabrocha na misericórdia. Esta é a sua resposta, este é o seu convite, o seu desafio, a sua aventura: a misericórdia. A misericórdia tem sempre um rosto jovem; como o de Maria de Betânia, sentada aos pés de Jesus como discípula, que gosta de escutar, porque sabe que ali está a paz. Como o rosto de Maria de Nazaré, de tal modo lançada com o seu «sim» na aventura da misericórdia, que será chamada bem-aventurada por todas as gerações, chamada por todos nós «a Mãe da Misericórdia».

Agora, todos juntos, peçamos ao Senhor: Lançai-nos na aventura da misericórdia! Lançai-nos na aventura de construir pontes e derrubar muros (cercas e arame farpado); lançai-nos na aventura de socorrer o pobre, quem se sente sozinho e abandonado, quem já não encontra sentido para a sua vida. Impele-nos, como a Maria de Betânia, para a escuta daqueles que não compreendemos, daqueles que vêm de outras culturas, outros povos, mesmo daqueles que tememos porque julgamos que nos podem fazer mal. Fazei que voltemos o nosso olhar, como Maria de Nazaré para Isabel, para os nossos idosos a fim de aprender com a sua sabedoria.

Eis-nos aqui, Senhor! Enviai-nos a partilhar o vosso Amor Misericordioso. Queremos acolher-Vos nesta Jornada Mundial da Juventude, queremos afirmar que a vida é plena quando é vivida a partir da misericórdia; esta é a parte melhor que nunca nos será tirada.

Homilia do Santo Padre na Santa Missa nos 1050 do Batismo da Polónia

Das leituras desta Liturgia emerge um fio divino, que passa para a história humana e tece a história da salvação.

O apóstolo Paulo fala-nos do grande desígnio de Deus: «Quando chegou a plenitude do tempo, Deus enviou o seu Filho, nascido de uma mulher» (Gal 4, 4). A história, porém, diz-nos que, quando chegou esta «plenitude do tempo», isto é, quando Deus Se fez homem, a humanidade não estava particularmente preparada, nem era um período de estabilidade e de paz: não havia uma «idade de ouro». A cena deste mundo não era merecedora da vinda de Deus; antes pelo contrário, já que «os seus não O receberam» (Jo 1, 11). Assim a plenitude do tempo foi um dom de graça: Deus encheu o nosso tempo com a abundância da sua misericórdia; por puro amor – por puro amor –, inaugurou a plenitude do tempo.

Impressiona, sobretudo, o modo como se realiza a entrada de Deus na história: «nascido de uma mulher». Não há qualquer entrada triunfal, qualquer manifestação imponente do Todo-Poderoso. Não Se manifesta como um sol ofuscante, mas entra no mundo da forma mais simples, chega como uma criança através da mãe, com aquele estilo de que nos fala a Sagrada Escritura: como a chuva sobre a terra (cf. Is 55, 10), como a menor das sementes que germina e cresce (cf. Mc 4, 31-32). Assim – ao contrário do que esperaríamos e talvez quiséssemos – o Reino de Deus, hoje como então, «não vem de maneira ostensiva» (Lc17, 20), mas na pequenez, na humildade.

O Evangelho de hoje retoma este fio divino que atravessa delicadamente a história: da plenitude do tempo passamos ao «terceiro dia» do ministério de Jesus (cf. Jo 2, 1) e ao anúncio da «hora» da salvação (cf. v. 4). O tempo restringe-se, e a manifestação de Deus acontece sempre na pequenez. Assim «Jesus realizou o primeiro dos seus sinais miraculosos» (v. 11), em Caná da Galileia. Não há um gesto estrondoso realizado diante da multidão, nem uma intervenção que resolva um problema político flagrante, como a subjugação do povo à dominação romana. Pelo contrário, numa pequena aldeia, tem lugar um milagre simples, que alegra o casamento duma jovem família, completamente anónima. E contudo a água transformada em vinho na festa de núpcias é um grande sinal, porque revela o rosto esponsal de Deus, de um Deus que Se põe à mesa connosco, que sonha e realiza a comunhão connosco. Diz-nos que o Senhor não Se mantém à distância, mas é vizinho e concreto, está no nosso meio e cuida de nós, sem decidir em nosso lugar nem Se ocupar de questões de poder. De facto prefere encerrar-Se no que é pequeno, ao contrário do homem que tende a querer possuir algo sempre maior. Deixar-se atrair pelo poder, a grandeza e a visibilidade é tragicamente humano, resultando uma grande tentação que procura insinuar-se por todo o lado. Ao passo que é requintadamente divino dar-se aos outros, eliminando as distâncias, permanecendo na pequenez e habitando concretamente a quotidianidade.

Por conseguinte, Deus salva-nos fazendo-Se pequeno, vizinho e concreto. Antes de mais nada, Deus faz-Se pequeno. O Senhor, «manso e humilde de coração» (Mt 11, 29), prefere os pequeninos, a quem é revelado o Reino de Deus (cf. Mt 11, 25); são grandes a seus olhos e, sobre eles, pousa o seu olhar (cf. Is 66, 2). Prefere-os, porque se opõem àquele «estilo de vida orgulhoso» que vem do mundo (cf. 1 Jo 2, 16). Os pequenos falam a mesma língua d’Ele: o amor humilde que os torna livres. Por isso, Jesus chama pessoas simples e disponíveis para serem seus porta-vozes, e confia-lhes a revelação do seu nome e os segredos do seu Coração. Pensemos em tantos filhos e filhas do vosso povo: nos mártires, que fizeram resplandecer a força desarmada do Evangelho; nas pessoas simples, e todavia extraordinárias, que souberam testemunhar o amor do Senhor no meio de grandes provações; nos arautos mansos e fortes da Misericórdia, como São João Paulo II e Santa Faustina. Através destes «canais» do seu amor, o Senhor fez chegar dons inestimáveis a toda a Igreja e à humanidade inteira. E é significativo que este aniversário do Batismo do vosso povo tenha coincidido precisamente com o Jubileu da Misericórdia.

Além disso, Deus é vizinho, o seu Reino está próximo (cf. Mc 1, 15): o Senhor não quer ser temido como um soberano poderoso e distante, não quer permanecer num trono celeste ou nos livros da história, mas gosta de mergulhar nas nossas vicissitudes de cada dia, para caminhar connosco. Ao pensarmos no dom dum milénio abundante de fé, é bom antes de tudo dar graças a Deus, que caminhou com o vosso povo, tomando-o pela mão – como faz um papá com o seu menino –, e acompanhando-o em tantas situações. Isto mesmo é o que nós, também enquanto Igreja, sempre somos chamados a fazer: ouvir, envolver-se e tornar-se vizinho, partilhando as alegrias e as canseiras das pessoas, de modo que o Evangelho se comunique da forma mais coerente e frutuosa, ou seja, por irradiação positiva, através da transparência da vida.

Por fim, Deus é concreto. Das leituras de hoje sobressai que tudo, na ação de Deus, é concreto: a Sabedoria divina age «como arquiteto» e «brinca» (cf. Prv 8, 30), o Verbo faz-Se carne, nasce duma mãe, nasce sob o domínio da Lei (cf. Gal 4, 4), tem amigos e participa numa festa: o Eterno comunica-Se transcorrendo o tempo com pessoas e em situações concretas. Também a vossa história, permeada de Evangelho, Cruz e fidelidade à Igreja, regista o contágio positivo duma fé genuína, transmitida de família para família, de pai para filho e, sobretudo, pelas mães e as avós, a quem muito devemos agradecer. De modo particular, pudestes palpar a ternura concreta e providente da Mãe de todos, que vim aqui venerar como peregrino e que saudamos, no Salmo, como «a honra do nosso povo» (Jdt 15, 9).

É precisamente para Ela que nós, aqui reunidos, levantamos o olhar. Em Maria, encontramos a plena correspondência ao Senhor: e assim, na história, entrelaça-se com o fio divino um «fio mariano». Se existe qualquer glória humana, qualquer mérito nosso na plenitude do tempo, é Ela: é Ela aquele espaço, preservado liberto do mal, onde Deus Se espelhou; é Ela a escada que Deus percorreu para descer até nós e fazer-Se vizinho e concreto; é Ela o sinal mais claro da plenitude do tempo.

Na vida de Maria, admiramos esta pequenez amada por Deus, que «pôs os olhos na humildade da sua serva» e «exaltou os humildes» (Lc 1, 48.52). E nisso tanto Se deleitou, que d’Ela Se deixou tecer a carne, de modo que a Virgem Se tornou Progenitora de Deus, como proclama um hino muito antigo que há séculos vós Lhe cantais. A vós que ininterruptamente vindes ter com Ela, acorrendo a esta capital espiritual do país, continue a Virgem Mãe a mostrar o caminho e vos ajude a tecer na vida a teia humilde e simples do Evangelho.

Em Caná, como aqui em Jasna Góra, Maria oferece-nos a sua proximidade e ajuda-nos a descobrir o que falta à plenitude da vida. Hoje, como então, fá-lo com solicitude de Mãe, com a presença e o bom conselho, ensinando-nos a evitar arbítrios e murmurações nas nossas comunidades. Como Mãe de família, quer-nos guardar juntos, todos juntos. O caminho do vosso povo superou, na unidade, tantos momentos duros; que a Mãe, forte ao pé da cruz e perseverante na oração com os discípulos à espera do Espírito Santo, infunda o desejo de ultrapassar as injustiças e as feridas do passado e criar comunhão com todos, sem nunca ceder à tentação de se isolar e impor.

Nossa Senhora, em Caná, mostrou-Se muito concreta: é uma Mãe que tem a peito os problemas e intervém, que sabe individuar os momentos difíceis e dar-lhes remédio com discrição, eficácia e determinação. Não é patroa nem protagonista, mas Mãe e serva. Peçamos a graça de assumir a sua sensibilidade, a sua imaginação ao servir quem passa necessidade, a beleza de gastar a vida pelos outros, sem preferências nem distinções. Que Ela, causa da nossa alegria e portadora da paz por entre a abundância do pecado e as turbulências da história, nos obtenha a superabundância do Espírito para sermos servos bons e fiéis.

Pela sua intercessão, que se renove, também para nós, a plenitude do tempo. De pouco serve a passagem do antes ao depois de Cristo, se permanece uma data nos anais da história. Possa realizar-se, para todos e cada um, uma passagem interior, uma Páscoa do coração para o estilo divino encarnado por Maria: agir na pequenez e acompanhar de perto, com coração simples e aberto.