Ao iniciar o itinerário espiritual da Quaresma, a caminho da Páscoa da ressurreição do Senhor, desejo uma vez mais aderir à Campanha da Fraternidade que, neste ano de 2009, está destinada a considerar o lema “A paz é fruto da justiça”. É um tempo de conversão e de reconciliação de todos os cristãos, para que as mais nobres aspirações do coração humano possam ser satisfeitas, e prevaleça a verdadeira paz entre os povos e as comunidades.
O meu Venerável predecessor, o Papa João Paulo II, no Dia Mundial da Paz de 2002, ao ressaltar precisamente que a verdadeira paz é fruto da justiça, fazia notar que “a justiça humana é sempre frágil e imperfeita” devendo ser “exercida e de certa maneira completada com o perdão que cura as feridas e restabelece em profundidade as relações humanas transtornadas” (n. 3).
O Documento final de Aparecida, ao tratar do Reino de Deus e da promoção da dignidade humana, recordava os sinais evidentes da presença do Reino na vivência pessoal e comunitária das Bem-aventuranças, na evangelização dos pobres, no conhecimento e cumprimento da vontade do Pai, no martírio por causa da fé, no acesso de todos os bens da criação, e no perdão mútuo, sincero e fraterno, aceitando e respeitando a riqueza da pluralidade, e a luta para não sucumbir à tentação e não ser escravos do mal (n. 8.1). A Quaresma nos convida a lutar sem esmorecimento para fazer o bem, precisamente por sabermos como é difícil que nós, os homens, nos decidamos seriamente a praticar a justiça, e ainda falta muito para que a convivência se inspire na paz e no amor, e não no ódio ou na indiferença. Não ignoramos também que, embora se consiga atingir uma razoável distribuição dos bens e uma harmoniosa organização da sociedade, jamais desaparecerá a dor da doença, da incompreensão ou da solidão, da morte das pessoas que amamos, da experiência das nossas limitações. Nosso Senhor abomina as injustiças e condena quem as comete. Mas respeita a liberdade de cada indivíduo e por isso permite que elas existam, pois fazem parte da condição humana, após o pecado original. Contudo, seu coração cheio de amor pelos homens levou-o a carregar, juntamente com a cruz, todos esses tormentos: o nosso sofrimento, a nossa tristeza, a nossa fome e sede de justiça. Vamos pedir-lhe que saibamos testemunhar os sentimentos de paz e de reconciliação que O inspiraram no Sermão da Montanha, para alcançar a eterna Bem-aventurança.
Com estes auspícios, invoco a protecção do Altíssimo, para que sua mão benfazeja se estenda por todo o Brasil, e que a vida nova em Cristo alcance a todos em sua dimensão pessoal, familiar, social e cultural, derramando os dons da paz e da prosperidade, despertando em cada coração sentimentos de fraternidade e de viva cooperação. Com uma especial Bênção Apostólica.
Benedictus PP. XVI
(Fonte: site Radio Vaticana)
Obrigado, Perdão Ajuda-me
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Crise: Patriarca pede «ajuda silenciosa»
D. José Policarpo fala na necessidade de mudança e de renúncia à vaidade, no nosso tempo
O Cardeal-Patriarca defendeu esta Quarta-feira que o actual momento de crise “exige a ajuda silenciosa, discreta, de pessoa para pessoa, de vizinho para vizinho, na intimidade das comunidades”.
D. José Policarpo contrapunha este tipo de ajuda “à exuberância do anúncio das medidas financeiras, económicas, sociais, para responder à crise”.
Admitindo que “o anúncio de medidas correctas pode suscitar a esperança”, este responsável diz que o combate à crise deve ir além “das respostas estruturadas, públicas por natureza”.
“Não está ao nosso alcance resolver os grandes problemas. Mas devemos acolher com amor, ajudar em tudo o que pudermos, porventura orientando as pessoas para outra fonte de solução. E aí, renunciar para partilhar pode ser manifestação da nossa esperança de conversão”, assinalou.
Para o Patriarca de Lisboa, é necessário “enriquecer a prática do jejum no contexto das actuais exigências da caridade: privar-se e renunciar, para distribuir; experimentar a modéstia, para dominar a nossa vaidade; ser pobre para poder perceber e acolher muitos dos nossos irmãos”.
D. José Policarpo presidiu à Missa de Quarta-Feira de Cinzas, na Sé Patriarcal, proferindo uma homilia subordinada ao tema «Quaresma: a esperança da conversão».
“No tempo de Jesus, como hoje, a sociedade estava cheia de vaidades, em que o primeiro efeito das atitudes que se tomam é gerar boa impressão a nosso respeito naqueles que as vêem. A verdadeira esperança da conversão tem a humildade de quem precisa, a confiança de quem implora, a alegria espiritual de quem confia”, indicou.
“A maior parte dos nossos contemporâneos, fruto da cultura ambiente actual, não desejam a conversão. O homem moderno é um homem convencido, está contente com o que é, e, se pede mudanças de vida, é nos outros e não em si próprios”, lamentou.
O Cardeal-Patriarca precisou que “a mudança de vida” em causa “não é o fruto da sua vontade e decisão humanas, mas da acção de Deus na sua vida”.
“Nós queremos mudar de vida, não para nossa honra pessoal, mas para glória de Deus e triunfo da caridade. A humildade sublinha a autenticidade do nosso desejo de conversão”, disse.
Nacional Octávio Carmo 25/02/2009 22:34 2302 Caracteres 126 Quaresma
(Fonte: site Agência Ecclesia)
O Cardeal-Patriarca defendeu esta Quarta-feira que o actual momento de crise “exige a ajuda silenciosa, discreta, de pessoa para pessoa, de vizinho para vizinho, na intimidade das comunidades”.
D. José Policarpo contrapunha este tipo de ajuda “à exuberância do anúncio das medidas financeiras, económicas, sociais, para responder à crise”.
Admitindo que “o anúncio de medidas correctas pode suscitar a esperança”, este responsável diz que o combate à crise deve ir além “das respostas estruturadas, públicas por natureza”.
“Não está ao nosso alcance resolver os grandes problemas. Mas devemos acolher com amor, ajudar em tudo o que pudermos, porventura orientando as pessoas para outra fonte de solução. E aí, renunciar para partilhar pode ser manifestação da nossa esperança de conversão”, assinalou.
Para o Patriarca de Lisboa, é necessário “enriquecer a prática do jejum no contexto das actuais exigências da caridade: privar-se e renunciar, para distribuir; experimentar a modéstia, para dominar a nossa vaidade; ser pobre para poder perceber e acolher muitos dos nossos irmãos”.
D. José Policarpo presidiu à Missa de Quarta-Feira de Cinzas, na Sé Patriarcal, proferindo uma homilia subordinada ao tema «Quaresma: a esperança da conversão».
“No tempo de Jesus, como hoje, a sociedade estava cheia de vaidades, em que o primeiro efeito das atitudes que se tomam é gerar boa impressão a nosso respeito naqueles que as vêem. A verdadeira esperança da conversão tem a humildade de quem precisa, a confiança de quem implora, a alegria espiritual de quem confia”, indicou.
“A maior parte dos nossos contemporâneos, fruto da cultura ambiente actual, não desejam a conversão. O homem moderno é um homem convencido, está contente com o que é, e, se pede mudanças de vida, é nos outros e não em si próprios”, lamentou.
O Cardeal-Patriarca precisou que “a mudança de vida” em causa “não é o fruto da sua vontade e decisão humanas, mas da acção de Deus na sua vida”.
“Nós queremos mudar de vida, não para nossa honra pessoal, mas para glória de Deus e triunfo da caridade. A humildade sublinha a autenticidade do nosso desejo de conversão”, disse.
Nacional Octávio Carmo 25/02/2009 22:34 2302 Caracteres 126 Quaresma
(Fonte: site Agência Ecclesia)
Corar de vergonha
Para os católicos de todo o mundo, começa hoje a Quaresma. Um tempo especial de preparação para a Páscoa.
A grande festa do Cristianismo.
Para estes mais de mil e cem milhões, esta Quarta-feira ficará marcada pela prática do jejum. Mas, se para a maior parte dos cerca de 280 milhões que habita na Europa, um dia de privação voluntária de alimentos será, sobretudo, razão para dar graças pela sua abundância, nos restantes dias do ano, para a quase totalidade dos 150 milhões que habita em África, o mais provável é que este seja apenas um dia com a mesma fome de outro qualquer…
Apesar de trinta anos de progressos - segundo o Banco Mundial - há ainda hoje mais de mil e 400 milhões de pobres que vivem com pouco mais de um dólar por dia.
Um estudo da ONU revelou-nos, esta semana, um dado ainda mais chocante: metade da comida que actualmente se produz no mundo é desperdiçada. Não fosse assim e não só chegaria para alimentar a totalidade da população mundial como aquela que se prevê venha a existir em 2050. Para isso, bastava que se aumentasse a eficiência na cadeia alimentar e se combatesse o desperdício.
Um terço do leite produzido nunca é bebido. Um quarto da produção americana de frutos e vegetais apodrece na distribuição. Metade do lixo dos aterros australianos é constituída por restos alimentares. Um terço dos alimentos comprados na Grã-Bretanha nunca é ingerido.
Em tempos de crise, um mundo assim devia fazer-nos corar de vergonha. Basta querer para mudar.
Graça Franco
(Fonte: site RR)
A grande festa do Cristianismo.
Para estes mais de mil e cem milhões, esta Quarta-feira ficará marcada pela prática do jejum. Mas, se para a maior parte dos cerca de 280 milhões que habita na Europa, um dia de privação voluntária de alimentos será, sobretudo, razão para dar graças pela sua abundância, nos restantes dias do ano, para a quase totalidade dos 150 milhões que habita em África, o mais provável é que este seja apenas um dia com a mesma fome de outro qualquer…
Apesar de trinta anos de progressos - segundo o Banco Mundial - há ainda hoje mais de mil e 400 milhões de pobres que vivem com pouco mais de um dólar por dia.
Um estudo da ONU revelou-nos, esta semana, um dado ainda mais chocante: metade da comida que actualmente se produz no mundo é desperdiçada. Não fosse assim e não só chegaria para alimentar a totalidade da população mundial como aquela que se prevê venha a existir em 2050. Para isso, bastava que se aumentasse a eficiência na cadeia alimentar e se combatesse o desperdício.
Um terço do leite produzido nunca é bebido. Um quarto da produção americana de frutos e vegetais apodrece na distribuição. Metade do lixo dos aterros australianos é constituída por restos alimentares. Um terço dos alimentos comprados na Grã-Bretanha nunca é ingerido.
Em tempos de crise, um mundo assim devia fazer-nos corar de vergonha. Basta querer para mudar.
Graça Franco
(Fonte: site RR)
Inicio da Quaresma com o Papa em Santa Sabina: o convite a redescobrir o sentido e o valor do jejum
Hoje, quarta-feira de Cinzas, iniciou a Quaresma, período forte de preparação para a celebração da Paixão, Morte e Ressurreição do Salvador. É também um tempo em que a Igreja nos convida, de modo particular, às práticas penitenciais da oração, jejum e esmola.
Nesta quarta-feira, não houve a tradicional audiência geral; esta tarde Bento XVI vai deslocar-se ao bairro romano do Aventino onde nas Basílicas de Santo Anselmo e de Santa Sabina, com inicio às 16h25 presidirá a procissão, a Santa Missa, a bênção e a imposição da Cinzas.
A mensagem que o Papa propõe este ano para o período quaresmal tem como tema: “Jesus, após ter jejuado quarenta dias e quarenta noites, no fim teve fome”.
O Santo Padre Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma, convida-nos a redescobrir o sentido e o valor do jejum, tendo-nos recordado primeiro que o jejum faz parte de um conjunto de práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã: a oração, a esmola e o jejum.
Ao acentuar uma delas, não esquece que são indesligáveis entre si, citando São Pedro Crisólogo: “O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Portanto quem reza jejue; quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto, em seu benefício, o coração de Deus, não feche o seu a quem lhe suplica”.
(Fonte: Radio Vaticana)
Nesta quarta-feira, não houve a tradicional audiência geral; esta tarde Bento XVI vai deslocar-se ao bairro romano do Aventino onde nas Basílicas de Santo Anselmo e de Santa Sabina, com inicio às 16h25 presidirá a procissão, a Santa Missa, a bênção e a imposição da Cinzas.
A mensagem que o Papa propõe este ano para o período quaresmal tem como tema: “Jesus, após ter jejuado quarenta dias e quarenta noites, no fim teve fome”.
O Santo Padre Bento XVI, na sua Mensagem para a Quaresma, convida-nos a redescobrir o sentido e o valor do jejum, tendo-nos recordado primeiro que o jejum faz parte de um conjunto de práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã: a oração, a esmola e o jejum.
Ao acentuar uma delas, não esquece que são indesligáveis entre si, citando São Pedro Crisólogo: “O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum. Portanto quem reza jejue; quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto, em seu benefício, o coração de Deus, não feche o seu a quem lhe suplica”.
(Fonte: Radio Vaticana)
Quaresma: espiritualidade e história
A Quaresma é o tempo do Ano Litúrgico preparatório da Páscoa, a grande celebração do mistério da Salvação pela morte e ressurreição de Jesus Cristo. Na actual disciplina litúrgica, vai da Quarta-Feira de Cinzas até Quinta-Feira Santa, excluindo a Missa da Ceia do Senhor, que já pertence ao Tríduo Pascal.
A Quaresma surgiu no séc. IV, a seguir à paz de Constantino, quando multidões de pagãos quiseram entrar na Igreja. Duas instituições a ela estão ligadas; a penitência pública e o catecumenado. Daí o seu duplo carácter penitencial e baptismal. Inicialmente durava 3 semanas, mas depois, em Roma, foi alargada a 6 semanas (40 dias), com início no actual I Domingo da Quaresma (na altura denominado Quadragesima die, entenda-se 40.º dia anterior à Páscoa).
O termo Quadragesima (que deu a nossa "Quaresma") passou depois a designar a duração dos 40 dias evocativos do jejum de Jesus no deserto a preparar-se para a vida pública. Como, tradicionalmente, aos Domingos nunca se jejuou, foi necessário acrescentar alguns dias para se perfazerem os 40. Daí a antecipação do início da Quaresma para a Quarta-Feira de Cinzas.
Espiritualidade
A penitência pública ao longo da Quaresma caiu em desuso, mas ficou no espírito dos fiéis a necessidade de se prepararem ao longo de 40 dias de penitência para as festas pascais. Por sua vez, o catecumenado que, durante séculos, teve na Quaresma a fase de preparação próxima para os sacramentos da iniciação cristã na Vigília Pascal, também caiu em desuso (excepto nas missões ad gentes), mas foi restaurado pelo Concílio Vaticano II, dado o número crescente de baptismos de adultos.
Assim, a "eleição" dos catecúmenos para a fase da "iluminação" passou a fazer-se no I Domingo da Quaresma, entrando os "eleitos" em clima de retiro, marcado nas últimas semanas pelos "escrutínios" com as "tradições" (entregas) do Símbolo da Fé (Credo) e da Oração Dominical (Pai-Nosso), que eles acabam por fazer seus, proclamando-os (reditio) nos últimos escrutínios. Haja ou não catecúmenos, os fiéis de cada comunidade são convidados a viver a Quaresma em espírito catecumenal, preparando-se para a "renovação das promessas do Baptismo" na Vigília Pascal.
Tempo penitencial
A Quaresma é um tempo forte de penitência. A atitude espiritual expressa por esta palavra, tantas vezes na boca dos profetas e de Jesus Cristo, é uma atitude complexa e muito rica, suscitada pela consciência do pecado. Começa por ser arrependimento pelo mal praticado e sincera dor do pecado; logicamente leva ao desejo de expiação e de reparação, para repor a justiça lesada, e de reconciliação com Deus e com os irmãos ofendidos; chega finalmente à emenda de vida e mais ainda à conversão cristã, que é muito mais que uma conversão moral, para ser uma passagem à fé e à caridade sobrenaturais, com tudo o que implica de mudança de mentalidade, sensibilidade e maneira de amar, que passam a ser as próprias dos que pela graça se tornaram verdadeiros filhos de Deus.
Disciplina canónica
Para assegurar expressão comunitária à prática penitencial, sobretudo no tempo da Quaresma, a Igreja mantém o jejum e a abstinência tradicionais. Embora estas duas práticas digam hoje pouco à sensibilidade dos fiéis, mantêm-se em vigor, com variantes de país para país.
Entre nós (Normas da CEP aprovadas na Ass. Plen. de Jul.1984), são dias de jejum para os fiéis dos 18 aos 59 anos (a menos de dispensa, por doença ou outra causa) a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa (convidando a liturgia a prolongar o jejum deste dia ao longo de Sábado Santo). E são dias de abstinência de carnes, para os fiéis depois dos 14 anos (embora seja bom que a iniciação nesta prática se faça mais cedo), as Sextas-feiras do ano (a menos que cesse a obrigação pela coincidência com festa de preceito ou solenidade litúrgica), com possibilidade de substituição por outras práticas de ascese, esmola (caridade) ou piedade, embora seja aconselhado manter a prática tradicional nas sextas-feiras da Quaresma.
No que respeita à esmola, ela deve ser proporcional às posses de cada um e significar verdadeira renúncia, podendo revestir-se da forma de "contributo penitencial" (e, como já entrou nos hábitos diocesanos, de "renúncia quaresmal") com destino indicado pelo bispo.
D. Manuel Falcão, in Enciclopédia Católica Popular
(Fonte: site Radio Vaticana)
A Quaresma surgiu no séc. IV, a seguir à paz de Constantino, quando multidões de pagãos quiseram entrar na Igreja. Duas instituições a ela estão ligadas; a penitência pública e o catecumenado. Daí o seu duplo carácter penitencial e baptismal. Inicialmente durava 3 semanas, mas depois, em Roma, foi alargada a 6 semanas (40 dias), com início no actual I Domingo da Quaresma (na altura denominado Quadragesima die, entenda-se 40.º dia anterior à Páscoa).
O termo Quadragesima (que deu a nossa "Quaresma") passou depois a designar a duração dos 40 dias evocativos do jejum de Jesus no deserto a preparar-se para a vida pública. Como, tradicionalmente, aos Domingos nunca se jejuou, foi necessário acrescentar alguns dias para se perfazerem os 40. Daí a antecipação do início da Quaresma para a Quarta-Feira de Cinzas.
Espiritualidade
A penitência pública ao longo da Quaresma caiu em desuso, mas ficou no espírito dos fiéis a necessidade de se prepararem ao longo de 40 dias de penitência para as festas pascais. Por sua vez, o catecumenado que, durante séculos, teve na Quaresma a fase de preparação próxima para os sacramentos da iniciação cristã na Vigília Pascal, também caiu em desuso (excepto nas missões ad gentes), mas foi restaurado pelo Concílio Vaticano II, dado o número crescente de baptismos de adultos.
Assim, a "eleição" dos catecúmenos para a fase da "iluminação" passou a fazer-se no I Domingo da Quaresma, entrando os "eleitos" em clima de retiro, marcado nas últimas semanas pelos "escrutínios" com as "tradições" (entregas) do Símbolo da Fé (Credo) e da Oração Dominical (Pai-Nosso), que eles acabam por fazer seus, proclamando-os (reditio) nos últimos escrutínios. Haja ou não catecúmenos, os fiéis de cada comunidade são convidados a viver a Quaresma em espírito catecumenal, preparando-se para a "renovação das promessas do Baptismo" na Vigília Pascal.
Tempo penitencial
A Quaresma é um tempo forte de penitência. A atitude espiritual expressa por esta palavra, tantas vezes na boca dos profetas e de Jesus Cristo, é uma atitude complexa e muito rica, suscitada pela consciência do pecado. Começa por ser arrependimento pelo mal praticado e sincera dor do pecado; logicamente leva ao desejo de expiação e de reparação, para repor a justiça lesada, e de reconciliação com Deus e com os irmãos ofendidos; chega finalmente à emenda de vida e mais ainda à conversão cristã, que é muito mais que uma conversão moral, para ser uma passagem à fé e à caridade sobrenaturais, com tudo o que implica de mudança de mentalidade, sensibilidade e maneira de amar, que passam a ser as próprias dos que pela graça se tornaram verdadeiros filhos de Deus.
Disciplina canónica
Para assegurar expressão comunitária à prática penitencial, sobretudo no tempo da Quaresma, a Igreja mantém o jejum e a abstinência tradicionais. Embora estas duas práticas digam hoje pouco à sensibilidade dos fiéis, mantêm-se em vigor, com variantes de país para país.
Entre nós (Normas da CEP aprovadas na Ass. Plen. de Jul.1984), são dias de jejum para os fiéis dos 18 aos 59 anos (a menos de dispensa, por doença ou outra causa) a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa (convidando a liturgia a prolongar o jejum deste dia ao longo de Sábado Santo). E são dias de abstinência de carnes, para os fiéis depois dos 14 anos (embora seja bom que a iniciação nesta prática se faça mais cedo), as Sextas-feiras do ano (a menos que cesse a obrigação pela coincidência com festa de preceito ou solenidade litúrgica), com possibilidade de substituição por outras práticas de ascese, esmola (caridade) ou piedade, embora seja aconselhado manter a prática tradicional nas sextas-feiras da Quaresma.
No que respeita à esmola, ela deve ser proporcional às posses de cada um e significar verdadeira renúncia, podendo revestir-se da forma de "contributo penitencial" (e, como já entrou nos hábitos diocesanos, de "renúncia quaresmal") com destino indicado pelo bispo.
D. Manuel Falcão, in Enciclopédia Católica Popular
(Fonte: site Radio Vaticana)
MENSAGEM DE SUA SANTIDADE O PAPA BENTO XVI PARA A QUARESMA DE 2009
"Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome" (Mt 4, 1-2)
Queridos irmãos e irmãs!
No início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília pascal, «derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia e a paz» (Hino pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de reflectir este ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. De facto a Quaresma traz à mente os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua missão pública. Lemos no Evangelho: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome» (Mt 4, 1-2). Como Moisés antes de receber as Tábuas da Lei (cf. Êx 34, 28), como Elias antes de encontrar o Senhor no monte Oreb (cf. 1 Rs 19, 8), assim Jesus rezando e jejuando se preparou para a sua missão, cujo início foi um duro confronto com o tentador.
Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor comanda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: «Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás» (Gn 2, 16-17). Comentando a ordem divina, São Basílio observa que «o jejum foi ordenado no Paraíso», e «o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão». Portanto, ele conclui: «O “não comas” e, portanto, a lei do jejum e da abstinência» (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98). Dado que todos estamos estorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar «para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus» (8, 21). O Omnipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua protecção. O mesmo fizeram os habitantes de Ninive que, sensíveis ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram, como testemunho da sua sinceridade, um jejum dizendo: «Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?» (3, 9). Também então Deus viu as suas obras e os poupou.
No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum, condenando a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas pela lei, mas o seu coração estava distante de Deus. O verdadeiro jejum, repete também noutras partes o Mestre divino, é antes cumprir a vontade do Pai celeste, o qual «vê no oculto, recompensar-te-á» (Mt 6, 18). Ele próprio dá o exemplo respondendo a Satanás, no final dos 40 dias transcorridos no deserto, que «nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum finaliza-se portanto a comer o «verdadeiro alimento», que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34). Portanto, se Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor «de não comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal», com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia.
Encontramos a prática do jejum muito presente na primeira comunidade cristã (cf. Act 13, 3; 14, 22; 27, 21; 2 Cor 6, 5). Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do «velho Adão», e de abrir no coração do crente o caminho para Deus. O jejum é também uma prática frequente e recomendada pelos santos de todas as épocas. Escreve São Pedro Crisólogo: «O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum, portanto quem reza jejue. Quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto em seu benefício o coração de Deus não feche o seu a quem o suplica» (Sermo 43; PL 52, 320.332).
Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus. Na Constituição apostólica Paenitemini de 1966, o Servo de Deus Paulo VI reconhecia a necessidade de colocar o jejum no contexto da chamada de cada cristão a «não viver mais para si mesmo, mas para aquele que o amou e se entregou a si por ele, e... também a viver pelos irmãos» (Cf. Cap. I). A Quaresma poderia ser uma ocasião oportuna para retomar as normas contidas na citada Constituição apostólica, valorizando o significado autêntico e perene desta antiga prática penitencial, que pode ajudar-nos a mortificar o nosso egoísmo e a abrir o coração ao amor de Deus e do próximo, primeiro e máximo mandamento da nova Lei e compêndio de todo o Evangelho (cf. Mt 22, 34-40).
A prática fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. Santo Agostinho, que conhecia bem as próprias inclinações negativas e as definia «nó complicado e emaranhado» (Confissões, II, 10.18), no seu tratado A utilidade do jejum, escrevia: «Certamente é um suplício que me inflijo, mas para que Ele me perdoe; castigo-me por mim mesmo para que Ele me ajude, para aprazer aos seus olhos, para alcançar o agrado da sua doçura» (Sermo 400, 3, 3: PL 40, 708). Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus.
Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira Carta São João admoesta: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?» (3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre (cf. Enc. Deus caritas est, 15). Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Foi este, desde o início o estilo da comunidade cristã, na qual eram feitas colectas especiais (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27), e os irmãos eram convidados a dar aos pobres quanto, graças ao jejum, tinham poupado (cf. Didascalia Ap., V, 20, 18). Também hoje esta prática deve ser redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal.
De quanto disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana. Exorta oportunamente um antigo hino litúrgico quaresmal: «Utamur ergo parcius, / verbis, cibis et potibus, / somno, iocis et arcitius / perstemus in custodia – Usemos de modo mais sóbrio palavras, alimentos, bebidas, sono e jogos, e permaneçamos mais atentamente vigilantes».
Queridos irmãos e irmãos, considerando bem, o jejum tem como sua finalidade última ajudar cada um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de si a Deus (cf. Enc. Veritatis splendor, 21). A Quaresma seja portanto valorizada em cada família e em cada comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo. Penso em particular num maior compromisso na oração, na lectio divina, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa dominical. Com esta disposição interior entremos no clima penitencial da Quaresma. Acompanhe-nos a Bem-Aventurada Virgem Maria, Causa nostrae laetitiae, e ampare-nos no esforço de libertar o nosso coração da escravidão do pecado para o tornar cada vez mais «tabernáculo vivo de Deus». Com estes votos, ao garantir a minha oração para que cada crente e comunidade eclesial percorra um proveitoso itinerário quaresmal, concedo de coração a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 11 de Dezembro de 2008.
BENEDICTUS PP. XVI
Queridos irmãos e irmãs!
No início da Quaresma, que constitui um caminho de treino espiritual mais intenso, a Liturgia propõe-nos três práticas penitenciais muito queridas à tradição bíblica e cristã – a oração, a esmola, o jejum – a fim de nos predispormos para celebrar melhor a Páscoa e deste modo fazer experiência do poder de Deus que, como ouviremos na Vigília pascal, «derrota o mal, lava as culpas, restitui a inocência aos pecadores, a alegria aos aflitos. Dissipa o ódio, domina a insensibilidade dos poderosos, promove a concórdia e a paz» (Hino pascal). Na habitual Mensagem quaresmal, gostaria de reflectir este ano em particular sobre o valor e o sentido do jejum. De facto a Quaresma traz à mente os quarenta dias de jejum vividos pelo Senhor no deserto antes de empreender a sua missão pública. Lemos no Evangelho: «O Espírito conduziu Jesus ao deserto a fim de ser tentado pelo demónio. Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome» (Mt 4, 1-2). Como Moisés antes de receber as Tábuas da Lei (cf. Êx 34, 28), como Elias antes de encontrar o Senhor no monte Oreb (cf. 1 Rs 19, 8), assim Jesus rezando e jejuando se preparou para a sua missão, cujo início foi um duro confronto com o tentador.
Podemos perguntar que valor e que sentido tem para nós, cristãos, privar-nos de algo que seria em si bom e útil para o nosso sustento. As Sagradas Escrituras e toda a tradição cristã ensinam que o jejum é de grande ajuda para evitar o pecado e tudo o que a ele induz. Por isto, na história da salvação é frequente o convite a jejuar. Já nas primeiras páginas da Sagrada Escritura o Senhor comanda que o homem se abstenha de comer o fruto proibido: «Podes comer o fruto de todas as árvores do jardim; mas não comas o da árvore da ciência do bem e do mal, porque, no dia em que o comeres, certamente morrerás» (Gn 2, 16-17). Comentando a ordem divina, São Basílio observa que «o jejum foi ordenado no Paraíso», e «o primeiro mandamento neste sentido foi dado a Adão». Portanto, ele conclui: «O “não comas” e, portanto, a lei do jejum e da abstinência» (cf. Sermo de jejunio: PG 31, 163, 98). Dado que todos estamos estorpecidos pelo pecado e pelas suas consequências, o jejum é-nos oferecido como um meio para restabelecer a amizade com o Senhor. Assim fez Esdras antes da viagem de regresso do exílio à Terra Prometida, convidando o povo reunido a jejuar «para nos humilhar – diz – diante do nosso Deus» (8, 21). O Omnipotente ouviu a sua prece e garantiu os seus favores e a sua protecção. O mesmo fizeram os habitantes de Ninive que, sensíveis ao apelo de Jonas ao arrependimento, proclamaram, como testemunho da sua sinceridade, um jejum dizendo: «Quem sabe se Deus não Se arrependerá, e acalmará o ardor da Sua ira, de modo que não pereçamos?» (3, 9). Também então Deus viu as suas obras e os poupou.
No Novo Testamento, Jesus ressalta a razão profunda do jejum, condenando a atitude dos fariseus, os quais observaram escrupulosamente as prescrições impostas pela lei, mas o seu coração estava distante de Deus. O verdadeiro jejum, repete também noutras partes o Mestre divino, é antes cumprir a vontade do Pai celeste, o qual «vê no oculto, recompensar-te-á» (Mt 6, 18). Ele próprio dá o exemplo respondendo a Satanás, no final dos 40 dias transcorridos no deserto, que «nem só de pão vive o homem, mas de toda a palavra que sai da boca de Deus» (Mt 4, 4). O verdadeiro jejum finaliza-se portanto a comer o «verdadeiro alimento», que é fazer a vontade do Pai (cf. Jo 4, 34). Portanto, se Adão desobedeceu ao mandamento do Senhor «de não comer o fruto da árvore da ciência do bem e do mal», com o jejum o crente deseja submeter-se humildemente a Deus, confiando na sua bondade e misericórdia.
Encontramos a prática do jejum muito presente na primeira comunidade cristã (cf. Act 13, 3; 14, 22; 27, 21; 2 Cor 6, 5). Também os Padres da Igreja falam da força do jejum, capaz de impedir o pecado, de reprimir os desejos do «velho Adão», e de abrir no coração do crente o caminho para Deus. O jejum é também uma prática frequente e recomendada pelos santos de todas as épocas. Escreve São Pedro Crisólogo: «O jejum é a alma da oração e a misericórdia é a vida do jejum, portanto quem reza jejue. Quem jejua tenha misericórdia. Quem, ao pedir, deseja ser atendido, atenda quem a ele se dirige. Quem quer encontrar aberto em seu benefício o coração de Deus não feche o seu a quem o suplica» (Sermo 43; PL 52, 320.332).
Nos nossos dias, a prática do jejum parece ter perdido um pouco do seu valor espiritual e ter adquirido antes, numa cultura marcada pela busca da satisfação material, o valor de uma medida terapêutica para a cura do próprio corpo. Jejuar sem dúvida é bom para o bem-estar, mas para os crentes é em primeiro lugar uma «terapia» para curar tudo o que os impede de se conformarem com a vontade de Deus. Na Constituição apostólica Paenitemini de 1966, o Servo de Deus Paulo VI reconhecia a necessidade de colocar o jejum no contexto da chamada de cada cristão a «não viver mais para si mesmo, mas para aquele que o amou e se entregou a si por ele, e... também a viver pelos irmãos» (Cf. Cap. I). A Quaresma poderia ser uma ocasião oportuna para retomar as normas contidas na citada Constituição apostólica, valorizando o significado autêntico e perene desta antiga prática penitencial, que pode ajudar-nos a mortificar o nosso egoísmo e a abrir o coração ao amor de Deus e do próximo, primeiro e máximo mandamento da nova Lei e compêndio de todo o Evangelho (cf. Mt 22, 34-40).
A prática fiel do jejum contribui ainda para conferir unidade à pessoa, corpo e alma, ajudando-a a evitar o pecado e a crescer na intimidade com o Senhor. Santo Agostinho, que conhecia bem as próprias inclinações negativas e as definia «nó complicado e emaranhado» (Confissões, II, 10.18), no seu tratado A utilidade do jejum, escrevia: «Certamente é um suplício que me inflijo, mas para que Ele me perdoe; castigo-me por mim mesmo para que Ele me ajude, para aprazer aos seus olhos, para alcançar o agrado da sua doçura» (Sermo 400, 3, 3: PL 40, 708). Privar-se do sustento material que alimenta o corpo facilita uma ulterior disposição para ouvir Cristo e para se alimentar da sua palavra de salvação. Com o jejum e com a oração permitimos que Ele venha saciar a fome mais profunda que vivemos no nosso íntimo: a fome e a sede de Deus.
Ao mesmo tempo, o jejum ajuda-nos a tomar consciência da situação na qual vivem tantos irmãos nossos. Na sua Primeira Carta São João admoesta: «Aquele que tiver bens deste mundo e vir o seu irmão sofrer necessidade, mas lhe fechar o seu coração, como estará nele o amor de Deus?» (3, 17). Jejuar voluntariamente ajuda-nos a cultivar o estilo do Bom Samaritano, que se inclina e socorre o irmão que sofre (cf. Enc. Deus caritas est, 15). Escolhendo livremente privar-nos de algo para ajudar os outros, mostramos concretamente que o próximo em dificuldade não nos é indiferente. Precisamente para manter viva esta atitude de acolhimento e de atenção para com os irmãos, encorajo as paróquias e todas as outras comunidades a intensificar na Quaresma a prática do jejum pessoal e comunitário, cultivando de igual modo a escuta da Palavra de Deus, a oração e a esmola. Foi este, desde o início o estilo da comunidade cristã, na qual eram feitas colectas especiais (cf. 2 Cor 8-9; Rm 15, 25-27), e os irmãos eram convidados a dar aos pobres quanto, graças ao jejum, tinham poupado (cf. Didascalia Ap., V, 20, 18). Também hoje esta prática deve ser redescoberta e encorajada, sobretudo durante o tempo litúrgico quaresmal.
De quanto disse sobressai com grande clareza que o jejum representa uma prática ascética importante, uma arma espiritual para lutar contra qualquer eventual apego desordenado a nós mesmos. Privar-se voluntariamente do prazer dos alimentos e de outros bens materiais, ajuda o discípulo de Cristo a controlar os apetites da natureza fragilizada pela culpa da origem, cujos efeitos negativos atingem toda a personalidade humana. Exorta oportunamente um antigo hino litúrgico quaresmal: «Utamur ergo parcius, / verbis, cibis et potibus, / somno, iocis et arcitius / perstemus in custodia – Usemos de modo mais sóbrio palavras, alimentos, bebidas, sono e jogos, e permaneçamos mais atentamente vigilantes».
Queridos irmãos e irmãos, considerando bem, o jejum tem como sua finalidade última ajudar cada um de nós, como escrevia o Servo de Deus Papa João Paulo II, a fazer dom total de si a Deus (cf. Enc. Veritatis splendor, 21). A Quaresma seja portanto valorizada em cada família e em cada comunidade cristã para afastar tudo o que distrai o espírito e para intensificar o que alimenta a alma abrindo-a ao amor de Deus e do próximo. Penso em particular num maior compromisso na oração, na lectio divina, no recurso ao Sacramento da Reconciliação e na participação activa na Eucaristia, sobretudo na Santa Missa dominical. Com esta disposição interior entremos no clima penitencial da Quaresma. Acompanhe-nos a Bem-Aventurada Virgem Maria, Causa nostrae laetitiae, e ampare-nos no esforço de libertar o nosso coração da escravidão do pecado para o tornar cada vez mais «tabernáculo vivo de Deus». Com estes votos, ao garantir a minha oração para que cada crente e comunidade eclesial percorra um proveitoso itinerário quaresmal, concedo de coração a todos a Bênção Apostólica.
Vaticano, 11 de Dezembro de 2008.
BENEDICTUS PP. XVI
Quaresma
Vem do latim, quadragesima dies (o dia quadragésimo, antes da Páscoa). É o tempo de preparação «pelo qual se sobe ao monte santo da Páscoa», como o descreve o Cerimonial dos Bispos (CB 249). Começa em Quarta-Feira de Cinzas e termina pela tarde de Quinta-Feira Santa, antes da Missa Vespertina da Ceia do Senhor, com que se inaugura o Tríduo Pascal.
A Quaresma organizou-se a partir do século IV. A sua história anterior não é muito clara. Parece que o seu gérmen original foi o jejum pascal de dois dias, na Sexta e no Sábado antes do Domingo da Ressurreição, espaço que, a pouco e pouco, se alargou a uma semana, depois a três e, segundo as diversas regiões, sobretudo nas do Oriente, como o Egipto, até às seis semanas ou quarenta dias. Em Roma, a Quaresma já estava constituída, entre os anos 350 e 380.
Para dar sentido a este período, como preparação da Páscoa, teve certamente grande influência o simbolismo bíblico do número quarenta: os episódios de quarenta dias do dilúvio, antes da aliança com Noé; de Moisés e os seus quarenta dias no monte; do Povo de Israel e os seus quarenta anos pelo deserto; de Elias caminhando quarenta dias para o monte do encontro com Deus; e, sobretudo, os quarenta dias de Jesus no deserto, antes de começar a sua missão messiânica. Estes episódios têm em comum o significado de um tempo de prova, de purificação e de preparação para um acontecimento importante e salvador. «Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto» (CIC 540).
A Quaresma começava originariamente no Domingo. Mas, mais tarde - séculos VI-VII – acentuou-se como característica determinante o jejum, e como, aos domingos, não se jejuava, adiantou-se o seu início para a quarta-feira anterior ao primeiro domingo, a que de imediato se chamou «de Cinzas», para que a Páscoa fosse precedida de quarenta dias de jejum efectivo. E, ainda se foi antecipando mais a preparação com os Domingos da Quinquagésima, Sexagésima e Septuagésima, que, na última reforma, foram suprimidos.
Na Liturgia hispano-moçárabe, a Quaresma começa no primeiro domingo com uma festiva despedida do Aleluia. A segunda parte, que começa no terceiro domingo, recebe o nome de «De Traditione» (a Paixão).
Neste contexto de Quaresma, tinha lugar a última etapa do catecumenado: os que se preparavam para serem baptizados, na Noite Pascal, tinham, nestas semanas anteriores, reuniões de oração, escrutínios e exorcismos.
O Concílio Vaticano II determinou expressamente que se acentuasse o carácter baptismal e penitencial da Quaresma, «sobretudo através da recordação ou da preparação para o Baptismo e através da Penitência, dispõe os fiéis, que com mais frequência ouvem a Palavra de Deus e se entregam à oração, para a celebração do Mistério Pascal» (SC 109). Agora «a liturgia quaresmal prepara para a celebração do Mistério Pascal tanto os catecúmenos, através dos diversos graus da iniciação cristã, como os fiéis, por meio da recordação do Baptismo e das práticas de penitência» (NG 27).
A nova ordenação do Calendário (cf. NG, de 1969) preferiu não situar o início da Quaresma no primeiro domingo, que parecia o mais lógico, pelo enraizamento que, ao longo dos séculos, tomou a Quarta-Feira de Cinzas.
As seis semanas da Quaresma dividem-se em três etapas, marcadas pelos Evangelhos correspondentes: os dois primeiros domingos, com as tentações e a transfiguração do Senhor; os três seguintes, com as catequeses baptismais da samaritana (água), do cego (luz) e Lázaro (vida), próprias do ciclo A, mas que se podem seguir cada ano, embora haja outra série de leituras para cada ciclo; e, finalmente, o domingo sexto, chamado de Ramos ou da Paixão, que inaugura a Semana Santa.
Também as primeiras leituras destes domingos têm uma organização interior que dá um sentido especial à Quaresma, sobretudo no ciclo A. São seis momentos significativos da História da Salvação: a criação do mundo, Abraão, o Êxodo e Moisés, o rei David, os profetas e o Servo de Javé. Tudo isso ajuda a entender a Quaresma como um caminho de crescente preparação para a celebração da Páscoa.
As características ambientais e celebrativas da Quaresma, já desde há séculos, são a ausência do Aleluia nos cânticos, a austeridade na ornamentação do espaço celebrativo (sem flores nem música instrumental), a cor roxa dos paramentos do sacerdote (menos no quarto domingo, «Lætare», em que se pode usar a cor rosa); os escrutínios catecumenais (o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos coloca o rito de «eleição» para a última etapa catecumenal, no primeiro domingo da Quaresma e, a partir daí, várias reuniões de escrutínios); as missas estacionais, à volta do próprio bispo, originadas em Roma mas recomendadas para as outras igrejas em que pareçam convenientes; o exercício da via-sacra; a «confissão pascal», a celebração do sacramento da Reconciliação, como preparação imediata para a Páscoa…
(Fonte: Dicionário Elementar de Liturgia)
A Quaresma organizou-se a partir do século IV. A sua história anterior não é muito clara. Parece que o seu gérmen original foi o jejum pascal de dois dias, na Sexta e no Sábado antes do Domingo da Ressurreição, espaço que, a pouco e pouco, se alargou a uma semana, depois a três e, segundo as diversas regiões, sobretudo nas do Oriente, como o Egipto, até às seis semanas ou quarenta dias. Em Roma, a Quaresma já estava constituída, entre os anos 350 e 380.
Para dar sentido a este período, como preparação da Páscoa, teve certamente grande influência o simbolismo bíblico do número quarenta: os episódios de quarenta dias do dilúvio, antes da aliança com Noé; de Moisés e os seus quarenta dias no monte; do Povo de Israel e os seus quarenta anos pelo deserto; de Elias caminhando quarenta dias para o monte do encontro com Deus; e, sobretudo, os quarenta dias de Jesus no deserto, antes de começar a sua missão messiânica. Estes episódios têm em comum o significado de um tempo de prova, de purificação e de preparação para um acontecimento importante e salvador. «Todos os anos, pelos quarenta dias da Grande Quaresma, a Igreja une-se ao mistério de Jesus no deserto» (CIC 540).
A Quaresma começava originariamente no Domingo. Mas, mais tarde - séculos VI-VII – acentuou-se como característica determinante o jejum, e como, aos domingos, não se jejuava, adiantou-se o seu início para a quarta-feira anterior ao primeiro domingo, a que de imediato se chamou «de Cinzas», para que a Páscoa fosse precedida de quarenta dias de jejum efectivo. E, ainda se foi antecipando mais a preparação com os Domingos da Quinquagésima, Sexagésima e Septuagésima, que, na última reforma, foram suprimidos.
Na Liturgia hispano-moçárabe, a Quaresma começa no primeiro domingo com uma festiva despedida do Aleluia. A segunda parte, que começa no terceiro domingo, recebe o nome de «De Traditione» (a Paixão).
Neste contexto de Quaresma, tinha lugar a última etapa do catecumenado: os que se preparavam para serem baptizados, na Noite Pascal, tinham, nestas semanas anteriores, reuniões de oração, escrutínios e exorcismos.
O Concílio Vaticano II determinou expressamente que se acentuasse o carácter baptismal e penitencial da Quaresma, «sobretudo através da recordação ou da preparação para o Baptismo e através da Penitência, dispõe os fiéis, que com mais frequência ouvem a Palavra de Deus e se entregam à oração, para a celebração do Mistério Pascal» (SC 109). Agora «a liturgia quaresmal prepara para a celebração do Mistério Pascal tanto os catecúmenos, através dos diversos graus da iniciação cristã, como os fiéis, por meio da recordação do Baptismo e das práticas de penitência» (NG 27).
A nova ordenação do Calendário (cf. NG, de 1969) preferiu não situar o início da Quaresma no primeiro domingo, que parecia o mais lógico, pelo enraizamento que, ao longo dos séculos, tomou a Quarta-Feira de Cinzas.
As seis semanas da Quaresma dividem-se em três etapas, marcadas pelos Evangelhos correspondentes: os dois primeiros domingos, com as tentações e a transfiguração do Senhor; os três seguintes, com as catequeses baptismais da samaritana (água), do cego (luz) e Lázaro (vida), próprias do ciclo A, mas que se podem seguir cada ano, embora haja outra série de leituras para cada ciclo; e, finalmente, o domingo sexto, chamado de Ramos ou da Paixão, que inaugura a Semana Santa.
Também as primeiras leituras destes domingos têm uma organização interior que dá um sentido especial à Quaresma, sobretudo no ciclo A. São seis momentos significativos da História da Salvação: a criação do mundo, Abraão, o Êxodo e Moisés, o rei David, os profetas e o Servo de Javé. Tudo isso ajuda a entender a Quaresma como um caminho de crescente preparação para a celebração da Páscoa.
As características ambientais e celebrativas da Quaresma, já desde há séculos, são a ausência do Aleluia nos cânticos, a austeridade na ornamentação do espaço celebrativo (sem flores nem música instrumental), a cor roxa dos paramentos do sacerdote (menos no quarto domingo, «Lætare», em que se pode usar a cor rosa); os escrutínios catecumenais (o Ritual da Iniciação Cristã dos Adultos coloca o rito de «eleição» para a última etapa catecumenal, no primeiro domingo da Quaresma e, a partir daí, várias reuniões de escrutínios); as missas estacionais, à volta do próprio bispo, originadas em Roma mas recomendadas para as outras igrejas em que pareçam convenientes; o exercício da via-sacra; a «confissão pascal», a celebração do sacramento da Reconciliação, como preparação imediata para a Páscoa…
(Fonte: Dicionário Elementar de Liturgia)
O Evangelho do dia 25 de Fevereiro de 2009 - Quarta-feira de Cinzas
São Mateus 6, 1-6.16-18
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus.
«Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa.
«Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. »
«Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».
Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Tende cuidado em não praticar as vossas boas obras diante dos homens, para serdes vistos por eles. Aliás, não tereis nenhuma recompensa do vosso Pai que está nos Céus.
«Assim, quando deres esmola, não toques a trombeta diante de ti, como fazem os hipócritas, nas sinagogas e nas ruas, para serem louvados pelos homens.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Quando deres esmola, não saiba a tua mão esquerda o que faz a direita, para que a tua esmola fique em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa.
«Quando rezardes, não sejais como os hipócritas, porque eles gostam de orar de pé, nas sinagogas e nas esquinas das ruas, para serem vistos pelos homens.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Tu, porém, quando rezares, entra no teu quarto, fecha a porta e ora a teu Pai em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa. »
«Quando jejuardes, não tomeis um ar sombrio, como os hipócritas, que desfiguram o rosto, para mostrarem aos homens que jejuam.
«Em verdade vos digo: já receberam a sua recompensa.
«Tu, porém, quando jejuares, perfuma a cabeça e lava o rosto, para que os homens não percebam que jejuas, mas apenas o teu Pai, que está presente em segredo; e teu Pai, que vê o que está oculto, te dará a recompensa».
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