Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Mil anos de guerra

Faz agora 50 anos, o Papa Paulo VI viajou à Terra Santa, depois de muitos séculos em que nenhum Papa se afastou dos arredores de Roma, menos ainda para voltar àquela terra onde Jesus viveu. A formação do Estado de Israel tinha aberto um conflito com os palestinianos, que habitavam o território até serem expulsos pelos judeus, e com os árabes dos países limítrofes. Toda a região vivia em estado de guerra latente e Paulo VI queria a paz. Além disso, queria acabar a inimizade milenar que opunha a Igreja ortodoxa e a Igreja católica.

Um mês antes da partida (4 de Dezembro de 1963), Paulo VI surpreendeu os participantes no Concílio Vaticano II anunciando-lhes a viagem: ia partir para a Terra Santa «em espírito de devota oração, de renovação espiritual, para oferecer a Cristo a sua Igreja; para chamar os Irmãos separados a esta Igreja, una e santa; para implorar a misericórdia divina em favor da paz».

A televisão, a rádio e as possibilidades de comunicação das agências internacionais transformaram o intenso ritmo daqueles primeiros anos de pontificado num corrupio de notícias. Sucessivos acontecimentos inesperados prendiam a atenção do mundo inteiro. O Papa é eleito em finais de Junho, reabre o Concílio Vaticano II interrompido com a morte de João XXIII, e no início de Janeiro parte para esta viagem inédita fora de Roma. As discussões conciliares já eram, só por si, uma fonte inesgotável de enredo.

De um modo geral, as notícias de Roma difundiam-se a partir de meios de comunicação muito críticos do catolicismo, a maioria dos quais propriedade de capitais protestantes, judaicos ou ligados a ditaduras comunistas. Por causa disso, apesar de se falar tanto de religião, nem Deus nem a fé suscitavam muito interesse, o destaque ia para os pequenos escândalos, as posições teológicas em disputa na Aula Conciliar, os casos pessoais. Na verdade, nem sequer as doutrinas teológicas interessavam às agências noticiosas, a não ser como símbolo de manobras de poder.

O Papa Paulo VI, recém-eleito, estava a par de tudo isto, mas decidiu ignorar os meios da intriga mediática e lançar-se a evangelizar o mundo. Tudo podia correr mal, quando partiu, na fria madrugada de 4 de Janeiro de 1964, do aeroporto de Roma. A primeira etapa foi Amam, na Jordânia, país muçulmano. Daí, peregrinou às margens do Jordão, a Betânia, a Jerusalém, dominada pelo exército israelita, a Nazaré, a Cafarnaum, a Tagba onde Cristo colocou Pedro à frente da sua Igreja, ao monte das Bem-aventuranças, ao monte Tabor e à gruta do presépio em Belém. Nalguns locais, houve multidões a aclamá-lo, noutros locais proibiram-no de entrar.

Quando o Papa apelou aos responsáveis políticos de todos os países para que evitassem a guerra, em particular uma nova guerra mundial, muitos foram tocados pela genuína preocupação do Pontífice, porque falava em nome de Deus e não em nome de uns em luta com outros. Numa terra ensanguentada por séculos de conflito, as palavras do Papa impressionavam porque expressavam a dor de Deus, ferido nos seus filhos sofredores.

Uma das recordações mais marcantes desses dias de peregrinação foi o encontro com Atenágoras, Patriarca ecuménico de Constantinopla, que se deslocou à Terra Santa nas mesmas datas, à frente de uma grande delegação de bispos ortodoxos, para se encontrar com Paulo VI. O abraço destes dois homens não apagou instantaneamente os quase mil anos de desavenças, durante os quais os cristãos da Europa Oriental viveram de costas voltadas para Roma, mas abriu o caminho para a reconciliação. Paulo VI emocionou-se no final do encontro do primeiro dia, quando falou daquele passo inédito. No dia seguinte, voltaram a reunir-se e a abraçar-se.

Fez agora 50 anos (nos dias 4 e 5 de Janeiro) que as feridas dolorosas do Cisma do Oriente começaram a sarar. Quantas maravilhas presenciámos, neste caminho que há-de levar à comunhão plena. E, também, quantos momentos difíceis. Recordo o Sínodo sobre a África, em 1994, em Roma. Quando chegou a intervenção da delegação ortodoxa, que tinha sido acolhida com tanta simpatia, o responsável da delegação desferiu um ataque violentíssimo contra a Igreja católica. A Aula Sinodal ficou gelada, nem se ouvia a respiração. João Paulo II levantou-se, dirigiu-se ao orador e deu-lhe um abraço muito forte. Um aplauso estrondoso quebrou o silêncio. Jesus contava com o vigor destes abraços, quando disse a Pedro que sobre ele construía a sua Igreja.
José Maria C.S. André

Ele nos anima, ensina, guia

"Iesus Christus, perfectus Deus, perfectus Homo" – Jesus Cristo, perfeito Deus e perfeito Homem! Muitos são os cristãos que seguem Cristo, pasmado com a sua divindade, mas que O esquecem como Homem... e fracassam no exercício das virtudes sobrenaturais (apesar de todo o aparato externo de piedade), porque não fazem nada por adquirir as virtudes naturais. (Sulco, 652)

Enamora-te da Santíssima Humanidade de Jesus Cristo.
– Não te dá alegria que tenha querido ser como nós? Agradece a Jesus este cúmulo de bondade. (Forja, 547)

Obrigado, meu Jesus, porque quiseste fazer-te perfeito Homem, com um Coração amante e amabilíssimo, que ama até à morte e sofre; que se enche de júbilo e de dor; que se entusiasma com os caminhos dos homens, e nos mostra o que nos leva ao Céu; que se sujeita heroicamente ao dever, e se guia pela misericórdia; que vela pelos pobres e pelos ricos; que cuida dos pecadores e dos justos...

Obrigado, meu Jesus, e dá-nos um coração à medida do Teu! (Sulco, 813)

Nisto se define a verdadeira devoção ao Coração de Jesus: em conhecer a Deus e conhecermo-nos a nós mesmos, e em olhar para Jesus e recorrer a Ele – que nos anima, nos ensina, nos guia. A única superficialidade que pode haver nesta devoção é a do homem que não é integralmente humano e que, por isso, não consegue aperceber-se da realidade de Deus feito carne.

Cristo na Cruz, com o Coração trespassado de Amor pelos homens, é uma resposta eloquente – as palavras não são necessárias – à pergunta sobre o valor das coisas e das pessoas. (Cristo que passa, 164–165)

São Josemaría Escrivá

Nunca duvidar do Amor de Deus

A grande diferença entre o ser humano e o animal é que o ser humano não é “algo”: é “alguém”. Possui a dignidade de ser uma pessoa.
Isso significa que é um ser capaz de se possuir pela vontade e capaz de se compreender pela inteligência.
Um ser que tem a capacidade de reconhecer que não se deu a si mesmo a existência e, por isso, pode abrir-se à infinitude do seu Criador.
No encontro pessoal com Jesus Cristo, descobrimos quem realmente somos: filhos de Deus, destinatários de um Amor infinito.
Mas, atenção!
Esta verdade (sou filho de Deus) não pode ser uma simples afirmação que entendo com a inteligência e não muda nada na minha vida do dia-a-dia. Deve ser semelhante a uma “faísca” que provoca um autêntico incêndio de Amor.
Foi isto que aconteceu com os santos!
A alternativa diante do Criador não é “submeter-se” ou “revoltar-se”. Quem tem esta visão, diz-nos S. João, não conhece verdadeiramente a Deus, porque “Deus é Amor”.
A verdadeira alternativa é “fechar-se ao Amor” ou “deixar-se Amar”. E todos nós percebemos que só a segunda nos faz felizes.
Como dizia Paulo VI, canonizado no passado dia 14 de Outubro, «acreditar em Deus não significa simplesmente acreditar em que Ele existe, mas sim, acreditar em que Ele me ama».
Há pessoas que acreditam em que Deus existe e, mesmo assim, perdem o bom caminho ou não se decidem a percorrê-lo. Pelo contrário, ninguém perde o bom caminho se mantém firme a fé no Amor de Deus por ele.
Foi isto o que fez São Paulo VI. Apesar de todas as “perseguições” que sofreu, sobretudo pela encíclica profética que escreveu a defender o amor humano genuíno, nunca duvidou do Amor de Deus por ele.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria

Que os nossos lares sejam o reflexo da Sagrada Família

Todos nos temos de esforçar por tornar amável o relacionamento com as pessoas que convivem connosco ou que estão perto, por uma razão ou por outra. Demos espaço ao Senhor no nosso coração e nos nossos dias. Assim fizeram também Maria e José, mas não foi fácil: quantas dificuldades tiveram que superar! Não era uma família fictícia, nem uma família irreal. A família de Nazaré compromete-nos a redescobrir a vocação e a missão da família, de cada família [16].

Supliquemos ao Senhor, por intercessão da Virgem Maria e de S. José, que nos Centros da Obra, nas casas dos outros fiéis e cooperadores da Prelatura, dos nossos familiares e amigos e em todos os lares cristãos, se reflita o exemplo da Sagrada Família. Contemplar Jesus, Maria e José há de impulsionar-nos a estar atentos aos outros, como eles estiveram. Temos de rezar diariamente e ocupar-nos das suas necessidades espirituais e materiais, do seu descanso, da ordem e dignidade material da casa, que há de ser um espelho do lar de Nazaré. E não consideremos nunca estes deveres como um peso, mas como salutares ocasiões de servir.

No seio da família de Nazaré, Jesus foi testemunho de tantos pormenores de delicadeza, de tantas manifestações de carinho. Quando começou a Sua vida pública, conheciam-No pelas suas raízes familiares: Não é este o filho do artesão? Não se chama sua mãe Maria? [17] Que bom seria que, ao observarem a nossa atuação de fiéis seguidores de Cristo, as pessoas pudessem afirmar: nota-se que esta pessoa imita o exemplo de Jesus, porque cuida o ambiente da sua casa, porque o leva consigo para todo o lado, porque deseja que os outros participem dessa alegria e dessa paz.
No próximo dia 9 é o aniversário do nascimento de S. Josemaria. Em Barbastro e em Logronho, o nosso Fundador aprendeu tantos pormenores próprios da unidade familiar, que depois nos transmitiu a nós. O nosso reconhecimento vai também para os seus pais, por terem sido dóceis instrumentos de Deus para a formação humana e sobrenatural de S. Josemaria.

Unamo-nos às intenções do Papa, rezando também pelos religiosos, as religiosas e as almas consagradas, neste ano que a Igreja lhes dedica. E recorramos, nesta prece, à Santíssima Virgem, com grande confiança.

Com outras palavras do nosso Fundador, peçamos que nas famílias se mantenha sempre o espírito dos primeiros tempos do cristianismo: pequenas comunidades cristãs que foram centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo que contagiava aqueles que os conheciam e com eles conviviam. Assim foram os primeiros cristãos e assim havemos de ser nós, os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz e da alegria que Cristo nos trouxe [18].

Há poucos dias passei por Pamplona e visitei alguns doentes. Também me reuni com cerca de duas mil e quinhentas pessoas no pavilhão desportivo da Universidade. Recordei o olhar, cheio de agradecimento ao Senhor, de S. Josemaria. E passava-me pela alma, pela mente, que em qualquer lugar onde nos encontremos, estamos na nossa própria casa, bem unidos, para servir Deus e todas as almas.

[16]. Papa Francisco, Discurso na Audiência geral, 17-XII-2014.
[17]. Mt 13, 55.
[18]. S. Josemaria, Cristo que passa, n. 30.

(D. Javier Echevarría na carta do mês de janeiro de 2015)
© Prælatura Sanctæ Crucis et Operis Dei

UM NOME SEM IMPORTÂNCIA

Se há alguma importância em se chamar Ernesto , não há nenhuma em chamar-se Dora. Com efeito, a mulher que teve este nome não foi vedeta, nem actriz, não foi famosa, nem rica, não escreveu livros, nem foi conhecida pela sua beleza ou por outro atributo. Aliás, passou desapercebida, viveu e morreu discretamente, depois de uma vida de trabalho silencioso, sem mais história do que a história de uma vulgar empregada doméstica, que mais não foi do que isso mesmo, toda a sua vida.

Dora del Hoyo nasceu em 1914 em Espanha, mas em 1946 mudou-se para a capital italiana, onde viveu e trabalhou para a sua família: o Opus Dei. Como profissional, entregou-se de alma e coração às tarefas domésticas na sede da prelatura. Lavou pratos e tachos, limpou o pó, cozinhou, tratou das roupas, como qualquer dona de casa, até à data da sua morte, a 10 de Janeiro de 2004, em Roma. Aí repousa agora, ao lado da campa onde esteve sepultado o fundador, S. Josemaria Escrivá, e onde está agora o corpo de D. Álvaro del Portillo, primeiro prelado do Opus Dei. Os corpos deste bispo e desta empregada doméstica são os únicos que, de momento, se encontram na cripta da igreja prelatícia de Santa Maria da Paz, onde antes estiveram os restos mortais de S. Josemaria, até à sua trasladação para o respectivo altar, por ocasião da sua beatificação e posterior canonização.

Quem imaginaria uma simples mulher-a-dias na necrópole dos Papas?! Ou uma pobre e desconhecida operária no mausoléu do Kremlin?! Ou uma velha criada enterrada entre os túmulos dos reis, em São Vicente de Fora?! Ou ainda uma cozinheira no panteão nacional de Santa Engrácia?! Contudo, a poucos centímetros de onde jazeu o fundador do Opus Dei e agora repousam os restos do seu sucessor, um só corpo recebeu sepultura: o de Dora del Hoyo, empregada doméstica.

No Opus Dei há alguns cardeais, bastantes bispos, milhares de sacerdotes, muitos já falecidos, alguns com fama de santidade mas, até à data, mais nenhum, salvo o primeiro sucessor do fundador, mereceu o privilégio outorgado a esta simples operária do lar. Muitos são os fiéis leigos defuntos do Opus Dei que, nestes quase noventa anos de serviço à Igreja e ao mundo, se notabilizaram pelo seu trabalho: catedráticos, generais, políticos, artistas, embaixadores, literatos, cientistas, almirantes, jornalistas, etc. No entanto, é uma empregada doméstica que ocupa aquela tão especial sepultura. Uma mulher a que não se ficou a dever nenhuma invenção, nenhuma novidade, nem sequer nenhuma receita memorável. Apenas serviu, serviu a Deus e aos homens, serviu a Igreja, servindo os seus irmãos e irmãs da prelatura e muitas outras almas. Com alegria, com devoção, com profissionalismo, com amor, com perseverança, com simplicidade e, sobretudo, sem se dar nenhuma importância, porque a não tinha.

Há uma meia dúzia de anos que Dora descansa no subsolo da igreja de Santa Maria da Paz. E, apesar de muitos fiéis visitarem a cripta, onde é bem visível o nicho com o seu nome, ninguém sabe, nem tem por que saber, a grandeza da sua vida prosaica, tão mariana. A sua singela presença naquele lugar, onde aguarda a ressurreição dos mortos, é tão apagada quanto foi a sua vida: não se deve a nenhum principesco favor, nem é demagogia barata, mas a genuína expressão de uma revolucionária verdade – a igual nobreza de todas as profissões humanas e a comum dignidade eclesial de todos os filhos de Deus.

P. Gonçalo Portocarrero de Almada

1 A Importância de se chamar Ernesto [The Importance of Being Earnest] comédia escrita por Oscar Wilde, em 1895.