O Papa espera muito deste
próximo sínodo sobre a família. A parte mais interessante será a conclusão final,
que o Papa reservou para si. Pediu aos bispos colaborações francas, leais, que
o ajudassem na sua missão, mas explicou-lhes que essa missão – confiada pelo
próprio Cristo ao Papa – não era delegável.
Alguns sentiram a falta da
participação activa do Papa durante as primeiras controvérsias, quando ele, em
vez de tomar partido, insistia em que cada um ouvisse os outros e, sobretudo,
pedia orações, orações, orações. Parece que o povo cristão tem correspondido, a
julgar pelas pessoas que retomaram o terço e as paróquias que organizaram tempos
de adoração eucarística.
Noutro plano, o Papa Francisco começou
uma catequese muito serena, muito profunda, sobre a família. Sem dar a entender
que criticava este ou aquele, propôs-se ajudar a Igreja a olhar a família numa
perspectiva diferente. Passou a ser regra que, nos encontros mais concorridos
do pontificado (por exemplo nas Filipinas, ou há dias em Guayaquil), o Papa
escolha este tema, sempre numa perspectiva evangélica, jamais em tom polémico.
Um dos apelos surpreendentes do
Papa Francisco é chorar. Num encontro memorável com milhares de padres da
diocese de Roma, perguntava-lhes directamente se, naquele presbitério, se
tinham secado as lágrimas. As ofensas à dignidade humana, a deslealdade na
quebra dos compromissos deviam comover-nos. Onde é que estão as lágrimas?
Este apelo foi tão genuíno que
ninguém o tomou por um recurso de retórica. Pelo contrário, vejo gente que
finalmente percebeu a doutrina da Igreja, gente que não se convencia com
declarações de direitos e de deveres, mas ficou desarmada com um Papa que admite
publicamente que chora e apela aos seus padres para se comoverem.
Outro dos apelos do Papa é para
experimentarmos a misericórdia de Deus, para confiarmos no seu projecto de
felicidade e abrirmo-nos à contrição e à emenda de vida.
Em Guayaquil, comentando a cena
das bodas de Caná, o Papa falou assim das bacias de água destinadas às
limpezas. «O vinho novo, o melhor vinho, como diz o mestre-sala, nasce das
tinas da purificação, quer dizer, do lugar onde todos tinham deixado o seu
pecado; nasce do “piorzinho”, porque “onde abundou o pecado, aí sobreabundou a
graça”. Em cada uma das nossas famílias e na família comum que todos formamos,
não se descarta ninguém, ninguém é inútil. Pouco antes de começar o ano jubilar
da misericórdia, a Igreja celebrará o sínodo dedicado às famílias (...). Convido-vos
a intensificar as vossas orações por esta intenção, para que até aquilo que nos
parece impuro – a água das tinas –, aquilo que nos escandaliza ou nos assusta,
Deus o possa transformar em milagre, fazendo-o passar através da sua “hora” [o
Papa explicou que a “hora” de Jesus se referia à sua Paixão]. A família tem
hoje necessidade deste milagre».
Outro ponto importante da
mensagem do Papa Francisco é que quer milagres, milagres a sério. Não se
contenta com falsas soluções, aposta no milagre completo. A embrulhada já não
tem remédio? Está tudo perdido? Pelo contrário, tudo se recompõe! O Papa acredita
em milagres, quer uma coisa verdadeiramente divina, que nos vai chegar pelas
mãos de Maria.
«Toda esta história começou
porque “não tinham vinho” e tudo se resolveu porque uma mulher – Nossa Senhora
– esteve atenta, soube deixar as suas preocupações nas mãos de Deus e actuou
com sensatez e coragem».
O caminho de reconciliação que
Deus nos aponta pode parecer áspero, na direcção oposta à felicidade. Mas não,
o milagre acontece:
«O vinho melhor está para vir,
para aqueles que hoje vêem tudo a derrubar-se. Segredem aos ouvidos, até
acreditarem: o melhor vinho está para vir. Sussurre-o, cada um no seu coração:
o vinho melhor está para vir. Digam aos desesperados e àqueles com pouco amor:
tenham paciência, tenham esperança, façam como Maria, rezem, trabalhem, abram o
coração, porque vai chegar o melhor dos vinhos. Deus abeira-Se sempre das
periferias daqueles que ficaram sem vinho, daqueles que só têm desencorajamento
para beber; Jesus tem predilecção por oferecer o melhor dos vinhos àqueles que,
por uma razão ou por outra, sentem que já partiram todas as ânforas».
Por algum motivo o Papa insiste tanto na oração.
José Maria C.S. André
«Correio dos Açores», «Verdadeiro Olhar», «ABC Portuguese Canadian Newspaper», «Spe Deus»
02-VIII-2015
02-VIII-2015