O Papa é uma dessas figuras que "fascinam qualquer pessoa", por defender as suas posições de modo convincente (Horst Opaschowski, sociólogo)
Colónia. "Somos Papa!" foi com este cabeçalho em grandes letras que o jornal mais sensacionalista da Alemanha celebrava, a 20 de Abril de 2005, a eleição no dia anterior do cardeal Joseph Ratzinger como Papa. Uma feliz ideia, que depressa passou a fazer parte dos livros de jornalismo.
Nos quase cinco anos e meio que decorreram desde a sua elevação à cátedra de Pedro, a euforia com que foi recebida a eleição de Bento XVI deu lugar a velhos ressentimentos, prevenções e preconceitos. De tal modo que uma das iniciativas contra a próxima viagem do Papa à Alemanha, de 22 a 25 de Setembro, tem por título "Não somos Papa".
Um dos momentos mais esperados da visita é o discurso do Papa no Bundestag
Esta plataforma tornou público um comunicado: "O Papa devia aprender de uma vez por todas que a maioria dos católicos e católicas da Alemanha apoia as reformas desde há muito consideradas necessárias: redução das estruturas autocráticas, abolição do celibato obrigatório, acesso das mulheres a todos os cargos eclesiásticos, comunhão eucarística em conjunto com outras confissões e admitindo divorciados que tenham contraído novas núpcias, evolução no campo da doutrina sexual e fim da discriminação dos homossexuais". E assim se repete pela enésima vez um catálogo de reivindicações já constantes, por exemplo, de um "Memorandum" assinado em Fevereiro de 2011 por cerca de 300 teólogos e teólogas, ao qual evidentemente se reporta a plataforma "Não somos Papa".
Que reformas?
O que o documento da plataforma não refere é a resposta que a 19 de Fevereiro deu o presidente da Conferência Episcopal, arcebispo Robert Zollitsch, num artigo publicado no diário Die Welt: "Com todo o respeito para com os teólogos, será que alguém pensa realmente que, levando à prática as reformas reivindicadas, se chegaria na Igreja ao desejado florescimento da fé? O diálogo desejado por todos os bispos refere-se a uma reflexão séria sobre o modo de responder de modo que se entenda à questão de Deus nas circunstâncias das nossas vidas, numa época moderna ou pós moderna. Trata-se também de como exteriorizar convincentemente a fé cristã tanto na oração e na liturgia como no testemunho prático mediante obras de caridade e solidariedade. Para tal, precisa-se de mais do que de algumas reformas na Igreja."
Todas estas "iniciativas" não deixam lugar a dúvidas: em vésperas da visita do Papa ao seu país natal, as divisões entre os católicos da Alemanha não dizem apenas respeito a questões periféricas; trata-se da própria essência da sacramentalidade da Igreja, pois existem - como na época da Reforma - diferenças fundamentais sobre o que se entende como sacramentos da Eucaristia e do sacerdócio. Por esta razão, os bispos alemães convidaram cerca de 300 católicos, leigos e religiosos, para reflectirem juntos sobre a fé e o futuro da Igreja católica, marcando um encontro anual durante cinco anos; a primeira realizou-se a 8 e 9 de Julho em Mannheim. Se bem que entre os participantes no dito diálogo não tenham faltado vozes que criticavam o ênfase excessivo em questões estruturais, de distribuição de poder no seio da Igreja e de moral sexual, o Papa mostrou profundo interesse por neste processo que poderia, em sua opinião, constituir um forte impulso para o futuro da Igreja. O Papa sublinhou ainda que se devia estabelecer uma ligação com o 50º aniversário do concílio Vaticano II.
Autenticidade: a marca de Bento XVI
Também o lema da viagem papal se refere ao futuro da Igreja: "Wo Gott ist, da ist die Zukunft" ("Onde está Deus, há futuro"). Face a todos os grupos que protestam contra esta visita do Papa, os fiéis responderam maioritariamente: para a missa de Freiburg inscreveram-se - só se pode participar solicitando uma entrada antecipadamente - mais de 100.000 pessoas; no total, calcula-se que cerca de 260.000 pessoas irão assistir às três missas que Bento XVI vai celebrar durante esta sua terceira viagem à Alemanha: para além da já referida em Freiburg, no Domingo, 24 de Setembro, a do estádio olímpico de Berlim (Quinta-feira, 22) e em Erfurt (Sábado, 24). Na vigília com os jovens, que terá lugar no Sábado à tarde em Freiburg, estão inscritas já 23.000 pessoas; a União da Juventude Católica (BDKJ) mostra o seu interesse num comunicado: "Muitos jovens católicos consideram o Papa Bento uma pessoa autêntica". Claro que, embora a BDKJ também se refira às "reformas esperadas por muitos", é significativo que refiram que os jovens "estimam o Papa pela sua credibilidade". É precisamente a credibilidade - na opinião de um observador independente, o sociólogo especializado em futurologia Horst W. Opaschowski, que goza na Alemanha de grande prestígio - o traço mais referido na construção de um perfil de Bento XVI: "Durante a sua visita à Alemanha, o Papa irá ganhar as pessoas com a sua imagem de autenticidade"; o Papa é uma dessas figuras que "fascinam as pessoas" por defender as suas posições de modo convincente:"A personalidade carismática do Papa tem um efeito muito positivo, que muitos políticos desejariam possuir".
A essa "pregação sem disfarces" se referia também o cardeal Meisner de Colónia, numa entrevista concedida à agência católica de notícias KNA: o Papa irá pregar a verdade e a beleza do Evangelho, pois é esse o seu dom especial. Meisner referiu-se igualmente ao encontro com protestantes em Erfurt. Um artigo de Arnd Brummer, redactor-chefe da revista Chrismon - financiada pelo conselho da Igreja Evangélica alemã - provocou há algumas semanas algum alvoroço pela sua crítica invulgarmente acerba à Igreja católica. No entanto, o presidente do conselho, Nikolaus Schneider, distanciou-se do referido artigo, por considerar que "supõe pouca ajuda" ao diálogo.
O mais esperado: o discurso no Bundestag
O cardeal Meisner, no entanto, espera uma "melhoria do clima" entre as diferentes confissões; mas também se referiu ao facto de o Papa dever dizer aos protestantes para "não seguirem o espírito dos tempos" e serem mais fiéis à doutrina cristã em relação a questões éticas de actualidade como o aborto, o diagnóstico pré-implantatório ou as relações homossexuais.
Um dos momentos mais esperados desta viagem do Papa terá lugar no primeiro dia: Bento XVI visitará na 5ª-feira de tarde o parlamento alemão. Se bem que alguns deputados tenham feito saber que não assistiriam em sinal de protesto, não devemos esquecer - como recentemente fez numa entrevista Hans-Jochen Vogel, ex-presidente do partido social democrata SPD- que "todos os grupos parlamentares aceitaram o convite".
O presidente do Bundestag, Norbert Lammert, sublinhou o "significado histórico" da visita: "Em todos os grupos parlamentares existe um amplo consenso sobre ser esta uma ocasião praticamente irrepetível de cumprimentar um Papa alemão na capital da Alemanha, uma ocasião que deveria estar acompanhada por um convite para fazer um discurso ao Bundestag".
Bento XVI terá igualmente uma reunião com o tribunal constitucional, não estando, no entanto, previsto nenhum discurso.
Exposição de obras de Rafael
Para comemorar a viagem papal, Bento XVI autorizou o envio a Dresden de uma obra prima de Rafael, que nunca anteriormente tinha saído dos Museus do Vaticano: a Virgem de Foligno. Juntamente com a ainda mais famosa Virgem Sistina, que se conserva em Dresden desde meados do século XVIII, as duas pinturas de Rafael são o coração de uma mostra preparada nesta cidade alemã - próxima de Berlim e conhecida por "Florença do Elba" - com o título: "Esplendor celeste. Rafael, Dürer e Grünewald pintam a Virgem". A exposição estará aberta ao público até Janeiro de 2012.
Diminui o número de católicos
O ano de 2010 saldou-se na Alemanha por um aumento sem precedentes do número de baixas na Igreja: 181.193 pessoas declararam que a deixavam, cerca de 47% mais que em 2009. Foi a primeira vez que superaram o número de baptismos, que foi de 170.339. Se tivermos em conta os aproximadamente 283.000 falecimentos, a percentagem de católicos da população alemã desceu em 2010 para 30,2% dos 81 milhões de habitantes. Mesmo assim continua a ser a confissão mais numerosa, contando com 24,65 milhões de crentes, face aos quase 24,2 milhões de evangélicos.
Na capital, Berlim, os católicos encontram-se no entanto em franca minoria: segundo os dados oficiais de 2009, são apenas 9,34% dos seus 3,43 milhões de habitantes, face a 19,35% de evangélicos e cerca de 7,25% de muçulmanos. A grande maioria é no entanto constituída por pessoas "sem confissão": mais de 63%.
Por detrás destas estatísticas, e em particular por detrás do elevado número de baixas na Igreja católica, esconde-se a reacção aos casos de abusos sexuais por parte de clérigos que, embora na sua grande maioria tenham tido lugar décadas atrás, vieram a lume durante o ano passado. Embora tanto os bispos alemães como Bento XVI, tenham reagido com rapidez (num comentário redigido para o diário Die Welt de 18 de Março, o arcebispo Robert Zollitsch, presidente da Conferência Episcopal Alemã, chegou a perguntar retoricamente: "Que mais querem que o Papa diga?"), o impacto mediático foi enorme.
José M. García Pelegrín
Aceprensa
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