O Evangelho de João refere apenas dois momentos em que a vida de Jesus cruza a de sua Mãe: as bodas de Caná (cf. 2, 1-12) e o texto que acabamos de ler, ou seja, Maria aos pés da cruz (cf. 19, 25-27). Parece que o evangelista tenha interesse em mostrar-nos a Mãe de Jesus nestas situações de vida aparentemente opostas: a alegria de um matrimónio e o sofrimento pela morte dum filho. Enquanto penetramos no mistério da Palavra, Ela mostra-nos qual é a Boa Nova que, hoje, o Senhor quer partilhar connosco.
A primeira coisa que o evangelista ressalta é que Maria está firmemente «de pé» junto de seu Filho. Não se trata dum modo descontraído de estar, nem evasivo e, menos ainda, pusilânime. Está, com firmeza, «cravada» aos pés da cruz, expressando com a posição do seu corpo que nada e ninguém poderia movê-La daquele lugar. É assim que Maria Se mostra em primeiro lugar: junto daqueles que sofrem, daqueles de quem todo o mundo foge, nomeadamente os que são julgados, condenados por todos, deportados. Não se trata apenas de oprimidos ou explorados, mas estão diretamente «fora do sistema», à margem da sociedade (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 53). Juntamente com eles, está também a Mãe, cravada nesta cruz da incompreensão e do sofrimento.
Maria mostra-nos também o modo como estar junto destas realidades; não é dar um passeio ou fazer uma breve visita, nem se trata sequer de «turismo solidário». É necessário que aqueles que padecem uma realidade dolorosa nos sintam a seu lado e da sua parte, de maneira firme, estável; todos os descartados da sociedade podem experimentar esta Mãe delicadamente próxima, porque, naqueles que sofrem, permanecem as chagas abertas do seu Filho Jesus. Ela aprendeu-o ao pé da cruz. Também nós somos chamados a «tocar» o sofrimento dos outros. Saiamos ao encontro do nosso povo para o consolar e fazer-lhe companhia; não tenhamos medo de experimentar a força da ternura e de nos envolvermos vendo a nossa vida complicada pelos outros (cf. ibid., 270). E, como Maria, permaneçamos firmes e de pé: com o coração voltado para Deus e corajosos, levantando os que caíram, erguendo o humilhado, ajudando a pôr fim a toda e qualquer situação de opressão que os faz viver como crucificados.
Maria é convidada por Jesus a aceitar o discípulo amado como seu filho. O texto refere que estavam juntos, mas Jesus dá-se conta de que isto não é suficiente, porque não se acolheram reciprocamente. De facto, é possível estar junto de muitíssimas pessoas, pode-se até compartilhar a mesma casa, bairro ou trabalho; pode-se compartilhar a fé, contemplar e desfrutar os mesmos mistérios, mas sem acolher, nem praticar uma aceitação amorosa do outro. Quantos esposos poderiam contar a história de estar próximos, mas não juntos! Quantos jovens sentem dolorosamente esta distância dos adultos! Quantos idosos se sentem friamente tratados, mas não carinhosamente cuidados e acolhidos!
É verdade ue, às vezes, a abertura aos outros nos fez muito mal. E também é verdade que, nas nossas realidades políticas, a história do choque entre os povos permanece ainda dolorosamente viva. Maria mostra-Se como mulher aberta ao perdão, que põe de lado ressentimentos e difidências; renuncia a lamentar-se como tudo «poderia ter andado» diversamente, se os amigos de seu Filho, os sacerdotes do seu povo ou os governantes se tivessem comportado de outra maneira; não Se deixa vencer pela frustração nem pela impotência. Maria crê em Jesus e acolhe o discípulo, porque as relações que nos curam e libertam são aquelas que nos abrem ao encontro e à fraternidade com os outros, porque, no outro, descobrem o próprio Deus (cf. ibid., 92). Dom Sloskans que repousa aqui, tendo sido preso e enviado para longe, escrevia a seus pais: «Peço-vos do fundo do meu coração que não deixeis que a vingança ou a irritação abram caminho no vosso coração. Se o permitíssemos, não seríamos cristãos verdadeiros, mas fanáticos». Num período em que parecem voltar mentalidades que nos convidam a desconfiar dos outros, que querem demonstrar-nos com estatísticas que estaremos melhor, teremos mais prosperidade, haveria mais segurança se estivéssemos sozinhos, Maria e os discípulos destas terras convidam-nos a acolher, a apostar de novo no irmão, na fraternidade universal.
Mas, Maria mostra-Se também como a mulher que se deixa acolher, que aceita humildemente fazer parte das coisas do discípulo. Naquele matrimónio que ficara sem vinho, com o perigo de acabar cheio de ritos, mas árido de amor e alegria, foi Ela quem ordenou que fizessem o que Ele lhes dissesse (cf. Jo 2, 5). Agora Ela, como discípula obediente, deixa-Se acolher, transfere-Se, adapta-Se ao ritmo do mais novo. A harmonia custa sempre, quando somos diferentes, quando os anos, as histórias e as circunstâncias nos situam em modos de sentir, pensar e fazer que, à primeira vista, parecem opostos. Quando ouvimos, com fé, a ordem de acolher e ser acolhidos, é possível construir a unidade na diversidade, porque não nos travam nem dividem as diferenças, mas somos capazes de olhar mais além, ver os outros na sua dignidade mais profunda, como filhos de um e mesmo Pai (cf. Exort. ap. Evangelii gaudium, 228).
Nesta, como em cada Eucaristia, fazemos memória daquele dia. Aos pés da cruz, Maria lembra-nos a alegria de termos sido reconhecidos como seus filhos, e seu Filho Jesus convida-nos a levá-La para casa, a colocá-La no centro da nossa vida. Ela quer dar-nos a sua coragem para permanecermos firmes de pé; a sua humildade, que Lhe permite adaptar-Se às coordenadas de cada momento da história; e clama neste santuário por que todos nos comprometamos a acolher-nos sem discriminações, e todos, na Letónia, saibam que estamos dispostos a privilegiar os mais pobres, a levantar aqueles que caíram e a acolher os outros à medida que chegam e se apresentam diante de nós.