Queridos irmãos e irmãs!
Quero dar graças a Deus por estar hoje nesta terra de Chiapas. É bom estar neste solo, é bom estar nesta terra, é bom estar neste lugar que, graças a vós, tem sabor de família, de lar. Dou graças a Deus pelos vossos rostos e pela vossa presença; agradeço a Deus pelo palpitar da sua presença nas vossas famílias. Obrigado também a vós, famílias e amigos, que nos oferecestes o vosso testemunho, abristes-nos as portas das vossas casas e das vossas vidas; permitistes-nos sentar à vossa «mesa» onde partilhais o pão que vos alimenta e o suor perante as dificuldades diárias: o pão das alegrias, da esperança, dos sonhos, e o suor perante as amarguras, as decepções e as quedas. Obrigado por nos terdes permitido entrar nas vossas famílias, sentar à vossa mesa, conhecer o vosso lar.
Manuel, obrigado pelo teu testemunho e sobretudo pelo teu exemplo. Impressionou-me a expressão – «encher-se de vontade» – que usaste para descrever a atitude assumida depois de teres falado com os teus pais. Começaste a encher-te de vontade para a vida, encher de vontade a tua família, encher de vontade os teus amigos e encheste-nos de vontade a todos nós aqui reunidos. Acho que isto é o que o Espírito Santo quer fazer sempre no meio de nós: encher-nos de vontade, dar-nos motivos para continuar a apostar, sonhar e construir uma vida com sabor a casa, a família.
E isto é o que Deus Pai sempre sonhou e, por isto, lutou desde os tempos antigos. Naquela tarde, quando tudo parecia perdido no jardim do Éden, Deus Pai encheu de vontade aquele jovem casal e mostrou-lhes que nem tudo estava perdido. Quando o povo de Israel sentia que não podia resistir mais na travessia do deserto, Deus Pai incitou-o a encher-se de vontade com o maná. Quando chegou a plenitude dos tempos, Deus Pai encheu de vontade a humanidade para sempre dando-nos o seu Filho.
Da mesma forma, todos nós aqui presentes experimentamos, muitas vezes e de variados modos, que Deus Pai encheu de vontade a nossa vida. Mas porquê? – podemos perguntar-nos. Porque não pode proceder diversamente. É capaz de encher-nos de vontade, porquê? Porque o seu nome é amor, o seu nome é dom gratuito, o seu nome é dedicação, o seu nome é misericórdia. Tudo isto no-lo deu a conhecer, em toda a sua força e clareza, no seu Filho Jesus, que gastou a sua vida até à morte para tornar possível o Reino de Deus; um Reino que nos convida a participar naquela lógica nova que põe em movimento uma dinâmica capaz de abrir os céus, capaz de abrir os nossos corações, as nossas mentes, as nossas mãos, desafiando-nos para novos horizontes; um Reino que tem sabor de família, que tem sabor de vida partilhada. Este Reino, em Jesus e com Jesus, é possível; é capaz de transformar em vinho de festa as nossas perspectivas, atitudes e sentimentos frequentemente anaguados; é capaz de curar os nossos corações, convidando-nos repetidamente – chegando a setenta vezes sete – a recomeçar; é sempre capaz de fazer novas todas as coisas.
Pediste-me, Manuel, para rezar por tantos adolescentes que vivem desanimados e atravessam momentos difíceis; adolescentes sem audácia, sem força, nem vontade. E muitas vezes, como disseste justamente, assumem este comportamento porque se sentem sozinhos, não têm ninguém com quem conversar. Isto fez-me lembrar o testemunho que nos deu Beatriz. Se não me engano, Beatriz, dissestes-nos: «A luta sempre foi difícil por causa da precariedade e da solidão». Pode-nos desesperar a precariedade, a escassez, ver-se privado muitas vezes do mínimo indispensável; pode fazer-nos sentir uma forte ansiedade, por não sabermos o que fazer para continuar… e mais ainda, quando há filhos para criar. A precariedade ameaça não só o estômago (e isto é já muito!), mas pode ameaçar também a alma, pode desmotivar-nos, tirar-nos a força e tentar-nos para caminhos ou alternativas com solução só aparente que, no fim de contas, não resolve nada. Há uma precariedade que pode ser muito perigosa, pode insinuar-se em nós sem nos darmos conta: é a precariedade que nasce da solidão e do isolamento; e o isolamento é sempre um mau conselheiro.
Sem vos dardes conta, Beatriz e Manuel, usastes ambos a mesma expressão; ambos nos mostrastes como muitas vezes a maior tentação que nos assalta é a de nos fecharmos em nós mesmos mas esta atitude, longe de encher-nos de vontade, acaba, como a traça, por nos deixar a alma deserta.
O combate contra esta precariedade e isolamento, que nos tornam vulneráveis a muitas soluções aparentes, deve concretizar-se sob distintas formas e a diferentes níveis. Uma das formas é por meio de leis que protejam e garantam o mínimo necessário para cada família e cada pessoa poderem crescer através do estudo e dum trabalho digno. A outra forma é o compromisso pessoal, como sublinharam os testemunhos de Humberto e Cláudia, quando nos disseram que estavam a procurar transmitir-nos o amor de Deus que experimentaram no serviço e assistência aos outros. Leis e compromisso pessoal são um binómio muito útil para romper a espiral de precariedade.
Hoje vemos e experimentamos, em várias frentes, como a família está a ser fragilizada e posta em discussão. Julgando-a um modelo já ultrapassado e sem lugar nas nossas sociedades, a pretexto de modernidade favorece-se cada vez mais um sistema baseado no modelo do isolamento.
Sem dúvida, viver em família não é sempre fácil e, muitas vezes, é doloroso e árduo. Contudo, como disse já mais de uma vez (referindo-me à Igreja, mas penso que se possa aplicar também à família), prefiro uma família ferida que cada dia procura harmonizar o amor, a uma sociedade enfermiça pelo confinamento e a comodidade do medo de amar. Prefiro uma família que procura uma vez e outra recomeçar a uma sociedade narcisista e obcecada com o luxo e o conforto. Prefiro uma família com o rosto cansado pelos sacrifícios aos rostos embelezados que não se entendem de ternura e compaixão.
Pediram-me para rezar por vós e quero começar a fazê-lo agora mesmo, juntamente convosco. Vós, queridos mexicanos, partis avantajados, tendes um “extra”: tendes a Mãe, Nossa Senhora de Guadalupe, que quis visitar estas terras e isto dá-nos a certeza de que, através da sua intercessão, este sonho chamado família não será derrotado pela precariedade e a solidão. Ela está pronta a defender sempre as nossas famílias, o nosso futuro, está sempre pronta a «encher-nos de vontade», dando-nos o seu Filho. Por isso, convido-vos a darmo-nos as mãos e a dizermos todos juntos: «Ave-Maria...»