“O Senhor não abandona a sua Igreja mesmo quando o navio está tão inundado que quase se afunda”, escreveu o Papa emérito numa mensagem que foi lida em Colónia, este sábado
Bento xvi, Papa emérito da Igreja Católica, não tem por hábito aparecer. Na verdade, este fim de semana nem teve que o fazer. Sábado, na missa do funeral do cardeal Joachim Meisner, celebrada na Catedral de Colónia, foi lida uma mensagem de Bento xvi e os corredores da Cúria Romana mexeram.
Não viajando para a Alemanha devido à idade já avançada, o seu secretário, o arcebispo Georg Gänswein, proclamou a mensagem no referido funeral.
Bento xvi, de 90 anos, não costuma surgir ou fazer-se ouvir publicamente, excetuando em ocasiões especiais, como aniversários de ordenação de sacerdotes seus próximos ou cerimónias distintas e, preferencialmente, recatadas.
É assim desde que renunciou ao papado, dando lugar à eleição de Jorge Bergoglio, que tomou o nome de Francisco como Santo Padre. E a frase que fez disparar as campainhas em Roma terá já certamente chegado ao Papa argentino.
Elogiando o percurso de vida de Meisner, o cardeal defunto, Bento xvi afirmou: “Aquilo que mais me impressionou foi que, no período final da sua vida, aprendeu a deixar-se estar e a viver cada vez mais na crença de que o Senhor não abandona a sua Igreja, mesmo quando o navio está tão inundado que quase se afunda.”
Escândalos, inundações e gotas de água Recentemente, a Igreja foi assolada por novos escândalos sexuais quando George Pell, terceira figura mais importante no Vaticano, com a pasta da Economia, foi acusado de abusos sexuais na Austrália.
Uma semana depois, a polícia italiana irromperia num apartamento da Congregação da Doutrina da Fé – em tempos dirigida por Bento xvi, enquanto ainda cardeal Ratzinger –, dando de caras com uma orgia homossexual.
O apartamento, onde também foram encontradas drogas, pertence ao secretário pessoal do cardeal Francesco Coccopalmerio, que é um dos principais conselheiros do Papa Francisco. Se a inundação do navio era alegórica, entende--se. Uma gota de água bem pesada para fazer transbordar o habitualmente discreto copo do Papa emérito.
“A catedral deve ter ficado muda. O Papa emérito podia estar a falar de si próprio”, evidencia um vaticanista escutado pelo i. Na véspera do falecimento de Joachim Meisner, Bento xvi conversara com o compatriota ao telefone.
“O que me tocou particularmente nas nossas últimas conversas foi a sua alegria natural, a sua paz interior e a tranquilidade que havia encontrado”, começou o Papa emérito. “Sabemos que foi difícil para ele, um pastor apaixonado, abandonar o seu cargo, precisamente numa altura em que a Igreja tanto precisa de pastores que se oponham à ditadura do Zeitgeist (espírito da época) e estejam totalmente comprometidos a pensar e agir de acordo com a fé”, descreveu também. E o paralelismo regressa ao mesmo sentido.
“Quando, na sua última manhã, o cardeal Meisner não apareceu para a missa, foi encontrado morto no seu quarto. O breviário havia escorregado das suas mãos. Morreu enquanto rezava, com o rosto em Deus, em diálogo com Deus. A arte de partir, que lhe ali foi dada, demonstrava novamente como ele viveu: com o rosto em Deus e em diálogo com ele.” Depois, a catedral rezou pelo cardeal. Gänswein, que lia a mensagem de Bento xvi, chorava.
Cordial com Francisco
A relação entre Joseph Ratzinger – o Papa emérito Bento xvi – e o Papa Francisco tem sido marcada por respeito público e solidariedade. Os Papas de Roma já foram vistos a rezar juntos e Bento xvi retira sempre o solidéu – pequeno chapéu que é branco no caso dos Papas e vermelho para os cardeais – quando na presença do homem que lhe sucedeu à frente do Vaticano, há quatro anos.
O cardeal Joachim Meisner fora nomeado padre sinodal para a assembleia-geral do Sínodo dos Bispos em 2012, pelo ainda Papa Bento, e renunciara ao seu cargo na arquidiocese de Colónia em 2014, já com o Papa Francisco.
Sebastião Bugalho in 'i' online AQUI