Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 28 de julho de 2021

A Encíclica escandalosa

A Igreja comemorou nestes dias (2018) os 50 anos da Encíclica «Humanae Vitae», publicada a 25 de Julho de 1968 pelo Papa Paulo VI. O desastre que se seguiu estava anunciado, ninguém tinha ilusões, muito menos o Papa.

Paulo VI publicara Encíclicas ao ritmo de mais de uma por ano, desde o início do pontificado: «Ecclesiam Suam» (1964), «Mense Maio» e «Mysterium Fidei» (1965), «Christi Matri Rosarii» (1966), «Populorum Progressio» e «Sacerdotalis Caelibatus» (1967), até à «Humanae Vitae» (25 de Julho de 1968). A partir desse momento, a contestação e a crise foram de tal ordem, que Paulo VI não voltou a publicar nenhuma outra Encíclica até ao fim do pontificado, 10 anos depois.

É normal os Papas pedirem ajuda para a redacção das Encíclicas, aproveitando livremente os contributos que lhes chegam. No final, trata-se de um documento papal e não importa quem sugeriu esta ou aquela frase, nem é costume os colaboradores darem-se a conhecer. No caso da «Humanae vitae», foi bem diferente: em vez de ajuda, Paulo VI recebeu traições.

O fogo de barragem da comunicação social assustou muitos e mostrou como a voz da Igreja era pequenina face ao poder dos seus opositores. Pior ainda, um grande número de padres e de bispos não entenderam o que estava em causa. Aparentemente, a biologia, a bioquímica prometiam à humanidade novos caminhos de felicidade, mais cómodos e seguros. Quem os poderia rejeitar?

Paulo VI não se deixou enganar: «a sociedade tecnológica consegue multiplicar as ocasiões de prazer, mas tem grande dificuldade em gerar alegria» («Gaudete in Domino», 1975). A indústria química fabricava prazer, mas estava a vendê-lo com publicidade enganosa. «Porque a alegria tem outra origem. É espiritual. O dinheiro, o conforto, a higiene, a segurança material não faltam com frequência; contudo o tédio, a aflição, a tristeza formam infelizmente parte da vida de muitos. Atinge-se às vezes a angústia e o desespero, que nem a aparente despreocupação nem o frenesim do gozo presente ou os paraísos artificiais conseguem evitar» (ibid.).

Paulo VI não tinha ilusões, como escreveu na própria introdução: «É de prever que estes ensinamentos não sejam acolhidos facilmente por todos». E comenta que sempre foi assim na história da Igreja, que é, «à semelhança do seu divino Fundador, “sinal de contradição”», como dizia o profeta Simeão no Evangelho. Só que, desta vez, Paulo VI sabia que ia ser muito mais grave que habitualmente.

A razão para, apesar disso, afrontar a opinião dominante num ponto tão sensível foi simultaneamente clarividência e generosidade. Como ele próprio escreveu na Encíclica, «ao defender a moral conjugal na sua integridade, a Igreja sabe que está a contribuir para a instauração de uma civilização verdadeiramente humana; ela compromete o homem para que este não abdique da própria responsabilidade, para se submeter aos meios da técnica; mais, ela defende com isso a dignidade dos cônjuges».

Aos poucos, a Igreja e sociedade começaram a compreender o mal profundo que os métodos anticonceptivos causam ao amor. A diferença, que alguns tardaram em captar, entre os métodos anticonceptivos e uma vida de casal que tem em conta os períodos inférteis não está em opor métodos «artificiais» e métodos «naturais». Paulo VI era declaradamente a favor dos benefícios da técnica e dos progressos dos medicamentos e dos aparelhos artificiais. O oposto de «natural» é «antinatural»; em princípio, o «artificial» corresponde à natureza racional do homem; o perigo está no que é «antinatural».

Paulo VI percebeu que a sua missão de Papa o obrigava a avisar o mundo da diferença entre os métodos anticonceptivos, que são antinaturais por contradizerem o amor, e o sentido de oportunidade, que faz parte do amor. Muitos, só passados 50 anos começaram a perceber a diferença.

Quase isolado, Paulo VI teve a generosidade de cumprir, mesmo com grande sacrifício, o seu próprio lema de Papa: «In nomine Domini» – em nome do Senhor. E, contra os ventos da época, foi fiel a Deus e aos homens.

Foi a generosidade de Paulo VI (e o milagre realizado por sua intercessão) que levou Francisco a decidir canonizá-lo no próximo dia 14 de Outubro de 2018, em Roma.

José Maria C.S. André
28-VII-2018
Spe Deus

terça-feira, 27 de julho de 2021

Não hesitar em corrigir

«Se descobres algum defeito no amigo, corrige-o a sós: se não te escuta repreende-o abertamente. As correcções, com efeito, fazem bem e são de mais proveito que uma amizade muda».

(Santo Ambrósio - De officiis ministrorum, III, cap. XII, 127)


A correção fraterna nem sempre é fácil de concretizar, pois frequentemente corremos, entre outros, o risco da incompreensão ou de ofendermos quem amamos, mas a nossa obrigação perante Deus e a nossa consciência cristã, deverá levar-nos a pedir-Lhe ajuda para encontrarmos as palavras exactas e estarmos seguros que o fazemos por Ele e não por qualquer ato de soberba para com o próximo.

JPR

sexta-feira, 23 de julho de 2021

A Teresa

Numa fotografia dos finalistas
do colégio, com os seus olhos
turquesa e doces, mais aptos
a perscrutar o mundo interior
que o exterior.
Este texto sintetiza o artigo «Obrigada, Teresa» publicado pela Maria Zarco na coluna «Vai um Gin do Peter’s?» do blogue «Adeus até ao meu Regresso» (https://adeus-ate-ao-meu-regresso.blogspot.com/2021/07/vai-um-gin-do-peters_075102758.html).


Meses antes de concluir os estudos liceais, a Teresa foi convidada a falar aos colegas da sua experiência com uma síndrome diagnosticada aos 3 anos de idade, que lhe retira quase toda a visão e se agrava em crises cíclicas, irreversíveis. Antes de transcrever alguns apontamentos do testemunho da Teresa na «Assembleia do seu Liceu», vale a pena dar o contexto.


Apesar da parca visão, aquela «teenager», gira e despachada, não se priva de levar um dia-a-dia animado, próprio dos 18 anos. Monta a cavalo, emprestado pela GNR; sai-se bastante bem no «sky», com a ajuda do guia que a orienta nas pistas; diverte-se com os amigos e tem por disciplina preferida a educação física. Diz a mãe, com humor e lealdade, que a proeza desportiva se deve ao desvelo dos professores, que sempre lhe garantiram as condições de segurança para fazer ginástica sem riscos... e sem ver. Só a sentir. É também a sentir, cheia de precauções e truques, que consegue cumprir tarefas banais como descer escadas. Completou o liceu com notas razoáveis, sem nunca ter chumbado.


Na tal «Assembleia do Liceu», em Abril, a Teresa deu a conhecer um pouco da sua condição particular, com uma simplicidade tocante:


— «Quando o Professor José Feitor me deu a ideia de criar um “site”, (...) sugeri à Beatriz fazer sobre a minha doença, porque já sabia tudo e era só escrever.


Mas, enganei-me… Pergunto-me como é possível ter durante 15 anos uma doença e não saber quase nada acerca dela, a não ser o facto de não ver bem. (...) Em minha casa sempre fui habituada a ser tratada como uma pessoa normal e tenho sempre muita ajuda (...), por isso, nunca tive necessidade de pesquisar (...) acerca da “uveíte pars planitis anterior”.


(...) Uma das curiosidades que descobri enquanto estudava a doença é que ela atinge maioritariamente homens e pessoas acima dos 60 anos. Como podem verificar, isso não acontece comigo.



A “uveíte pars planitis anterior” é uma das doenças auto-imunes que está, normalmente, associada à arterite reumatóide. Está entre as 20 doenças raras do mundo.


Desde a descoberta da minha doença, que eu tomo medicamentos muito agressivos (...) e fui submetida a muitos tratamentos e experiências. Sublinho apenas os dois últimos, as duas injecções periódicas (...) que a minha mãe teve de aprender a dar. Eu não confiava em mais ninguém.


Esta doença foi-me diagnosticada aos 3 anos de idade. (...) Manifesta-se em “crises” e, de cada vez que há uma “crise,” há uma colagem da retina, de onde resulta uma perda de visão irreversível. A retina não volta a descolar. (...) Mas não é impedimento nem desculpa para não fazer, ou fazer mal, o que tenho para fazer. E muito menos, é um impedimento para ser feliz.


Se Deus permite que eu exista com esta doença é porque faço falta. E também por isso me deu a família que tenho e todos os amigos com quem me tenho cruzado.


Estou certa, até porque experimento isso, que há um desígnio bom nesta doença.


A maior parte de vocês já reparou que eu entro todos os dias no colégio com um “trambolho”, como diz a Professora Joana. Esse “trambolho” chama-se telelupa, que é só o Ferrari das lupas. Consegue focar a 1 km de distância. (...) Todos estes instrumentos, que me facilitam a vida quotidiana, mostram a velocidade a que os cientistas trabalham para servir pessoas como eu».


Não cabe neste resumo apertado toda a intervenção da Teresa nem os comentários interessantes da Maria Zarco. Ficam só as últimas palavras do artigo: «Muito obrigada Teresa por saberes ser quem és. Começa aí a tua excepcionalidade maravilhosa».

José Maria C.S. André

quinta-feira, 1 de julho de 2021

O "giro linguístico"

O fundamento para a renúncia inequívoca à verdade estriba no que hoje se denomina o "giro linguístico": não se poderia remontar para além da linguagem e das suas representações, a razão estaria condicionada pela linguagem e vinculada à linguagem. Já em 1901 F. Mauthner cunhou a seguinte frase: "O que se denomina pensamento é pura linguagem". M. Reiser comenta, neste contexto, o abandono da convicção de que com meios linguísticos se pode ascender ao que é supralingiiístico. O relevante exegeta protestante U. Luz afirma [...] que a crítica histórica abdicou na Idade Moderna da questão da verdade, e considera-se obrigado a aceitar e reconhecer como correta essa capitulação: agora já não haveria uma verdade a buscar para além do texto, mas apenas posições sobre a verdade que concorreriam entre si, ofertas de verdade que seria preciso defender com um discurso público no mercado das visões do mundo.

Quem medita sobre semelhantes modos de ver as coisas, perceberá que lhe vem quase que inevitavelmente à memória uma passagem profunda do Fedro de Platão. Nela, Sócrates conta a Fedro uma história ouvida dos antigos, que "tinham conhecimento do que é verdadeiro". Certa vez Thot, o "pai das letras" e o "deus do tempo", teria visitado o rei egípcio Thamus, de Tebas. Instruiu o soberano em diversas artes que havia inventado, e especialmente na arte de escrever que tinha concebido. Ponderando o seu próprio invento, disse ao rei: "Este conhecimento, ó rei, tornará os egípcios mais sábios e fortalecerá a sua memória; é o elixir da memória e da sabedoria". Mas o rei não se deixou impressionar. Previu o contrário como consequência do conhecimento da escrita:

"Este método produzirá esquecimento nas almas dos que o aprenderem porque descuidarão o exercício da memória, já que agora, fiando-se da escrita externa, recordarão apenas de uma maneira externa, não a partir do seu próprio interior e de si mesmos. Por conseguinte, tu inventaste um meio, não para recordar, mas para perceber, e transmites aos teus aprendizes apenas a representação da sabedoria, não a própria sabedoria. Pois agora são eruditos em muitas coisas, mas sem verdadeira instrução, e assim pensam ser entendidos em mil coisas quando na realidade não entendem nada, e são gente com quem é difícil tratar, pois não são verdadeiros sábios, mas sábios apenas na aparência".

Quem pensa no modo como hoje os programas de televisão do mundo inteiro inundam o homem com informações e o tornam assim "sábio na aparência"; quem pensa nas enormes possibilidades do computador e da Internet, que por exemplo permitem a quem consulta ter imediatamente à sua disposição todos os textos de um Padre da Igreja nos quais aparece uma palavra, sem no entanto ter compreendido o seu pensamento, esse não considerará exageradas as prevenções do rei. Platão não rejeita a escrita enquanto tal, como nós também não rejeitamos as novas possibilidades de informação, antes fazemos delas um uso agradecido; mas dá um sinal de alerta cuja seriedade se comprova diariamente pelas consequências do "giro linguístico", como também por muitas circunstâncias que nos são familiares a todos. H. Schade mostra o núcleo daquilo que Platão tem a dizer-nos hoje quando escreve: "É acerca do predomínio de um mero método filológico e da consequente perda da realidade que Platão nos previne".

Quando a escrita, o escrito, se converte em barreira que oculta o conteúdo, transforma-se numa anti-arte, que não torna o homem mais sábio, mas leva-o a extraviar-se numa sabedoria falsa e doente. Por isso, em face do "giro linguístico", A. Kreiner adverte com razão: "O abandono da convicção de que se pode remeter com meios linguísticos a conteúdos extralinguísticos equivale ao abandono de um discurso que de algum modo ainda estava cheio de sentido". E sobre esta mesma questão o Papa [João Paulo II] comenta na Encíclica [Fides et ratio]. "A interpretação desta Palavra (a de Deus) não pode levar-nos de interpretação em interpretação, sem nunca chegarmos a descobrir uma afirmação simplesmente verdadeira". O homem não está aprisionado na sala de espelhos das interpretações; pode e deve buscar o acesso ao real, que está além das palavras e se lhe revela nas palavras e através delas.

(Cardeal Joseph Ratzinger in ‘Fe, verdade y cultura’)

Maioria e valores

É importante ter consciência de que a maioria, enquanto maioria, não exprime necessariamente os valores fundamentais. Pensemos, por exemplo, no consenso universal que se formou nos começos da era moderna quanto à escravidão dos africanos: uma época inteira pode estar cega com relação aos valores fundamentais. O critério da maioria nunca é suficiente para definir um valor moral.

O problema moral fundamental, tal como a Sagrada Escritura o propõe e o formulamos no Pai-Nosso, é cumprir a vontade de Deus. Mas conhecer esta vontade, vê-la na sua profundidade, só é possível com um olhar amplo que abranja toda a evolução histórica, porque nascem novos problemas a que só podemos responder, com uma consciência mais plena da vontade de Deus, se conhecermos a realidade e se tivermos em conta as experiências concretas da fé. Pensemos nos três grandes desafios da época actual – a ética política, a ética económica e a bioética -, e veremos que, por um lado, precisamos conhecer a matéria, os problemas como tais em toda a sua complexidade; e, por outro, necessitamos do senso moral que traduz a vontade de Deus [...] em normas concretas. É aqui que se dá o diálogo da fé, a busca comum para entender a vontade de Deus num contexto determinado.

(Cardeal Joseph Ratzinger in ‘Sobre algunos aspectos de la teologia moral’)