Não vou discutir, nem tenho elementos, se a decisão de entregar uma criança deficiente à guarda de um casal gay foi justa ou não. Quero, apenas, colocar uma questão que reputo importante para a vida de todos, independentemente da orientação sexual: um juiz pode escolher o melhor projeto de vida para uma criança? É que me parece que essa perspetiva também esteve na origem da decisão.
À primeira vista, se determinada pessoa tem um bom projeto de vida para uma criança, melhor do que outra, parece fazer sentido escolhê-la como tutora. Mas podemos entendermo-nos sobre o que é o bem? Vários filósofos, ao longo da história, acham que não. Que é mais fácil socialmente determinarmos o mal do que o bem. Façam este exercício: perguntem para quem não será um mal a doença, a fome, a miséria, o roubo, o assassínio. E agora tentem fazer o mesmo exercício em relação ao bem. É muito mais difícil.
Por isso, os tribunais apenas deveriam pronunciar-se sobre aspetos concretos. De outro modo, qualquer pessoa rica ou bem na vida tem projetos melhores do que pessoas pobres e com fraca educação e cultura. Aos tribunais cabe dizer: esta determinada criança está a ser maltratada, pelo que deverá ser dada à guarda de outras pessoas (se um casal gay ou não já é outra discussão). E nunca em função de um projeto de vida. Imaginem que os juízes passam a avaliar os projetos de vida que cada um tem para os filhos... O que significa isso? Que os filhos dos ciganos ou de outras minorias não podem viver com os pais? Eu sei que o caso concreto não era esse, peço, uma vez mais, que pensem no geral e não no concreto, como deve fazer a justiça, que nunca é ad hominem.
Uma nota final para dizer uma coisa que nada tem a ver, mas que me parece relevante: um juiz que já tomou posição pública numa polémica deve aceitar julgar um caso que está relacionado com essa polémica. Podemos confiar que o seu juízo prévio (ou preconceito) não prevalece sobre a análise fria e justa dos factos? E aqui já estou a falar deste processo outra vez.
Henrique Monteiro