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A chegada da Pandemia alterou de forma dramática toda a nossa forma de organização em sociedade - Desde a forma como exprimimos os nossos afetos aos entes queridos, como trabalhamos ou aprendemos ou mesmo onde e como fruímos do nosso tempo livre.
O Covid-19 vem juntar-se a tantos e tantos medos que habitam o nosso inconsciente coletivo desde a mais tenra idade. Hoje cantamos “o medo que esteriliza os abraços”(1) . Estas palavras de Carlos Drummond de Andrade no poema “Congresso Internacional do Medo” de 1978 não poderiam ser mais atuais.
Vamos então por partes:
Começamos por enfrentar uma crise sanitária. O sucesso da crise sanitária depende tão só do nosso comportamento coletivo. São muitos os exemplos de Países que estancaram desde o primeiro momento a progressão do Vírus (tais como a Coreia do Sul, Japão, China) ao mesmo tempo que mostram ser possível, com mais medidas de contenção rigorosas e inteligentes, manter a economia em funcionamento sem confinamento. Qual foi a sua receita de sucesso? Aqui se destacam a eliminação das cadeias de transmissão com a identificação dos contactos dos casos confirmados e do seu isolamento profilático para o que é crítico a utilização de uma app de instalação necessariamente voluntária no telemóvel, que permita notificar todas as pessoas em risco por terem estado em contacto com um caso confirmado positivo; subsidiariamente, o reforço do isolamento obrigatório dos casos notificados para além do uso generalizado de máscara sempre que fora de casa. De acordo uma equipa de investigadores da Universidade de Oxford(2) , se 56% da população britânica usar a aplicação de contact-tracing no seu telemóvel, seria possível suprimir a epidemia no Reino Unido. De facto, esta inovação tecnológica afirma-se como a única evolução disruptiva relativamente às medidas de contenção já implementadas aquando da gripe espanhola de 1918/20.
À crise sanitária sucede uma crise económica sem precedentes. Esta crise prevê-se que gere em Portugal uma contração do Produto Interno Bruto e um défice orçamental de dois dígitos. A nossa memória coletiva recorda-se bem o que sucedeu quando o nosso País tentou mitigar os efeitos da crise de 2009 com um acréscimo sem precedentes de despesa pública.
Com o Covid-19 é inevitável que o saldo orçamental se deteriore como resultado do ciclo económico adverso que se enfrenta, mas as lições aprendidas no passado (com o resgate de financeiro de 2011) apelam à necessidade de uma grande frugalidade em toda a despesa pública que não seja absolutamente necessária. Sabemos que as verbas anunciadas no último Conselho Europeu são um apoio importante, no entanto estes fundos devem ser reconduzidos tanto quanto possível para o financiamento de despesa certa e permanente já existente e não para aumentar o envelope de despesa pública e muito menos de dívida soberana (com a componente de fundos europeus com natureza reembolsável). Iria mesmo mais longe – os novos tempos recomendam que qualquer investimento público a realizar deva ser acompanhado de um estudo económico colocado em discussão pública que comprove o retorno no capital investido.
O nosso maior medo é tão só não saber o que esperar, ou o que fazer e sentirmo-nos perdidos como um barco à deriva levado pelas marés e correntes marítimas. Assim que esse não é o caso e o futuro está muito mais nas nossas mãos do que possamos pensar.
Primeiro, para a resposta à crise sanitária é necessário recuperar o tempo perdido. A 6/5/2020 na sequência do anúncio do desconfinamento escrevia no Dinheiro Vivo que não havia dúvida que desconfinar com um risco de transmissibilidade próxima de 1 significaria, com uma probabilidade de 1, o aumento do número de infeções (que se veio a verificar). Assim na gestão da crise sanitária necessitamos de colocar mais meios ao serviço da prevenção e da eliminação das linhas de transmissão do Covid-19 de forma a comprimir o factor de transmissão abaixo de 1.
Sabemos que o reforço da dotação do orçamento do SNS não chegou a 0,26% do PIB(3) (504 M€) quando o reforço de verbas com impacto orçamental direto ou potencial adotadas na mitigação do impacto económico do COVID-19 se elevou a 7.93% do PIB (16 834 M€)(4) . Estamos cientes que as verbas públicas alocadas ao apoio económico do COVID-19 apenas compram tempo e que a raiz do problema reside na gestão da crise de saúde pública. Assim é necessário ponderar se não estaremos a alocar uma elevada proporção das verbas disponíveis à economia em detrimento da gestão da crise sanitária. É também necessário apurar se temos um número de camas de cuidados intensivos suficiente para enfrentar a próxima estação da Gripe. Sabemos que as cerca de 1500 a 2000 Camas de Cuidados Intensivos que dispomos são já escassas durante a estação gripal pelo que é necessário o seu reforço para evitar a todo o custo novos períodos de confinamento provocados pela incapacidade de resposta do nosso SNS.
Segundo, a crise económica dependerá do sucesso na gestão da crise sanitária e da nossa capacidade de sermos muito exigente e rigorosos na gestão das finanças públicas. Se é verdade que temos um dos endividamentos mais altos da Europa também é verdade que as lições aprendidas na última crise soberana podem ter deixado em Portugal um instinto coletivo de frugalidade nas finanças das famílias, das empresas e nas nossas finanças públicas que nos ajude a atravessar estes oceanos agitados preservando a Soberania Financeira do País.
Não sejamos como aqueles que têm tanto medo “que têm medo que o medo acabe(5) ” A ação cura o Medo. O regresso a uma nova normalidade dependerá muito da nossa ação individual e coletiva.
(1) Carlos Drummond de Andrade ANDRADE, C.D. Antologia Poética. 12ª edição. Rio de Janeiro: José Olympio. 1978. p. 108 e 109.
(2) Ferretti, L.; Wymant. C.; Kendall, M.; Zhao, L., Nurtay, A.; Abeler-Dörner, L.; Parker, M.; Bonsall, D.; Fraser, C: “Quantifying SARS-CoV-2 transmission suggests epidemic control with digital contact tracing”, Science, 31/3/2020
(3) https://www.dinheirovivo.pt/opiniao/economia-e-saude-publica-duas-realidades-que-nao-sao-inconciliaveis/
(4) Fonte: Ministério das Finanças, Orçamento Suplementar, Plano de Estabilidade e UTAO.
(5) Mia Couto em Conferências do Estoril 2015
Manuel Luís Rodrigues
Docente no King’s College London e Conferencista na AESE – Escola e Direção de Negócios
Manuel Luís Rodrigues
Docente no King’s College London e Conferencista na AESE – Escola e Direção de Negócios