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domingo, 4 de abril de 2010
A coragem de Bento XVI
Bento XVI, ao longo da sua vida, sempre gostou de polémicas, de debates e do confronto. Enquanto teólogo, enquanto académico, e agora como Papa não podia mudar. Logo no início do seu papado tornou claro que a Igreja é universal, mas que a grande necessidade de evangelizar estava nos dias de hoje nas sociedades mais intelectualmente desenvolvidas (na Europa e nos Estados Unidos), sob pena de continuar a afastar-se definitivamente das elites e se acantonar apenas, o que não seria pouco, nos pobres e no socorro da miséria de vida do mundo subdesenvolvido.
Fê-lo ao longo da vida, continua a fazê-lo hoje. Nenhum dos seus escritos que eu tenha lido são fáceis de ler e tornam-se no panfleto de propaganda da fé. Foi sempre assim. Desde o Catecismo da Igreja Católica, de que foi um dos redactores principais, quando era um jovem teólogo, até ao seu livro Jesus de Nazaré, nunca se encontra uma linha ou palavra que simplifique a leitura e facilite a vida de quem lê. Em Jesus de Nazaré parte do mais complexo dos Evangelhos, o de São João, para olhar com olhos de hoje a vida de Cristo, certamente a vida sobre quem se escreveram mais livros na história da Humanidade .
Corajoso, racional, didáctico, filósofo na tradição do melhor que a Alemanha sempre produziu, transmite sempre a sensação de que não quer ver a sua Igreja acantonada às paredes do templo. É uma linha inquieta, perturbadora, muitas vezes surpreendente, que leva a que nestes três anos não pare de ser notícia. Foi assim em Ratisbona, no seu célebre discurso Universitário, ou em França, quando falou aos académicos, foi assim no debate da fé e da razão, foi assim no que escreveu e proporcionou que se escrevesse a propósito de evolucionismo e criacionismo, ou na actualização da Doutrina Social da Igreja no século XXI, século da globalização.
Assim se entende que um Papa como Bento XVI não possa deixar de enfrentar com a mesma coragem, problemas que se arrastam tristemente na sua casa, na Igreja católica. Sou dos que consideram a pedofilia um crime hediondo contra crianças indefesas. Um crime sem perdão, sem desculpa. Horroriza-me a tese de que a pedofilia seja uma doença e que os pedófilos sejam assim encarados como doentes. Doentes são gente sem culpa e sem liberdade. Só a culpa torna as pessoas livres. Só há pecado, se eu for livre de pecar. Um doente não é livre. Horrorizou-me sempre a ideia de que um rico quando rouba é um cleptómano e um pobre é um ladrão… Não tenho nenhuma condescendência para quem destrua a vida de uma criança, servindo-se do seu poder de professor, de padre, ou de pai.
Bento XVI, como sempre fez na sua vida, não podia deixar que pairassem sobre a Igreja casos de criminosos que, varridos para debaixo da carpete, deixavam pairar a suspeição sobre todos. Nada há pior para minar uma instituição do que a generalização da insinuação, da suspeição. Em Boston, ou na Irlanda, não podem pairar sobre uma instituição como a Igreja Católica dúvidas, nem desculpas, nem insinuações que se colam a todos, pela falta de coragem de agir. Não podem os criminosos ficar debaixo dos tapetes e as vítimas silenciadas pelo tempo que não apaga um crime destes. É isso que o Papa corajosamente tem dito, escrito e feito.
Independentemente do número, Ratzinger não podia deixar de encarar uma questão nem que tivesse apenas a dimensão de uma paróquia, num qualquer país distante, sob pena de permitir que continuassem a minar a credibilidade da sua Igreja e a suspeição sobre todo aquele que veste uma batina. Para já não falar no perigo de deixar quebrar a confiança dos pais que levam os seus filhos à catequese ou os matriculam nos colégios católicos que em todo o Mundo têm marca de competência e qualidade. Foi isso que escreveu em palavras certeiras e precisas aos padres irlandeses.
Zita Seabra
(Fonte: JN online AQUI)
Santa Missa no dia da Páscoa da Ressurreição
No átrio da Basílica de São Pedro, engalanado pela 25ª vez por esplêndidas flores holandesas, o Papa Bento XVI presidiu a Santa Missa no dia da Páscoa. A celebração eucarística teve início com o rito da Ressurreição: a abertura da neo Acheropita, uma imagem realizada segundo o modelo medieval original, que representa o Salvador sentado no trono; dois diáconos, nas notas do Surrexit Dominus, mostraram a imagem do Ressuscitado primeiro ao Santo Padre e depois aos fiéis, propondo a antiga tradição segundo a qual o Bispo de Roma, no início da celebração eucarística, encontra o Senhor Ressuscitado na imagem do Santíssimo Salvador e se torna a primeira testemunha diante de toda a Igreja do evangelho da ressurreição.
Neste ano, em que Oriente e Ocidente festejam a Páscoa no mesmo dia, que destaque o anúncio conjunto da Ressurreição de Cristo, depois do Evangelho, foi entoado o canto típico da liturgia bizantina, que antigamente era cantados diante do Santo Padre.
No final da celebração, o Papa Bento XVI, que não fez a homilia, foi até o balcão central da Basílica Vaticana para a bênção Urbi et Orbi. Milhares de fiéis presentes na Praça, não obstante a chuva, e os milhões de telespectadores que acompanharam a celebração através de mais de 40 emissoras, puderam admirar os enfeites florais doados pelos holandeses, que graças à predominância do branco e do amarelo, destacaram simbolicamente a mensagem pascal de luz e de alegria.
(Fonte: H2O News com edição de JPR)
Decano do Colégio Cardinalício assegura ao Papa a gratidão e adesão filial de toda a Igreja Católica
“A fortaleza de ânimo e a coragem apostólica” com que Bento XVI anuncia o Evangelho foram expressamente referidas pelo decano do Colégio Cardinalício, Cardeal Ângelo Sodano, numa saudação que lhe dirigiu, neste Domingo de Páscoa, no início da celebração, na Praça de São Pedro.
Com palavras de gratidão e de adesão fiel ao Papa, “Sucessor de Pedro”, “Rocha indefectível da Santa Igreja de Cristo”, o Cardeal Sodano evocou o “grande amor” com que, o actual pontífice, “com coração de pai”, faz suas “as alegrias e esperanças, tristezas e angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem” (na expressão do Concílio Vaticano II).
Assegurou a solidariedade de todos os cardeais e dos “irmãos bispos espalhados pelo mundo” e também os “quatrocentos mil padres que servem generosamente o povo de Deus” em tantas paróquias e em remotas missões.
“O povo de Deus – declarou o antigo Secretário de Estado – não se deixa impressionar pelo palavreado do momento, pelas provações que por vezes atingem a comunidade dos crentes”.
O Cardeal Sodano recordou, por fim, a homilia da Missa Crismal, em que Bento XVI, Quinta-feira Santa, dirigindo-se aos bispos e padres, falou da bondade de Deus, recordando as palavras do Apóstolo Pedro, descrevendo a atitude de Cristo durante a Paixão: “insultado, não respondia com insultos, maltratado, não ameaçava vingança, mas confiava àquele que julga com justiça”.
(Fonte: site Radio Vaticana)
O mundo de hoje precisa da salvação do Evangelho - lembrou Bento XVI na Mensagem "Urbi et Orbi"
“Uma Páscoa feliz com Cristo Ressuscitado.”
Os votos de Santa Páscoa 2010, expressos por Bento XVI na nossa língua, no final da solene celebração eucarística, na Praça de São Pedro, e após a Mensagem dirigida a todo o mundo da varanda central da basílica.
“A Páscoa é a verdadeira salvação da humanidade!” “A Ressurreição de Cristo é uma nova criação… um acontecimento que modificou a orientação profunda da história, deslocando-a definitivamente para o lado do bem, da vida, do perdão. Estamos livres, estamos salvos. Por isso exultamos do mais íntimo do coração: ‘Cantemos ao Senhor, verdadeiramente glorioso!”
Palavras da solene mensagem do Papa “Urbi et Orbi”, à Cidade de Roma e ao mundo, nesta Páscoa 2010, partindo da antífona litúrgica que ecoa o antiquíssimo hino de louvor dos judeus após a travessia do Mar Vermelho.
“Sim, irmãos, a Páscoa é a verdadeira salvação da humanidade! Se Cristo – o Cordeiro de Deus – não tivesse derramado o seu Sangue por nós, não teríamos qualquer esperança, o destino nosso e do mundo inteiro seria inevitavelmente a morte. Mas a Páscoa inverteu a tendência: a Ressurreição de Cristo é uma nova criação, como um enxerto que pode regenerar toda a planta. É um acontecimento que modificou a orientação profunda da história, fazendo-a pender de uma vez por todas para o lado do bem, da vida, do perdão. Estamos livres, estamos salvos!”
“Saído das águas do baptismo (prosseguiu o Papa), o povo cristão é enviado a todo o mundo a testemunhar esta salvação, a levar a todos o fruto da Páscoa, que consiste numa vida nova, libertada do pecado e restituída à sua beleza originária, à sua bondade e verdade”.
“A Igreja é o povo do êxodo, porque vive constantemente o mistério pascal e difunde a sua força renovadora em cada tempo e lugar. Também nos nossos dias a humanidade tem necessidade de um êxodo, não de ajustamentos superficiais, mas de uma conversão espiritual e moral”.
A humanidade – insistiu o Papa - “tem necessidade da salvação do Evangelho, para sair da crise que é profunda e como tal exige profundas mudanças, a partir das consciências”. E a partir daqui, na sua Mensagem pascal “Urbi et Orbi”, Bento XVI lançou o olhar sobre variadas situações do mundo, que bem carecem da “salvação do Evangelho”, formulando-as como intenções de oração. A começar pelo Médio Oriente.
“Ao Senhor Jesus peço que no Médio Oriente e de modo particular na Terra santificada pela sua morte e ressurreição, os Povos realizem um verdadeiro e definitivo «êxodo» da guerra e da violência para a paz e a concórdia.
Às comunidades cristãs que conhecem provações e sofrimentos, especialmente no Iraque, repita o Ressuscitado a frase cheia de consolação e encorajamento que dirigiu aos Apóstolos no Cenáculo: «A paz esteja convosco!» (Jo 20,21)”.
Do Médio Oriente, o Santo Padre dirigiu o olhar à América Latina, sem esquecer o Haiti e o Chile…
“Para os países da América Latina e do Caribe que experimentam uma perigosa recrudescência de crimes ligados ao narcotráfico, a Páscoa de Cristo conceda a vitória da convivência pacífica e do respeito pelo bem comum.
A dilecta população do Haiti, devastado pela enorme tragédia do terramoto, realize o seu «êxodo» do luto e do desânimo para uma nova esperança, com o apoio da solidariedade internacional.
Os amados cidadãos chilenos, prostrados por outra grave catástrofe mas sustentados pela fé, enfrentem com tenacidade a obra de reconstrução.”
Neste elenco de situações do mundo, que clamam pela salvação que vem do Senhor ressuscitado, o Papa referiu depois a África, e as regiões a braços com o terrorismo e a perseguição religiosa:
“Na força de Jesus ressuscitado, ponha-se fim em África aos conflitos que continuam a provocar destruição e sofrimentos e chegue-se àquela paz e reconciliação que são garantias de desenvolvimento.
De modo particular confio ao Senhor o futuro da República Democrática do Congo, da Guiné e da Nigéria.”
O Ressuscitado ampare os cristãos que, pela sua fé, sofrem a perseguição e até a morte, como no Paquistão.
Aos países assolados pelo terrorismo e pelas discriminações sociais ou religiosas, conceda Ele a força de começar percursos de diálogo e serena convivência.”
Não ficou esquecida a crise económico social que abala o mundo e as variadas formas de uma difusa “cultura de morte”.
“Aos responsáveis de todas as Nações, a Páscoa de Cristo traga luz e força para que a actividade económica e financeira seja finalmente orientada segundo critérios de verdade, justiça e ajuda fraterna.
A força salvífica da ressurreição de Cristo invada a humanidade inteira, para que esta supere as múltiplas e trágicas expressões de uma «cultura de morte» que tende a difundir-se, para edificar um futuro de amor e verdade no qual toda a vida humana seja respeitada e acolhida.”
Bento XVI concluiu a Mensagem “Urbi et Orbi” recordando que “a Páscoa não efectua qualquer magia”. Mesmo após a Ressurreição, a Igreja encontra sempre a história com as suas alegrias e as suas esperanças, os seus sofrimentos e as suas angústias”. Mas “esta história mudou, está marcada por uma aliança nova e eterna, está realmente aberta ao futuro”. “Salvos na esperança, prosseguimos a nossa peregrinação, levando no coração o cântico antigo e sempre novo: «Cantemos ao Senhor: é verdadeiramente glorioso!»
(Fonte: site Radio Vaticana)
Alegria suprema
Mais uma vez – como em todas as outras ocasiões – o Senhor Jesus cumpriu aquilo que havia prometido. Mesmo assim, os seus seguidores mais directos e privilegiados, os Apóstolos, têm dificuldade em aceitar tão extraordinária aparição. Sentem medo de errar e é o próprio Cristo que lhes tem de dizer que é Ele mesmo, O que os tinha ensinado, O que os amava de um modo tão forte e que lhes tinha afiançado que havia de ressuscitar ao fim de três dias, depois de ser tão maltratado e condenado à morte.
Às vezes somos teimosos como Tomé. O testemunho unânime dos outros não nos convence. Suspeitamos, apesar de tudo, que pode haver um erro, uma ilusão. Por isso, ou somos testemunhos directos do que nos anunciam, ou não cremos.
E o paciente e grande Amigo Jesus, lá tem de lhe aparecer e o recriminar, à frente de todos os apóstolos, censurando-o com vigor: “Tomé, Tu acreditaste porque me viste; bem-aventurados os que acreditaram sem terem visto” (Jo 20, 29).
Se ao apóstolo temos de agradecer a sua confissão sobre a divindade de Cristo: “Meu Senhor e meu Deus!” (ibidem), a Jesus deveremos manifestar a nossa gratidão por sermos daqueles que O não viram mas acreditaram. A fé é uma virtude essencial e dela devemos viver, sabendo que Cristo é Deus feito homem, pelo que todas as suas palavras e acções, ao terem a marca da perfeição total da divindade, são mais credíveis do que os nossos juízos ou os juízos daqueles que se sentem na necessidade de pôr em causa a palavra de Deus, sem encontrarem jamais soluções alternativas, porque sempre pecam por imperfeição e por caducidade.
A Ressurreição não é apenas mais uma certeza de que o que Cristo diz é verdade. É a confirmação de que Ele é Senhor da vida e da morte. Esta, se O afectou, não O fez desaparecer. Serviu de teste ao seu poder omnipotente, capaz de realizar em Si mesmo – a sua divindade não o podia trair – a Ressurreição do seu Corpo, ao voltar a sua alma humana a animá-lo e a dar unidade a todos os seus membros.
Acreditemos em Cristo. Neste aspecto, devemos não proceder como os Apóstolos, pelo menos antes de O verem com os seus próprios olhos no meio deles, comendo e conversando com a afabilidade que O caracterizava e os enchia de gozo e de confiança.
Imitemos a Fé de Maria Santíssima, talvez a única criatura que nunca pôs em causa a Ressurreição do seu Filho tão amado. Maria é mestra de fé, pois é também mestra de oração. E foi nela e por ela que encontrou a fé de que necessitava para crer em Jesus e nas suas promessas. A oração, diálogo com Deus possível em todas as circunstâncias da nossa vida, é o instrumento da nossa intimidade com Deus. Sem oração, desconhecemos Deus e os seus desígnios. Mais: haverá uma distância constante entre nós e Ele, que nunca nos permitirá conhecê-Lo bem, nem amá-lo sobre todas as coisas.
Diz o povo sabiamente que “é a falar que a gente se entende”. Se não dialogamos com Deus assiduamente, se Ele não é para nós o ponto de referência de todos os aspectos da nossa vida, se não nos acompanha nas nossas tarefas profissionais, se não preside às nossas relações familiares e sociais, Deus e Jesus serão sempre seres distantes. Pior: seres mais ou menos desconhecidos, aos quais não prestaremos atenção nem entenderemos os seus projectos de Amor para connosco.
(Pe. Rui Rosas da Silva – Prior da Paróquia de Nossa Senhora da Porta Céu em Lisboa in Boletim Paroquial de Abril, selecção do título da responsabilidade do autor do blogue)
Vigília Pascal, Homilia do Papa Bento XVI
Uma antiga lenda judaica, tirada do livro apócrifo “A vida de Adão e Eva”, conta que Adão, durante a sua última enfermidade, teria mandado o filho Set juntamente com Eva à na região do Paraíso buscar o óleo da misericórdia, para ser ungido com este e assim ficar curado. Aos dois, depois de muito rezar e chorar à procura da árvore da vida, aparece o Arcanjo Miguel para dizer que não conseguiriam obter o óleo da árvore da misericórdia e que Adão deveria morrer. Em seguida, os leitores cristãos adicionaram a esta comunicação do arcanjo, uma palavra de consolação. O Arcanjo teria dito que, depois de 5.500 anos, viria o benévolo Rei Cristo, o Filho de Deus, e ungiria com o óleo da sua misericórdia todos aqueles que acreditassem nele. “O óleo da misericórdia para toda a eternidade será dado a quantos deverão renascer da água e do Espírito Santo. Então, o Filho de Deus rico de amor, Cristo, descerá às profundezas da terra e conduzirá o teu pai ao Paraíso, para junto da árvore da misericórdia”. Nesta lenda, faz-se palpável toda a aflição do homem diante do destino de enfermidade, dor e morte que nos foi imposto. Torna-se evidente a resistência que o homem oferece à morte: em algum lugar – repetidamente pensaram os homens – deveria existir a erva medicinal contra a morte. Mais cedo ou mais tarde, deveria ser possível encontrar o remédio não somente contra as diversas doenças, mas contra a verdadeira fatalidade – contra a morte. Deveria, em suma, existir o remédio da imortalidade. Também hoje, os homens andam à procura de tal substância curativa. A ciência médica actual, incapaz de excluir a morte, procura, contudo, eliminar o maior número possível das suas causas, adiando-a sempre mais; procura uma vida sempre melhor e mais longa. Mas, pensemos um pouco: caso se conseguisse quiçá não excluir totalmente a morte mas adiá-la indefinidamente, como seria chegar a uma idade de várias centenas de anos? Isto seria bom? A humanidade envelheceria numa medida extraordinária; não haveria lugar para a juventude. A capacidade de inovação se apagaria e uma vida interminável não seria um paraíso, mas uma condenação. A verdadeira erva medicinal contra a morte deveria ser diversa. Não deveria levar simplesmente a uma prolongação indefinida desta vida atual. Deveria transformar a nossa vida a partir do interior. Deveria criar em nós uma vida nova, verdadeiramente capaz de eternidade: deveria transformar-nos de tal modo que não terminasse com a morte, mas com ela iniciasse em plenitude. A novidade impressionante da mensagem cristã, do Evangelho de Jesus Cristo era, e ainda é, dizer-nos isto: sim, esta erva medicinal contra a morte, este autêntico remédio da imortalidade existe. Foi encontrado. É acessível. No Baptismo, este medicamento nos é dado. Uma vida nova começa em nós, uma vida nova que amadurece na fé e não é cancelada pela morte da vida velha, mas só então se tornará plenamente visível.
Ouvindo isto alguns, quiçá muitos, responderão: a mensagem sim, eu escuto, mas falta-me a fé. E, mesmo quem quer acreditar perguntará: mas, é verdadeiramente assim? Como devemos imaginá-la? Como se realiza esta transformação da vida velha, de tal modo que nela se forme a vida nova que não conhece a morte? Mais uma vez, um antigo escrito judaico pode nos ajudar a ter uma ideia daquele processo misterioso que tem início em nós no Baptismo. Neste escrito se conta que o patriarca Henoc foi arrebatado até ao trono de Deus. Mas, ele se atemorizou à vista das gloriosas potestades angélicas e, na sua fraqueza humana, não pôde contemplar a Face de Deus. “Então Deus disse a Miguel – assim continua o livro de Henoc – 'Toma Henoc e tira-lhe as vestes terrenas. Unge-o com o óleo suave e reviste-o com vestes de glória! ' E, Miguel tirou as minhas vestes, ungiu-me com óleo suave; este óleo possuía algo mais que uma luz radiosa... O seu esplendor era semelhante aos raios do sol. Quando me vi, eis que eu era como um dos seres gloriosos” (Ph. Rech, Inbild des Kosmos, II 524).
Isto mesmo – ser revestidos com a nova veste de Deus – ocorre Baptismo; assim nos ensina a fé cristã. É verdade que esta mudança das vestes é um percurso que dura toda a vida. Aquilo que acontece no Baptismo é o início de um processo que abarca toda a nossa vida, torna-nos capazes de eternidade, de tal modo que, na veste de luz de Jesus Cristo, podemos aparecer diante de Deus e viver com Ele para sempre.
No rito do Baptismo, há dois elementos nos quais este evento se expressa e torna visível, também como exigência para o resto da nossa vida. Em primeiro lugar, temos o rito das renúncias e das promessas. Na Igreja Antiga, o baptizando virava-se para ocidente, símbolo das trevas, do pôr do sol, da morte e, portanto, do domínio do pecado. O baptizando virava-se para aquela direcção e pronunciava um tríplice “não”: ao diabo, às suas pompas e ao pecado. Com a estranha palavra “pompas”, ou seja, o fausto do diabo, indicava-se o esplendor do antigo culto dos deuses e do antigo teatro, onde a diversão era ver pessoas vivas sendo dilaceradas pelas feras. Portanto, isto era o repúdio de um tipo de cultura que acorrentava o homem à adoração do poder, ao mundo da cobiça, à mentira, à crueldade. Era um ato de libertação da imposição de uma forma de vida que se apresentava como prazer e, contudo, levava à destruição daquilo que no homem são as suas qualidades melhores. Esta renúncia – com um comportamento menos dramático – constitui ainda hoje uma parte essencial do Baptismo. Assim removemos as “vestes velhas”, com as quais não se pode estar diante de Deus. Melhor dito: começamos a depô-las. Com efeito, esta renúncia é uma promessa na qual damos a mão a Cristo, para que Ele nos guie e revista. Quais sejam as “vestes” que depomos e qual seja a promessa que pronunciamos fica claro quando lemos, no quinto capítulo da Carta aos Gálatas, aquilo que Paulo denomina “obras da carne” – termo que significa precisamente as vestes velhas que devem ser depostas. Paulo as designa assim: “fornicação, libertinagem, devassidão, idolatria, feitiçaria, inimizades, contendas, ciúmes, iras, intrigas, discórdias, facções, invejas, bebedeiras, orgias e coisas semelhantes a essas” (Gal 5, 19ss). São estas as vestes que depomos; são vestes da morte.
Em seguida, o baptizando na Igreja Antiga se virava para oriente – símbolo da luz, símbolo do novo sol da história, novo sol que se levanta, símbolo de Cristo. O baptizando determina a nova direcção da sua vida: a fé em Deus trino, a quem ele se oferece. Assim, o próprio Deus nos veste com o traje de luz, com a veste da vida. Paulo chama a estas novas “vestes” “fruto do Espírito” e as descreve com as seguintes palavras: “caridade, alegria, paz, longanimidade, benignidade, bondade, lealdade, mansidão, continência” (Gal 5, 22).
Na Igreja Antiga, depois o baptizando era verdadeiramente despojado das suas vestes. Descia à fonte baptismal e era imerso por três vezes – um símbolo da morte que significa toda a radicalidade deste despojamento e desta mudança de veste. Esta vida, que em todo o caso já está voltada à morte, o baptizando a entrega à morte, junto com Cristo, e por Ele se deixa arrastar e elevar para a vida nova, que o transforma para a eternidade. Depois subindo das águas baptismais, os neófitos eram revestidos com a veste branca, a veste luminosa de Deus, e recebiam a vela acesa como sinal da vida nova na luz que Deus mesmo acendera neles. Eles sabiam que tinham obtido o remédio da imortalidade, que agora, no momento de receber a sagrada Comunhão, tomava a sua forma plena. Na Comunhão, recebemos o Corpo do Senhor ressuscitado e nós mesmos somos atraídos para este Corpo, de tal modo que ficamos já guardados por Aquele que venceu a morte e nos conduz através da morte.
No decorrer dos séculos, os símbolos tornaram-se mais escassos, mas o acontecimento essencial do Baptismo continue sendo o mesmo. Este não é apenas um lavacro, e menos ainda uma recepção um pouco complicada numa nova associação. O Baptismo é morte e ressurreição, renascimento para a nova vida.
Sim, a erva medicinal contra a morte existe. Cristo é a árvore da vida, que se fez novamente acessível. Se aderimos a ele, então estamos na vida. Por isso, nesta noite da ressurreição, cantaremos com todo o coração o aleluia, o canto da alegria que não tem necessidade de palavras. Por isso Paulo pode dizer aos Filipenses: “alegrai-vos sempre no Senhor; eu repito, alegrai-vos!” (Fl 4, 4). Não se pode comandar a alegria. Somente pode ser dada. O Senhor ressuscitado nos dá a alegria: a verdadeira vida. Já estamos protegidos para sempre guardados no amor daquele a quem foi dado todo o poder no céu e na terra (cf. Mt 28,18). Assim, seguros de ser escutados, peçamos como diz a oração sobre as oferendas que a Igreja eleva nesta noite: Acolhei, ó Deus, com estas oferendas as preces do vosso povo, para que a nova vida, que brota do mistério pascal, seja por vossa graça penhor da eternidade. Amém.
(Fonte: site Radio Vaticana)
S. Josemaría nesta data em 1955
(Fonte: site de S. Josemaría Escrivá http://www.pt.josemariaescriva.info/)
Tema para reflexão
«JESUS CRISTO DESCEU AOS INFERNOS, RESSUSCITOU DOS MORTOS AO TERCEIRO DIA»
CCIC: 125. O que são «os infernos», aos quais Jesus desceu?
CIC: 632-637
Os «infernos» (não confundir com o inferno da condenação) ou mansão dos mortos, designam o estado de todos aqueles que, justos ou maus, morreram antes de Cristo. Com a alma unida à sua Pessoa divina, Jesus alcançou, nos infernos, os justos que esperavam o seu Redentor para acederem finalmente à visão de Deus. Depois de com a sua morte, ter vencido a morte e o diabo «que da morte tem o poder» (Heb 2,14), libertou os justos que esperavam o Redentor, e abriu-lhes as portas do Céu.
Agradecimento: António Mexia Alves
Feliz Páscoa
Bento XVI - Regina Caeli 13.04.2009