Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

domingo, 20 de dezembro de 2015

CONTO DE NATAL 2015

No frio da sua cela, só e sem alento, sentado na enxerga com a cabeça entre as mãos, pela milionésima vez pensava em tudo o que o tinha trazido até ali, àquela prisão que lhe retirava os anos jovens da sua vida.
Algumas más companhias, o álcool, os “charros”, a falta de encontrar interesses na vida que não fossem os imediatos, os prazeres rápidos e fortuitos, e aquela noite, aquela terrível noite que o tinha mandado directamente para a prisão.

E mais uma vez lhe veio a ideia, uma quase obsessão de fazer para o tempo, de recuar aos primeiros minutos daquela noite e fazer tudo diferente. Sobretudo parar o tempo antes daquele encontrão, que levou aos insultos e que num ápice lhe colocou aquela navalha na mão, que sem qualquer verdadeira razão, tinha espetado violentamente na barriga do outro jovem.
Ah, pudesse parar ali e ter oportunidade de dizer qualquer coisa como, desculpa, foi sem querer, e seguir caminho na noite.

Agora pensava assim, mas nos tempos que se seguiram a essa noite, durante o julgamento, e nos primeiros anos preso, uma raiva surda, um rancor, um quase ódio, tinham tomado conta dele. Afinal o culpado era o outro, que em vez de se afastar, em vez de ter percebido que o encontrão tinha sido sem querer, se “pôs a mandar vir” com ele, e por isso mesmo ele lhe tinha espetado a navalha na barriga. Morreu, mas a culpa era dele!

Mas os anos de prisão tinham-no amaciado. O sentir a vida tão jovem ainda, correr-lhe por entre os dedos, ali aprisionada, vivendo sem qualquer sentido, colocavam-no perante a realidade de perceber que afinal a culpa tinha sido dele e que o outro apenas tinha reagido como os jovens normalmente reagem. Era um arrependimento que pouco a pouco ia tomando conta do seu coração e curiosamente isso dava-lhe uma sensação de paz e de alívio.

Tinha havido uma audiência, (ou lá o que era), para analisar a sua possível libertação condicional, mas ele nada esperava, porque o seu comportamento anterior no julgamento, e durante os primeiros tempos na cadeia, não augurava nada de bom.

Era dia de Natal, (o que a ele dizia muito pouco ou nada), mas lembrava-se de uma ou duas conversas que tinha tido com o padre da prisão, que lhe tinha explicado de modo muito simples a história de Jesus Cristo, que tinha nascido no Natal e era Filho de Deus, segundo o padre, claro, e que tinha vindo para nos salvar com o seu sacrifício de amor.
Mal não fazia, pensou ele, e, ajoelhando-se no chão da cela, olhou para o Céu e disse: Não sei quem és e se estás aí, ou aqui, mas se me amas e se podes, ajuda-me como quiseres para que não perca totalmente a minha vida.

Levantou-se sem qualquer esperança de ser atendido no seu pedido e nesse momento um guarda chamou-o dizendo que tinha uma visita. Ficou admirado pois não esperava ninguém, mas seguiu o guarda até à sala de visitas dos presos.
Ficou ainda mais admirado e receoso quando viu que a visita afinal eram uma mulher e um homem, nos quais ele reconheceu os pais do rapaz que ele tinha morto naquela fatídica noite.
Não sabia o que fazer, mas o olhar que lhe lançaram e o aceno das mãos pedindo que fosse ter com eles, deram-lhe a necessária segurança para se aproximar, de cabeça baixa, envergonhado.
Não tinha sido nada fácil no julgamento senti-los a olhar para ele com um olhar duro que o trespassava. Mas não era esse o olhar que agora lhe devolviam.

Estás com certeza admirado de nos ver aqui? Ouviu ele dizer àqueles pais magoados e tristes.
Com uma voz quase inaudível respondeu: Sim!
Eles falaram novamente: Sabes, temos sabido da tua vida na prisão e sabemos que ultimamente te tens comportado muito bem e que até tens falado com o capelão da prisão.
É verdade, respondeu ele timidamente. Quero acreditar, mas é muito complicado, depois daquilo que fiz.
Eles disseram-lhe: Sabes, nós somos católicos acreditamos em Deus e no seu amor infinito e acreditamos também no seu perdão.
Olhou para eles admirado e eles continuaram: Sabes também que houve uma reunião para decidir a tua liberdade condicional. Nós quisemos estar presente e como nos ensinou Jesus Cristo, quisemos dizer ao juiz e às pessoas que lá estavam que te perdoávamos sinceramente e mais ainda, que tendo sabido do que se passava na prisão contigo, pedimos que te fosse concedida a liberdade condicional.

Levantou a cabeça, olhou para eles, os olhos encheram-se de lágrimas e não soube o que dizer.

Mas eles acrescentaram: Nós pedimos e foi-nos concedido que fossemos nós a trazer-te a notícia. Sais hoje em liberdade condicional e esse é o melhor perdão que te podemos dar. Quando saíres daqui do pé de nós, podes ir fazer o teu saco, pois hoje mesmo vais passar o Natal a tua casa.

Ia dizer qualquer coisa, como obrigado, (sabia lá ele bem o que dizer naquela altura), mas eles interromperam-no e disseram-lhe: Teremos depois tempo para falar, mas para já agora o que deves fazer é acreditar, verdadeiramente acreditar, que neste Natal, Jesus Cristo nasceu para te salvar.

Joaquim Mexia Alves
Marinha Grande, Dezembro de 2015

Bom Domingo do Senhor!

Imitemos a mãe de João Batista como nos narra o Evangelho de hoje (Lc 1, 39-45) e louvemos, exaltemos Nossa Senhora. Que o nosso coração salta de alegria e devoção sempre que pronunciarmos o seu bendito nome ou a Ela recorramos como Rainha e Mãe.

Louvado seja Deus Nosso Senhor por tão excelsa Mãe que nos ofereceu!

Presépio na Cidade

Presépio na cidade, Lisboa
Politicamente correcta, Lisboa, no mês de Dezembro, enchia-se de estrelas e pais-natais. Faltava qualquer coisa, que ninguém tinha coragem de mencionar, até que, no ano 2000, apareceu um presépio em plena rua, que se transformou em local de encontro. Houve protestos! Uma indecência! Desonra a cidade! À noite, destruíam o presépio e despejavam-lhe lixo em cima; de manhã, o local era limpo e reconstruia-se o presépio. Um dia e outro. Aquele espaço de 3 por 4 metros parecia um campo de batalha. Outras vezes, um pára-raios e um porto de abrigo.

A Sofia Guedes, que participa na iniciativa desde 2000, conta-me histórias, recentes e antigas, encadeadas como cerejas.

– Há bocado, a Celeste passou por aqui e convidámo-la a entrar no presépio. Sentou-se uns bons minutos. Talvez se sentisse bem, a inventar numa oração para a nossa colecção, um texto lindo que falava das crianças, dos jovens, dos pais e do amor. Contou então que tinha sido prostituta durante 40 anos, mãe de três filhos... chorou, abraçámo-nos e decidiu voltar para jantar connosco, porque se sentia profundamente acolhida.

Presépio na Praça de S. Pedro em 2013
– A Marta e o João, sem-abrigo, dormem no presépio com os cães e deixam a manjedoura toda suja... Comem a mesma comida dos cães, dormem vestidos com a mesma roupa todos os dias. Trabalham com o «fogo», são malabaristas de chamas de petróleo e deitam fogo pela boca. Têm 24 e 28 anos e vivem assim há anos. Não são felizes, mas não sabem como sair daquilo. A mãe do João sai todos os dias à procura dele pelas ruas de Lisboa, para lhe dar de comer e o vestir. É uma senhora pobre, a lutar pela dignidade da família. Também ela veio jantar connosco – que grande mãe! – e volta, para repousar o olhar na imagem de Maria, que está ali à espera de todos...

– O John tropeçou no presépio. Literalmente. Tropeçou e caiu. Convidámo-lo a entrar, tratámos-lhe das feridas, rezámos com ele, demos-lhe banho e comeu connosco. Há 13 anos que não via a família, a mulher e os dois filhos. Uma instituição de tratamento de toxicodependentes ajudou-o e, depois de três meses, contactámos a família, explicámos a situação e pedimos que o recebessem de volta. Falámos com a Segurança Social inglesa, que tomou conta dele e o encaminhou para continuar o tratamento. Voltou para casa «very happy», muito grato ao «Little Jesus»!

Presépio acampamento refugiados, Iraque
– O Douro! O Douro era um búlgaro, pedinte, casado e pai de 5 filhos. A mulher estava muito doente e eles sem meios para a tratar. Pedia na escadaria da igreja do Mártires, perto de nós. Todos os dias vinha ajudar a limpar, a pintar, guardava-nos... Um dia, explicou que era muçulmano, mas gostava muito de estar no presépio; sonhava ir à sua terra, a Bulgária, deixar lá um filho e visitar os outros. Aliás, ele queria mesmo era ficar lá! No fim de jantar connosco, com outros colegas «pedintes» e amigos que visitam diariamente o presépio, comunicou-se a todos o desejo do Douro. Cada um deitou o que pôde num saco, mesmo os pedintes. No fim, um deles anunciou: «temos dinheiro para o Douro, a mulher e o filho irem para a Bulgária»! Foi um momento de grande emoção e a seguir de saudade, quando fomos despedir-nos deles, ao comboio que partiu de Santa Apolónia.

– Num Natal anterior, o Eber, um adolescente que entrou para partir tudo, acabou a passar a noite de Natal com um grupo de velhinhas que estavam sozinhas, que ele ajudou e serviu. Aprendeu a rezar e pediu para começar a catequese.

– A senhora Amélia entrou desesperada no presépio, a pedir para rezarmos com ela. Não ligámos, porque estávamos atarefados, mas ela insistiu e tivemos de deixar tudo. Nos dias seguintes, voltou. Depois, contou-nos a história daquela aflição: queria suicidar-se... mas, depois daquelas visitas ao presépio, tinha recuperado a alegria!

Presépio na cidade. Évora
– O Francisco vem de 2001. Era um sem-abrigo, vivera na rua durante 26 anos. Alcoólico, mas um homem cheio de fé! Nunca mais nos deixou. Hoje já tem o seu quartinho e cuida muito bem de si. Está a tirar um curso de jardinagem e o 9º ano. Aprendemos tanto com ele, pela perseverança, pela humildade, por aquela dignidade que ensina tanto sobre a miséria e como se lida com ela. O Francisco é um professor de humanidade. Hoje é um dos principais voluntários. Sem o presépio, provavelmente ele hoje não viveria, e sem o Francisco talvez hoje não houvesse este presépio.

– A Toninha, o Luís Filipe, a Maria, o João...

– Ó Sofia! Estão a ligar-me, desesperados, do jornal: querem a crónica ime-dia-ta-men-te. Beijinhos!

José Maria C.S. André
Correio dos Açores, Verdadeiro Olhar, ABC Portuguese Canadian Newspaper, Spe Deus
20-XII-2015