“Contracorpo”, sexto romance de Patrícia Reis, é uma dolorosa reaproximação entre Maria, mãe e recém-viúva, e Pedro, o mais velho dos seus dois filhos
O parto marca o princípio da separação entre mãe e filho. A partir desse momento, a figura materna será sempre exterior à vida que criou dentro de si própria.
Se na infância a criança anseia pela mãe, na adolescência o “quase-homem” tenta, atrapalhado numa confusão de sentimentos para si indefiníveis, romper com essa dependência. O filho deixou de ser criança, mas ainda não é adulto.
É no interior desta indefinição que Patrícia Reis aborda a complexa relação entre uma “mulher-mãe” e o seu filho “quase-homem”.
“Contracorpo”, sexto romance da autora, é uma dolorosa reaproximação entre Maria, mãe e recém-viúva, e Pedro, o mais velho dos seus dois filhos.
O pragmatismo imposto pelas responsabilidades profissionais e de gestão doméstica monopolizam a disponibilidade de Maria. A imperfeita conjugação dos papéis de mulher, mãe e filha deteriorou a sua relação com Pedro.
A decisão de viajar sinaliza a sua reacção perante tal situação. Ela secundariza todos os outros papéis que tem de representar e entrega-se a essa missão, que é derrubar o silêncio que a separa do filho.
Durante a viagem, os intervenientes lidam com a culpa, a frustração, e a incapacidade de mostrarem o que sentem um pelo outro.
Maria não consegue chegar a Pedro, enquanto ele divaga em pensamentos confusos. De formas diferentes, ambos sentem-se perdidos e, consequentemente, necessitados de se reencontrarem.
Maria vê em Pedro características do seu irmão mais velho, com as quais nunca soube lidar. Pedro, por sua vez, idealiza o seu falecido pai quando o compara com o pragmatismo da mãe.
O destino é intangível. Não é um local; é o reconquistar das ligações afectivas que os ligam. A viagem serve, essencialmente, como mecanismo de introspecção e autodescoberta.
Da mesma forma que acontece no seu anterior romance, “Por este mundo acima”, a deslocação física das personagens aproxima-se da peregrinação.
Também como ponto comum é a estrutura ideológica dos romances. Ambos seguem uma ideia cristã de destruição, arrependimento, salvação. O amor, seja entre mãe e filho, ou entre idoso e criança (anterior romance), conduz à redenção.
Eles peregrinam sem um destino definido, sem programação, nem distracções. Neste último aspecto, é muito curioso a mãe ter pedido ao filho para não levar telemóvel, nem ipod. A conclusão primeira e mais óbvia é a de que são instrumentos de fuga ao diálogo, mas numa segunda análise surge outra problemática actual: a velocidade.
A peregrinação contraria o vício que o ser humano contemporâneo tem de velocidade. Quanto mais veloz o Homem se desloca, quanto mais informação consegue transmitir, mais está isolado. A viagem entre mãe e filho é o contraponto. O tempo distende-se, o ruído minimiza-se, e o espaço para a comunicação surge.
“Contracorpo” é um mapa, onde a mulher se reencontra, a mãe resgata o filho, e o filho se reaproxima da mãe. O amor e o perdão são os destinos desta viagem escrita por Patrícia Reis.
Mário Rufino in ‘Público’ http://p3.publico.pt/cultura/livros/7357/o-parto-marca-separacao-entre-mae-e-filho