Foi na internet que Anders Behring Breivik absorveu a sua ideologia assassina.
Não foi uma adesão fanática ao cristianismo, nem um apoio fanático à extrema direita que fez enlouquecer Anders Behring Breivik, o homem que matou cerca de 90 pessoas na Noruega. Foi o Google.
Ansiosos por encontrar explicações para os actos deste homem de 32 anos, que fez detonar uma bomba e matou oito pessoas no centro de Oslo, e a seguir matou a tiro mais cerca de 70 jovens que se encontravam reunidos num acampamento de juventude do Partido Trabalhista da Noruega, os meios de comunicação têm andado a passar os olhos pelo documento de 1500 páginas que Breivik colocou à disposição dos amigos no Facebook antes do ataque, e a que deu o título de «2083 - Declaração de Independência Europeia».
Foi um golpe publicitário bastante inteligente. Por esta altura, as bizarras teorias contidas no referido documento - acerca da predominância do marxismo cultural, do fracasso do multiculturalismo e da invasão do islão - circulam amplamente pela Internet. Breivik até criou uma lista de perguntas e respostas acerca da sua vida pessoal e do seu programa, com questões sobre a marca de cerveja, os filmes e a água de colónia da sua preferência.
Só um desconstrucionista francês seria capaz de nos dizer que percentagem de verdade há em tudo aquilo. Na verdade, o autor do documento insere, a determinada altura, um longo parágrafo onde declara que aquele escrito é uma obra de ficção: «Toda e qualquer informação incriminatória que se encontre neste documento é ficcional; ele não constitui um plano nem uma estratégia destinada a atacar indivíduos, infra-estruturas ou grupos políticos, nem a assumir controlo político ou militar de quaisquer regimes da Europa ocidental.»
Infelizmente, os horrores «ficcionais» calmamente descritos no documento foram levados à prática.
É um vento malévolo que não traz boas notícias. Esta calamidade tem sido usada para justificar as críticas aos políticos de extrema-direita, a oposição à imigração de muçulmanos e o cristianismo. A verdade, porém, é que andar a recolher passagens seleccionadas desta pilha de lixo - passagens que permitam «confirmar» isto ou aquilo - não prova coisa nenhuma.
Breivik era completamente inconsistente: diz de si próprio que é cristão, maçon e odinista (adepto do paganismo escandinavo); que as duas personalidades que mais admira são Vladimir Putin e Bento XVI; e pede contribuições para organizar uma orgia com prostitutas «antes ou depois de participar na minha última missa de mártires na igreja de Frogner».
O homem fala com a gravidade de um teólogo e de um adepto do Novo Ateísmo: «Quanto à relação entre a Igreja e a ciência, é essencial que a ciência tenha absoluta precedência sobre as doutrinas bíblicas. A Europa sempre foi o berço da ciência e tem de continuar a sê-lo.» E, ao mesmo tempo que arenga contra a destruição dos valores familiares, defende a implementação da política de filho único nos países em vias de desenvolvimento, com o objectivo de salvar o meio ambiente.
O documento tem um índice com títulos e notas de rodapé, ostentando a parafernália típica dos artigos científicos, mas grande parte do material foi copiado de blogues e websites. O texto incorpora grandes fatias do manifesto do Unabomber, sem lhas atribuir, e há capítulos inteiros que são da autoria de Fjordman, um blogger norueguês anónimo; o capítulo introdutório reproduz um panfleto sobre o politicamente correcto da autoria da Free Congress Foundation, um think tank americano. É um texto compilado com o distanciamento académico típico da Wikipédia, desde as análises da demografia muçulmana até à descrição do modo de comprar armas de destruição maciça.
Em suma, trata-se de uma demonstração, em 778.257 palavras, de que o Google é capaz, não só de nos estupidificar, como argumentava Nicholas Carr num famoso artigo publicado na Atlantic há três anos, mas também de nos encher de ódio e de nos tornar violentos.
«Aquilo que a Net faz é distanciar a orientação da nossa inteligência daquilo a que poderíamos chamar uma tendência meditativa e contemplativa, voltando-a para aquilo a que podemos chamar uma inteligência utilitária. O preço de percorrermos a correr múltiplos elementos informativos é deixarmos de ter um pensamento profundo», escreveria Carr mais tarde.
A prova destas afirmações jaz nas margens da ilha de Utøya. O documento revela uma personalidade moldada por anos de dedicação solitária à Internet, uma concha oca cheia a abarrotar de conteúdos resultantes de milhões de consultas online. A certa altura, o autor afirma que passou «milhares de horas» no Facebook, a tentar promover a sua causa; e preparou-se para o fatídico dia a jogar um jogo de vídeo intitulado «World of Warcraft - Cataclysm».
Hal Varian, o economista principal do Google, afirmava que «proporcionar um acesso universal à informação permitirá aos pobres realizarem todo o seu potencial, o que será um benefício para toda a gente». Trata-se de uma posição francamente optimista: a informação, por si só, não chega.
Para algumas pessoas, a vastidão da Internet é letal. Para haver pensamento crítico, para se conseguir optimizar uma série de dados confusos acerca do funcionamento do mundo, é preciso ter uma personalidade madura. Breivik não tinha, e deixou-se absorver pela Internet, de tal maneira que a sua inteligência se foi dissolvendo, transformando-se num simples nódulo virtual.
É no contexto da família que a maior parte das pessoas absorve uma visão do mundo coerente e ordenada. Breivik não teve família. O pai, Jens Breivik, saiu de casa quando ele tinha um ano e não conseguiu obter a custódia do filho; aquele casamento era, para ele, o segundo de três. A mãe também teve três parceiros conjugais, e Breivik tinha múltiplos meios-irmãos.
Quem ele realmente é, o que realmente sente, é um mistério. Mas há uma afirmação reveladora sobre as pessoas que se conformam com os valores noruegueses contemporâneos: «A maior parte das pessoas que vão por aí compreendem, a determinada altura, que a vida que levam é uma existência oca. E anseiam por algo melhor, mas encontram-se limitadas pelas "regras do jogo" propagadas por todos os elementos da sociedade. Ao chegar a essa altura, um homem tem 30-40 e não tem família, não tem filhos.»
Trata-se de um retrato que se aplica a Anders Behring Breivik.
Andar pela Internet permite-nos aceder a factos, mas não nos proporciona os valores. A moral e o auto-conhecimento não se aprendem no Google; só se aprendem nas relações com os outros. Numa altura em que as famílias estão a dissolver-se e em que muitas crianças não se relacionam com os pais, quantos Breiviks estarão a preparar-se para emergir um dia?
Michael Cook - director de MercatorNet.
Aceprensa
Nota de JPR: a análise correcta, no meu entender, do perfil e génese de um assassino resvala para um manifesto simplório e consequentemente sem alicerces contra a internet e contra toda a sociedade contemporânea, carecendo de todo o sentido de compreensão sociológica e se quisermos de caridade cristã em relação aos muitos milhares de milhões de utentes da net.
Existe um provérbio anglo-saxónico que diz ‘if you can’t beat them, join them’ e diabolizar a net é a mesma coisa que enfiar a cabeça debaixo da areia.