Ocorreu, com pompa e circunstância, mais uma edição da Web Summit: um evento mundial dedicado às novas tecnologias, que teve o condão de reunir, em Lisboa, milhares de especialistas de todo o mundo, entre os quais o próprio inventor da net, Tim Berners-Lee, o primeiro-ministro de Portugal e o secretário-geral da ONU.
Quando, em 1989, Berners-Lee criou a internet, mais concretamente a world wide web ou, de forma abreviada, www, ninguém supunha que, em pouco mais de vinte e cinco anos, tornar-se-ia no principal meio de comunicação mundial. Mais ainda: hoje é praticamente uma necessidade, porque já quase não se consegue trabalhar, se não for ligado à net.
É pela net que nos chegam as principais notícias, em tempo real. Pela net temos acesso, quase instantâneo, à realidade internacional, sem necessidade de esperar, à hora certa, um noticiário que, para além de selectivo, filtra as notícias de forma que nem sempre é a mais isenta e objectiva. Na net temos, a qualquer hora do dia ou da noite, acesso a uma central de dados verdadeiramente impressionante, muito embora nem sempre a informação fornecida seja fidedigna. Por último, através da net temos a prodigiosa oportunidade de rever velhos amigos e conhecidos a quem, se calhar há já muito tempo, tínhamos perdido o rasto e que agora, graças a esta fantástico instrumento, reencontramos, à brevíssima distância de um clique.
É verdade que não há bela sem senão. Também este instrumento, que mais não é do que uma sofisticada e apurada tecnologia, é susceptível de se transformar num instrumento maligno, se for utilizado de forma contrária à dignidade humana. Com efeito, pela net pode-se fabricar uma bomba caseira; pela net pode-se contactar uma organização terrorista; pela net pode-se caluniar uma pessoa inocente; pela net pode-se cair na armadilha de uma falsa amizade; pela net pode-se perverter a fé; pela net pode-se ter acesso, gratuito e imediato, às piores depravações de que é capaz o género humano. E, a própria net, pode ser viciante: há quem tenha ficado tão doentiamente dependente destes meios, que já não consegue despegar do ecrã em que alienou a sua existência.
Entre os que louvam e quase idolatrizam esta tecnologia e os que a diabolizam, há um justo meio, que é onde se situa, precisamente, a doutrina da Igreja. Como instrumento que é, a net não é, em si mesma, boa nem má. Como qualquer outro meio tecnológico, a bondade ou maldade da net depende do objecto da acção em que for utilizada, bem como da intenção do agente. Uma caneta tanto serve para escrever um poema de amor, como para caluniar um ser humano ou uma instituição. A inteligência humana tanto pode descobrir a cura de doenças, como pode inventar novas torturas. A web é boa quando é utilizada para o bem, mas é prejudicial quando se transforma num mecanismo de ampliação do mal, numa estrutura de pecado.
É necessário defender o direito fundamental à liberdade de pensamento e de expressão, nomeadamente através das redes sociais. Mas essa prerrogativa irrenunciável não pode ser um pretexto para a irresponsabilidade, nem para a impunidade. É preciso que cada qual, também na sua actividade virtual, responda pelos seus actos, mesmo que se esconda sob um nickname. A liberdade não pode servir de desculpa para os circuitos de pedofilia, prostituição ou pornografia, nomeadamente infantil, que, graças ao anonimato que a web proporciona, encontram na rede o ambiente propício para a sua execrável acção. Hoje em dia, o combate à criminalidade organizada, sobretudo contra os mais indefesos, como são certamente as crianças, não pode ignorar estas novas realidades.
Alguém, há dois mil anos, disse-o com tal clareza que quase diríamos tratar-se do próprio Tim Berners-Lee, ou de outro ilustre participante na última edição da Web Summit: “o reino dos céus é ainda semelhante a uma rede (net, em inglês) lançada ao mar, que colhe toda a casta de peixes. Quando está cheia, os pescadores tiram-na para fora e, sentados na praia, escolhem os bons para cestos e deitam fora os maus” (Mt 13, 47-48).
Já que a Portugal coube a honra de acolher este fórum internacional, assuma também a missão de, sem menoscabo da liberdade de pensamento e de expressão, responsabilizar quem utiliza a net como instrumento de ódio ou de qualquer tipo de exploração.
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Voz da Verdade