Sempre que começa um novo ano, fazem-se propósitos e desejam-se as maiores felicidades aos familiares e amigos. Decerto, nada de mal há nesse costume social, que pode ser entendido de forma cristã, na medida em que um novo ano é sempre, um ano da graça do Senhor (Lc 4, 19).
O mesmo já não se pode dizer de certas práticas ligadas à passagem de ano: crer que a qualidade do novo tempo depende dos astros, do horóscopo, de umas quantas passas comidas à pressa, enquanto tocam as doze badaladas que assinalam a transição de ano é, certamente, uma absurda superstição. Também se incorre numa atitude irracional quando se espera que um novo ano seja melhor do que o anterior, só porque é outro. É curioso que essa convicção, que é tão comum em relação à passagem de ano, não o seja em relação à sucessão dos meses, das semanas ou dos dias. Ninguém espera que Fevereiro seja melhor do que Janeiro, nem Março melhor do que Fevereiro e, contudo, a mudança é a mesma que ocorre, todos os anos, entre o último dia de Dezembro e o primeiro de Janeiro. Então, porquê esta esperança de que o novo ano realize as expectativas que não esperamos dos meses que hão-de vir se, precisamente, o novo ano mais não é do que uma sucessão de meses?! Na realidade, a magia do ano novo reside na suposição de que, porque é diferente, a nossa vida também o será. Seria ilusório pensá-lo em relação a um dia apenas, uma só semana ou, até, um mês. Mas o ano, na sucessão de doze meses de aproximadamente trinta dias de vinte e quatro horas diárias, parece ser um tempo possível para que aconteça o que, a nível pessoal, familiar ou profissional, mais desejamos. Também essa suposição é, afinal, uma superstição. Pode ser até pior: uma alienação, que nos desculpa de não fazer o que devemos para que esses propósitos se realizem. Se acredito que é meu fado que alguma coisa aconteça, nada farei, porque o destino se encarregará de realizar o que, como dizem os fatalistas, tiver que ser! Esta atitude de fé no destino não é cristã, porque esquece que o ser humano está chamado a ser, com a graça de Deus mas também pela sua acção e palavra, autêntico protagonista da sua existência, da vida da Igreja e do mundo. Não somos meros espectadores do que acontece, em nós e nos outros, mas responsáveis pelo que somos e fazemos, como também pela família a que pertencemos, pela nossa comunidade eclesial e pelo nosso país. Não faltam cristãos que se refugiam no que alguém designou de forma curiosa: a mística do oxalá. Com esta curiosa expressão, aludia à atitude dos fiéis que se demitem das suas responsabilidades pessoais, familiares, sociais e eclesiais, por razão de um comodismo egoísta, disfarçado de destino. Oxalá fosse novo, dizem os velhos; oxalá fosse solteiro, dizem os casados; oxalá fosse padre, dizem os leigos; oxalá fosse saudável, dizem os doentes; oxalá fosse rico, dizem os pobres; oxalá tivesse trabalho, dizem os desempregados e reformados, etc. Com certeza que, nesta vida, nunca estamos numa situação ideal, porque há sempre algum aspecto susceptível de melhora. Mas, em vez de nos entretermos com inúteis queixumes sobre o que poderia ser a nossa vida e, pela certa, nunca será, devemos pensar o que é que podemos e devemos fazer, aqui e agora, para que a nossa vida seja mais autenticamente cristã, a nossa família seja mais feliz, a nossa empresa seja mais produtiva, a nossa paróquia mais acolhedora, a nossa acção social mais abrangente. Na verdade, neste novo ano de 2019, há uma apaixonante missão a cumprir pelos novos e pelos velhos, pelos solteiros e pelos casados, pelos padres e pelos leigos, pelos sãos e pelos doentes, pelos ricos e pelos pobres, pelos trabalhadores e pelos desempregados e reformados! Todos somos precisos para a missão, porque ninguém está dispensado de ser e fazer a Igreja que somos em Cristo Nosso Senhor. Oxalá este ano 2019 não seja apenas uma continuação de 2018, por muito bom que este tenha sido, como certamente foi. Este novo ano tem que ser melhor, não porque as circunstâncias são outras, ou porque a conjuntura é agora mais favorável, ou por qualquer outra razão exterior. Não são as coisas boas que fazem bons os anos, mas as boas pessoas: se cada um de nós melhorar um pouco na sua relação com Deus e com os outros, na sua família, no seu trabalho e na sua participação na estrutura eclesial, nós seremos melhores, melhor será a nossa família, melhor será o nosso ambiente de trabalho e a nossa comunidade cristã. Não teremos mudado o mundo, mas o mundo terá ficado um pouco melhor, à conta da nossa melhoria pessoal, familiar, profissional e eclesial. E, então sim, este novo ano será mesmo um ano novo!
Pe. Gonçalo Portocarrero de Almada in Voz da Verdade