Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Bento XVI explica o significado do Concílio Vaticano II: uma síntese de fidelidade e dinamismo

Excertos do discurso proferido pelo Papa à Cúria Romana, no seu balanço de fim do ano de 2005, quarenta anos depois da conclusão do Concílio Vaticano II 

Por que razão a recepção do Concílio, em grande parte da Igreja até agora teve lugar de modo tão difícil? Pois bem, tudo depende da justa interpretação do Concílio ou - como diríamos hoje - da sua correcta hermenêutica, da justa chave de leitura e aplicação. Os problemas da aceitação derivaram do facto de que duas hermenêuticas contrárias se embateram e disputaram entre si. Uma causou confusão; a outra, silenciosamente mas de modo cada vez mais visível, produziu e produz frutos.  


Duas interpretações 
Por um lado, existe uma interpretação que gostaria de definir «hermenêutica da descontinuidade e da ruptura»; não raro, ela pôde valer-se da simpatia dos meios de comunicação e também de uma parte da teologia moderna. Por outro lado, há a «hermenêutica da reforma», da renovação na continuidade do único sujeito-Igreja que o Senhor nos concedeu; é um sujeito que cresce no tempo e se desenvolve, permanecendo, porém, sempre o mesmo único sujeito do Povo de Deus a caminho. A hermenêutica da descontinuidade corre o risco de terminar numa ruptura entre a Igreja pré-conciliar e a Igreja pós-conciliar. Afirma que os textos do Concílio como tais ainda não seriam a verdadeira expressão do espírito do Concílio. Seriam o resultado de compromissos em que, para alcançar a unanimidade, foi necessário arrastar atrás de si e confirmar muitas coisas antigas, já inúteis. Contudo, não seria nestes compromissos que se revelaria o verdadeiro espírito do Concílio e a sua novidade, seria preciso ir corajosamente para além dos textos, deixando espaço à novidade em que se expressaria a intenção mais profunda, embora indistinta do Concílio. Em síntese, seria necessário seguir não os textos do Concílio, mas o seu espírito. Deste modo, obviamente, permanece uma vasta margem para a pergunta sobre o modo como, então, se define este espírito e, por conseguinte, se concede espaço a toda a inconstância. Assim, porém, confunde-se na origem a natureza de um Concílio como tal. Deste modo, ele é considerado como espécie de Assembleia Constituinte que elimina uma situação velha e cria outra nova. Mas a Assembleia Constituinte tem necessidade de um mandatário e, depois, de uma confirmação por parte do mandatário ou seja, do povo, ao qual a constituição deve servir. Os Padres não tinham tal mandato e ninguém lho tinha dado; ninguém, afinal, podia dá-lo porque a constituição essencial da Igreja vem do Senhor. (...). 

O Concílio como reforma 
 À hermenêutica da descontinuidade opõe-se a hermenêutica da reforma, como antes as apresentou o Papa João XXIII no seu discurso de abertura do Concílio em 11 de Outubro de 1962 e, posteriormente, o Papa Paulo VI no discurso de encerramento a 7 de Dezembro de 1965. Desejo citar aqui somente as palavras tão conhecidas de João XXIII, nas quais esta hermenêutica é expressa inequivocamente quando diz que o Concílio «quer transmitir a doutrina pura e íntegra sem atenuações nem desvios» E continua: «O nosso dever não é somente guardar este tesouro precioso, como se nos preocupássemos unicamente pela antiguidade, mas dedicar-nos com diligente vontade e sem temor a esta obra, que a nossa época exige...É necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser fielmente respeitada, seja aprofundada e apresentada de modo que corresponda às exigências do nosso tempo. De facto, uma coisa é o depósito da fé, isto é, as verdades contidas na nossa veneranda doutrina e, outra coisa, é o modo com o qual elas são enunciadas, conservando nelas, porém, o mesmo sentido e o mesmo resultado» ... É claro que este cuidado de exprimir no modo novo uma determinada verdade exige uma nova reflexão sobre ela e uma nova relação vital com a mesma; é claro também que a nova palavra pode maturar somente se nasce de uma compreensão consciente da verdade expressa e que, por outro lado, a reflexão sobre a fé exige igualmente que se viva esta fé. Neste sentido o programa proposto pelo Papa João XXIII era extremamente exigente, como também é exigente e dinâmica a síntese de fidelidade. Porém, onde quer que esta interpretação tenha sido a orientação que guiou a recepção do Concílio, cresceu uma nova vida e amadureceram novos frutos. Quarenta anos depois do Concílio podemos realçar que o positivo é muito maior e mais vivo do que não podia parecer na agitação por volta do ano de 1968. Hoje vemos que a boa semente, mesmo desenvolvendo-se lentamente, cresce também assim a nossa profunda gratidão pela obra realizada pelo Concílio. 

Igreja e Idade Moderna 

 Paulo VI, no seu discurso de conclusão do Concílio, indicou ainda uma específica motivação pela qual uma hermenêutica da descontinuidade poderia parecer convincente. No grande debate sobre o homem, que distingue o tempo moderno, o Concílio devia dedicar-se de modo particular ao tema da antropologia. Devia interrogar-se sobre a relação entre a Igreja e a sua fé, de um lado, e o homem e o mundo de hoje, de outro. A questão torna-se ainda mais clara se, em vez do termo genérico de «mundo de hoje», escolhêssemos outro mais exacto: o Concílio devia determinar de modo novo a relação entre a Igreja e a era moderna Esta relação tinha tido um início muito problemático: o processo a Galileu. Rompeu-se, depois, totalmente quando Kant definiu «a religião no contexto da pura razão» e, quando na fase radical da revolução francesa, se difundiu uma imagem do Estado e do homem que para a Igreja e para a fé praticamente não desejava conceder qualquer espaço. O choque da fé da Igreja com o liberalismo radical e também com as ciências naturais, que pretendiam abarcar com os seus conhecimentos toda a realidade, propondo-se obstinadamente tornar supérflua a «hipótese de Deus», tinha provocado no século XIX, na altura de Pio IX, por parte da Igrejas ásperas e radicais condenações de tal espírito da era moderna. Aparentemente, não restava qualquer âmbito aberto a um entendimento positivo e frutuoso. Era também drástica a rejeição por parte dos que se sentiam representantes da idade moderna. Enquanto isso, porém, também a era moderna conheceu evolução. Percebia-se que a revolução americana tinha oferecido um modelo de Estado moderno diferente do teorizado pelas tendências radicais originadas na segunda fase da revolução francesa. As ciências naturais começavam, de modo sempre mais claro, a reflectir sobre o limite imposto pelo seu próprio método que, mesmo realizando coisas grandiosas, todavia, não era capaz de compreender a globalidade da realidade. Assim, ambas as partes começavam progressivamente a abrir-se uma à outra. No período entre as duas guerras mundiais e, ainda mais, depois da segunda guerra mundial, homens de Estado católicos demonstraram que pode existir um Estado laico moderno, que, porém, não é neutro em relação aos valores, mas vive nutrindo-se das grandes fontes éticas abertas pelo cristianismo. A doutrina social católica, pouco a pouco ia-se desenvolvendo e tornou-se um modelo importante entre o liberalismo radical e a teoria marxista do Estado. (...). 

Três questões por resolver 
 Poder-se-ia dizer que se formaram três círculos de perguntas, que esperavam uma resposta. Antes de mais, era preciso definir de modo novo a relação entre fé e ciência moderna; isto dizia respeito, finalmente, não apenas às ciências naturais mas, também, à ciência histórica pois numa determinada escola, o método histórico-crítico reclamava para si a última palavra na interpretação da Bíblia e, pretendendo a plena exclusividade para a sua compreensão das agradas Escrituras, opunha-se em pontos importantes da interpretação que a fé da Igreja tinha elaborado. Em segundo lugar, era preciso definir de modo novo a relação entre a Igreja e o Estado moderno, que abria espaço aos cidadãos de várias religiões e ideologias, comportando-se em relação a estas religiões de modo imparcial e assumindo simplesmente a responsabilidade por uma convivência ordenada e tolerante entre os cidadãos, e favorável à liberdade de exercer a própria religião. A isto, em terceiro lugar, estava ligado de modo geral o problema da tolerância religiosa uma questão que exigia uma nova definição sobre a relação entre a fé cristã e as religiões do mundo. Em particular, diante dos recentes crimes do regime nacional-socialista e, em geral, num olhar retrospectivo a uma longa e difícil história, era preciso avaliar e definir de modo novo a relação entre Igreja e a fé de Israel. 

Uma ruptura aparente 
 São temas de grande envergadura, face aos quais não é possível deter-se mais amplamente neste contexto. É claro que em todos estes aspectos que, no seu conjunto, formam um único problema podia emergir alguma forma de descontinuidade e que, em certo sentido, se manifestou efectivamente. No entanto, era uma descontinuidade em que, tendo em conta as situações históricas concretas e as suas exigências, não votava ao abandono a continuidade nos princípios, facto que não se capta à primeira vista. A natureza da verdadeira reforma consiste precisamente na combinação entre continuidade e descontinuidade a diversos níveis. Neste processo de novidade na continuidade devíamos aprender a compreender, com maior exactidão do que antes, que as decisões da Igreja em relação às coisas contingentes, por exemplo, certas formas de liberalismo ou de interpretação liberal da Bíblia deviam necessariamente ser contingentes, justamente porque referidas a uma determinada realidade em si mesma mutável. Era preciso aprender a reconhecer que, em tais decisões, somente os princípios exprimem o aspecto duradouro, permanecem em pano de fundo e motivam as decisões a partir de dentro. Assim as decisões de fundo podem continuar a ser válidas, enquanto as formas da sua aplicação a estes novos contextos podem mudar. 

A liberdade religiosa num novo contexto 
 Assim, por exemplo, se a liberdade religiosa for considerada como expressão da incapacidade do homem para encontrar a verdade e, consequentemente, se tornar a canonização do relativismo, desse modo eleva-se impropriamente essa liberdade do plano da necessidade social e histórica para o nível metafísico e fica privada do seu verdadeiro sentido. Como consequência, não poder ser aceite por quem crê que o homem é capaz de conhecer a verdade de Deus e, com base na dignidade interior da verdade, está ligado a tal conhecimento. Uma coisa completamente diversa é, porém, considerar a liberdade religiosa como uma necessidade que deriva da convivência humana, aliás, como uma consequência intrínseca da verdade que não pode ser imposta do exterior, mas deve ser feita pelo próprio homem somente mediante o processo de convencimento. O Concílio Vaticano II, com o Decreto sobre a liberdade religiosa, reconhecendo e fazendo seu um princípio essencial do Estado moderno, recuperou o património mais profundo da Igreja. (...). Uma Igreja missionária que, como se sabe, insiste em anunciar a sua mensagem a todos os povos, deve empenhar-se pela liberdade da fé. Ela deseja transmitir o dom da verdade que existe para todos e, enquanto isso, assegura aos povos e aos seus governos que não quer destruir a sua identidade e as suas culturas, mas que lhes leva uma resposta que, no seu íntimo, esperam. Uma resposta que, com a multiplicidade das culturas, não se perde, mas que, pelo contrário, aumenta a unidade entre os homens e também a paz entre os povos. 

Eliminar contradições erróneas 
 O Concílio Vaticano II, com a nova definição da relação entre a fé da Igreja e determinados elementos essenciais do pensamento moderno, reviu ou, melhor, corrigiu algumas decisões históricas, mas nesta aparente descontinuidade, manteve e aprofundou a sua íntima natureza e a sua verdadeira identidade. A Igreja, quer antes quer depois do Concílio é a mesma Igreja una, santa, católica e apostólica peregrina nos tempos. (...). Quem pensava que, com este «sim» fundamental à Idade Moderna se iam dissipar todas as tensões e a «abertura ao mundo» transformasse tudo em pura harmonia, tinha minimizado a as tensões interiores e as contradições da própria idade moderna; e subvalorizado a perigosa fragilidade da natureza humana que, em todos os períodos da história e em cada constelação histórica é uma ameaça para o caminho do homem. Estes perigos com as novas possibilidades e com o novo poder do homem sobre a matéria e sobre si mesmo, não desapareceram, mas assumem novas dimensões: um olhar sobre a história actual demonstra-o claramente. Também no nosso tempo, a Igreja permanece um «sinal de contradição». (...). Não podia ser intenção do Concílio abolir esta contradição do Evangelho em relação aos perigos e aos erros do homem. Era, porém, realmente sua intenção deixar de lado contradições erróneas ou supérfluas, para apresentar a este nosso mundo a exigência do Evangelho em toda a sua grandeza e pureza. O passo dado pelo Concílio no sentido da idade moderna que, de modo tão impreciso, foi apresentado como «abertura ao mundo» pertence , em última análise, ao perene problema da relação entre fé e razão que se apresenta sempre de novas formas. 

Diálogo entre razão e fé 
A situação que o Concílio devia enfrentar é comparável aos acontecimentos das épocas precedentes. São Pedro, na sua primeira Carta, tinha exortado os cristãos a estar sempre prontos a responder ("apo-logia") a quem quer que perguntasse o logos, a razão da sua fé (3,15). Isto significava que a fé bíblica devia entrar em debate e, em relação com a cultura grega, aprender a reconhecer - mediante a interpretação - a linha de distinção, mas igualmente, o contacto e a afinidade entre elas na única razão dada por Deus. Quando, no século XIII, através dos filósofos judeus e árabes, o pensamento aristotélico entrou em contacto com a cristandade medieval formada na tradição platónica e que, fé e razão, correram o risco de entrar em contradição inconciliável, foi, sobretudo, S. Tomás de Aquino a mediar o novo encontro entre fé e filosofia aristotélica, colocando, assim, a fé em uma relação positiva com a forma de raciocínio dominante no seu tempo. O difícil debate entre a razão moderna e a fé que, num primeiro momento, com o processo a Galileu, se iniciou de modo negativo, certamente conheceu muitas fases, mas com o Concílio Vaticano II chegou a hora em que se requeria uma ampla reflexão. O seu conteúdo, nos textos conciliares, foi traçado só em linhas gerais, mas com isto determinou a direcção essencial. Deste modo, o diálogo entre razão e fé, hoje particularmente importante, encontrou a sua orientação no Vaticano II. Agora, este diálogo precisa de desenvolver-se com grande abertura mental, mas igualmente com aquela clareza de discernimento dos espíritos que o mundo, justificadamente, espera de nós neste preciso momento. (...).»

Aceprensa

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