O BE já declarou que a sua ‘prioridade das prioridades’ é a extensão da figura jurídica do casamento às uniões entre pessoas do mesmo sexo, incluindo a adopção de crianças. O PS também já ameaçou que irá decidir “muito brevemente” sobre o ‘casamento’ homossexual, de acordo com o seu programa eleitoral. Esta agenda e esta pressa têm sido criticadas por alguns como uma ‘distracção’ – ou alienação – relativamente às questões que preocupam realmente os portugueses e que exigiriam uma pronta resposta política: a fragilidade governativa, a recessão mundial e a profunda crise económica e financeira em que o país – falido e decadente – se afunda. Seria como estar a discutir o sexo dos anjos quando a civilização está a ruir, como em Bizâncio. Tenho opinião contrária. Não se trata certamente de anjos. Não se trata tão-pouco da sexualidade de cada um, que é assunto privado. Trata-se, sim, do casamento, que é uma questão política básica, uma vez que essa instituição está nos fundamentos da comunidade cívica, porquanto constitui a sua célula básica: o lugar natural para a regeneração da sociedade e para a primeira socialização e formação primária dos seus membros. O mundo, tal como o conhecemos, não vai acabar devido às enormes dificuldades financeiras que actualmente defronta. Mas a destruição do casamento pode, sim, acabar com ele.
O que mais assusta e repugna, contudo, é a adopção de crianças, privadas do seu direito de ter um pai e uma mãe. Porque, mesmo que essa proposta do BE não vingue já, a seguir ao ‘casamento’ dificilmente deixaria de se reivindicar a adopção, em nome do princípio da igualdade, com aconteceu em Espanha e noutros países. Ora o bem das crianças, neste caso, é o único critério relevante: a criança não pode ser instrumentalizada ou reduzida a objecto que se reivindica. Esse bem exige que entre adoptantes e adoptado se estabeleçam laços o mais possível próximos dos que são próprios da filiação natural. Todo o regime jurídico da adopção reflecte este princípio. Não há ainda evidência empírica suficiente ou conclusiva sobre as repercussões emotivas, psicológicas e vitais nas crianças educadas no seio de ‘casais’ homossexuais. Mas as crianças não podem ser tratadas como cobaias em experiências radicais. E parece sensato e razoável temer o pior. Não é só a ausência de referente materno ou paterno: é a inevitável confusão entre ambos (dois ‘pais’, duas ‘mães’…), com efeitos perturbadores da própria identidade originária e sexual.
Para além da extrema-esquerda, um grande número de deputados socialistas está muito empenhado nesta questão: porque corresponde às suas convicções e porque vinga o seu progressismo da política económica “de direita” do Partido. Em qualquer caso, não está a “atirar poeira” para desviar a nossa atenção dos assuntos verdadeiramente importantes, como não esteve no tocante à lei do divórcio. Não: os assuntos verdadeiramente importantes são mesmo estes. Porque essa facção do PS, como o BE ou PC, considera ser crucial abolir a família e o casamento. Isso está no seu DNA e nas suas mais remotas ‘escrituras’. Eles querem mesmo construir um ‘mundo novo’, povoado de ‘indivíduos novos’, não necessariamente humanos. Concordo que estas são as questões importantes. Mas, quanto a mim, prefiro este mundo ‘velho’ – feito de homens e mulheres, nascidos (ou adoptados) de casamentos entre homens e mulheres, com pais e mães, irmãos e irmãs, primos, tias e avós – do que o mundo admirável de Zapatero, Louçã e Sócrates, de inocentes adoptados e crianças produzidas ‘in vitro’, com ‘progenitores’ de tipo A e tipo B.
Pedro Rosa Ferro, Economista
In jornal Público 06/11/2009
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