Era uma vez um casal
profundamente normal. Tal era a sua unidade matrimonial, que os dois utilizavam
a mesma pasta de dentes. Ele era um homem metódico. Gostava de dobrar com
grande cuidado o tubo à medida que ele se gastava. Ela, pelo contrário, era uma
mulher temperamental. Preferia apertar o tubo onde lhe desse mais jeito, sem
excessivas precisões. Esta desarmonia gerava frequentes discussões. Tais
“atritos” quase chegaram a ser uma verdadeira tragédia com um final pouco feliz.
Até que um dia os dois “descobriram”
o caminho da felicidade. Ser marido e mulher não significava compartilhar exactamente
as mesmas opiniões sobre tudo. Por isso, cada um passou a ter o seu tubo de
pasta de dentes e a apertá-lo de acordo com o seu carácter. Aprenderam, com
este modo de actuar, a respeitar esse pequeno âmbito de individualidade.
Superaram, neste diminuto detalhe, as pretensões de imporem-se mutuamente os
seus critérios ou gostos pessoais.
Este caso faz-nos meditar.
Conviver não é uma tarefa fácil. Todos nós tendemos a inculcar aos outros o
nosso modo de ver as coisas. É preciso que nos convençamos de que isso não
acontece somente na casa ao lado. Também está presente na nossa relação com os
outros. Reconhecê-lo é o primeiro passo para que exista da nossa parte uma
atitude de abertura em relação à perspectiva alheia.
Então aprenderemos a ser
flexíveis. Flexibilidade não é frouxidão de carácter, muito pelo contrário. É
capacidade de reconhecer as nossas limitações, sem as disfarçar com a capa de
um “carácter original”. Só partindo desta verificação poderemos superar os
nossos defeitos.
Depois do reconhecimento
vem o esforço. Um esforço sincero. Sem aparentar uma segurança ou uma
auto-suficiência que não possuímos. Geralmente é esta aparência que nos torna
difíceis na convivência. Não somos melhores do que ninguém. Pensar que isso não
é bem assim é o que, habitualmente, nos separa dos outros. Não são as nossas
limitações.
O esforço sincero inclui
uma característica muito importante: ouvir os outros. Ouvir não é somente
escutar. É uma atitude de quem deseja de verdade compreender o outro e aquilo
que ele tem para nos dizer. É prestar atenção. É não limitar a nossa capacidade
de aprender. É não permitir que “ideias fixas” substituam o pensamento aberto e
livre.
São estas “ideias”,
diferentes das nossas convicções profundas, que impedem a atitude de abertura
que é fundamental para o diálogo. E porque a violência é néscia e não resolve
nada. E o desprezo dos outros também não. O diálogo é a única solução verdadeira
para os problemas da convivência. Dizia-me recentemente um amigo ao celebrar as
suas bodas de ouro: «Cinquenta anos de casamento são cinquenta anos de
diálogo».
Rodrigo Lynce de Faria
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