As complexas relações entre Vaticano e imprensa internacional dos anos do concílio até ao pontificado de Bento XVI
A ideia deste livro nasce de um encontro que "L'Osservatore Romano", por ocasião do seu sesquicentenário, organizou no Vaticano a 10 de Novembro de 2011. Para enfrentar - e foi a primeira vez em absoluto - a relação, complicada e difícil, entre Igreja católica e mass media. Com um título, Incompreensões, certamente eficaz, mas que à primeira vista poderia parecer redutivo. Mas o dia não correu esse risco, como demonstram estas páginas, escritas por personagens de primeiro plano no âmbito dos estudos e da comunicação: dois professores de história contemporânea, cinco jornalistas não italianos e um cardeal. Vozes diversas entre si mas unidas pela vontade de entender sem teses preconcebidas um ponto crucial que, embora não seja limitado aos últimos anos, inclui argumentos de muita actualidade.
Difícil o tema tratado aqui. Foi estabelecido com originalidade em 1994 por um teólogo americano: num artigo sobre as dificuldades entre Igreja e mass media, Avery Dulles introduziu a questão com uma história divertida, que se não for verdadeira pelo menos é provável. A um bispo europeu acabado de chegar aos Estados Unidos um jornalista pergunta agressivamente se visitaria alguns night clubs. O entrevistado pensou que se sairia bem recorrendo à ironia e replicou: "Mas aqui há algum?". Com o resultado que no dia seguinte o prelado se vê publicado no jornal com o título, formalmente irrepreensível: A primeira pergunta do bispo: há night clubs em Nova Iorque?
Precisamente na metrópole americana, Paulo VI em 1965 diante das Nações Unidas - onde um Papa falava pela primeira vez - definiu a Igreja "perita em humanidade". Eis que, parafraseando esta expressão pode-se dizer, sem qualquer ênfase, que a tradição cristã é também perita em comunicação. Demonstra-o vinte séculos de história, através da veemente circulação de textos que caracteriza já as primeiras gerações cristãs até ao papel de vanguarda assumido neste âmbito pela Santa Sé durante os últimos 150 anos.
Em 1861 inicia a publicação de "L'Osservatore Romano" enquanto a Rádio Vaticano, projectada por Guglielmo Marconi, começa a transmitir depois de setenta anos, em 1931. O protagonismo mediático da Igreja começa a ser mais evidente nos anos Trinta e depois até ao final dos Cinquenta, durante os pontificados de Achille Ratti (Pio XI) e Eugenio Pacelli (Pio XII), com o desempenho crescente de um seu futuro sucessor, Giovanni Battista Montini (Paulo VI). De facto, além da criação da estação de rádio, Ratti imprimiu um forte impulso a diversas iniciativas em âmbito informativo e, durante a sede vacante aberta devido à sua morte em 1939, constituiu-se no "L'Osservatore Romano" um departamento que representou de facto o antepassado da actual Sala de Imprensa da Santa Sé. No conclave daquele ano, brevíssimo, foi eleito Pacelli, que fez cada vez mais uso da rádio, e o exórdio no cinema, comparecendo também nos écrãs em branco e preto da recém-nascida televisão.
Em 1950 precisamente Montini, que estava há treze anos nos vértices da Secretaria de Estado como "substituto", durante o primeiro encontro com Jean Guitton, confidenciou ao intelectual francês uma preocupação que depois será central nos anos do concílio Vaticano II (1962-1965) e sobretudo durante o seu pontificado (1963-1978): "É preciso que saibamos ser antigos e modernos, falar segundo a tradição mas também em conformidade com a nossa sensibilidade. Para que serve dizer o que é verdadeiro se os homens do nosso tempo não nos compreendem?".
Então, por que existem essas incompreensões com os meios de comunicação para uma instituição perita em comunicação? Antes de tudo, o problema histórico cruza-se com os pontos ambivalentes da secularização e da modernidade, não fáceis de entender e de resolver numa tradição de longa data como a cristã na qual a continuidade apresenta duas faces, como uma medalha: força vital e lentidão.
Algumas sugestões a propósito podem vir das entrevistas aos Papas, também esta uma vicissitude mais do que secular.
De facto, a primeira foi a de Leão XIII sobre o anti-semitismo, publicada na primeira página de "Le Figaro" de 4 de Agosto de 1892 por Séverine, pseudónimo de Caroline Rémy. Nome célebre, a jornalista apresentou-se ao secretário de Estado, Mariano Rampolla del Tindaro, numa carta de 9 de Julho, como "uma mulher que tinha sido cristã e se lembrava disso, para amar as crianças e defender os débeis" e "uma socialista que, se não está em estado de graça, preservou intacto, no coração ferido, o respeito profundo pela fé, a veneração pelas velhices respeitáveis e pelas soberanias prisioneiras". A solicitação foi rapidamente atendida e a entrevista teve lugar no domingo 31 de Julho. Revista pelo secretário de Estado que a favoreceu, não satisfez contudo a Santa Sé e levantou uma tempestade mediática.
Mais de setenta anos depois, a 24 de Setembro de 1965, muito diferente foi o encontro de Paulo VI com Alberto Cavallari, que publicou a entrevista no "Corriere della Sera" de 3 de Outubro, abrindo a pesquisa reunida no ano seguinte no livro Il Vaticano che cambia. O jornalista escreveu: "Vi um homem descontraído, espontâneo, pouco semelhante ao papa magro, tenso, ou introverso, nervoso, ou diplomático, que habitualmente se descreve. "Sabe, é com prazer que falamos do Vaticano" disse imediatamente o papa com afabilidade, com expressão subtil. "Hoje muitos procuram entender-nos e estudar-nos. Há muitos livros sobre a Santa Sé e o Concílio. E alguns são até bem feitos, como vê. Mas muitos afirmam que a Igreja pensa certas coisas sem nunca ter perguntado à Igreja o que ela pensa. Enquanto, depois de tudo, também o nosso parecer deveria contar algo em tema de religião". Aqui o papa fez uma pausa, um parêntese divertido. Depois, continuou, deixando de sorrir: "Mas damo-nos conta de que não é fácil entender o que se faz e se debate no mundo da Igreja. Também o papa, sabe, por vezes tem dificuldade em compreender o mundo de hoje". Após este preâmbulo sem formalidades, tão francamente humano, Paulo VI falou sobre os argumentos mais importantes do seu pontificado".
Depois daquela que se pode considerar a história antiga da informação vaticana, ritmada por autorias deveras de primeiríssima categoria - basta lembrar, na Itália, a de Silvio Negro, e não deve ser esquecida a actividade jornalística de Ernesto Buonaiuti - chegou o tempo, por assim dizer, da festa de núpcias e da lua-de-mel. Isto é, os anos no ínicio dos Golden Sixties, de João XXIII, imediatamente apresentado pelos meios de comunicação como "o papa bom" e da nova estação conciliar, com um boom informativo e mediático da Santa Sé; um tempo que todavia se obscureceu na segunda metade daquela década, traumaticamente marcado em 1968 pela tempestade que se abateu contra a encíclica Humanae vitae e contra o Papa Montini.
Inicialmente ovacionado pelo favor mediático, Paulo VI experimentou desde então fortes oposições, como teria acontecido, por quase todo o pontificado, ao seu segundo sucessor, João Paulo II (1978-2005), primeiro Papa não italiano depois de quase 500 anos.
Para tentar falar ao mundo contemporâneo, o género tipicamente jornalístico do livro-entrevista foi repetidamente utilizado quer pelo Pontífice polaco - com André Frossard pouco depois do atentado de 1981 e em 1993 em duas ocasiões, com Vittorio Messori e com Józef Tischner e Krzysztof Michalski - quer por Joseph Ratzinger, quatro vezes: como cardeal, em 1984 com Messori e depois com Peter Seewald em 1996, em 2000 e como Papa, em 2010. Uma progressão que indica como esta nova forma entrou totalmente nas escolhas de comunicação do Papa e de importantes representantes da Igreja.
Durante o concílio Vaticano II, para escrever nos jornais sobre argumentos nunca antes enfrentados pelos mass media, foram recrutados muitos "peritos": eclesiásticos, ou com frequência ex-eclesiásticos, naturalmente muito envolvidos com estes temas, com ausência total ou quase de mulheres. A própria presença de tais "peritos" constitui um primeiro problema interpretativo e histórico, que marca na origem e nas décadas sucessivas a informação religiosa, face ao problema actual, quando o fenómeno é menos importante, e na base de muitas incompreensões estão a secularização e, sobretudo, o declínio cultural e a decadência da informação, em particular da religiosa.
Contudo a impressão, subtil mas inevitável, é de que hoje há menos vontade de compreender realmente os anos do concílio Vaticano II e a década sucessiva. E isto aconteceu por muitos motivos, que em parte sobressaem das vozes reunidas neste livro, o qual surgiu precisamente para entender: enfrentando um tema que não por acaso, depois dos pontificados da segunda metade do século XX, juntamente com o de Joseph Ratzinger, parece apresentar-se com maior clareza. Com perguntas como as expressas com inteligência por dois jornalistas franceses: Bernard Lecomte, o biógrafo de João Paulo II, que Marc Leboucher entrevistou num livro-entrevista intitulado Perchè il papa ha cattiva stampa, e Isabelle de Gaulmyn - uma mulher, finalmente - que traçou um perfil de Bento XVI definindo-o já no título "incompreendido".
Não por acaso, agora nos questionamos sobre estes temas. Na última entrevista a Peter Seewald, com efeito, o Papa - que é sensibilíssimo aos temas da comunicação, precisamente porque é um requintado conhecedor da tradição cristã, e com a sua linguagem límpida e não auto-referencial quer e sabe fazer-se compreender por todos, não só pelos católicos - disse: "Eu penso que Deus, escolhendo como Papa um professor, tenha desejado realçar exactamente este momento de aprofundamento e de esforço pela união entre fé e razão".
Sem evitar, como escreve Cavallari de Paulo VI, inclusive os temas mais difíceis e críticos, "como homem do nosso tempo, que nada pretende evitar, claramente decidido a uma sinceridade que rejeita as relações fáceis". Com uma finalidade única, que tem muito clara diante de si: falar de Deus, a única realidade deveras necessária.
(© L'Osservatore Romano - 10 de Março de 2013)
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