Era já de provecta idade. Considerava-se, com toda a humildade, um verdadeiro especialista em obras de arte. Um dia, foi visitar um museu com um grupo de amigos. Logo no início da visita, começou a manifestar as suas contundentes opiniões. Inadvertidamente, tinha-se esquecido dos óculos em casa. Mesmo assim, não se coibiu de satirizar as diferentes pinturas com a sua veemência característica.
Ao parar diante de um “retrato”, analisou-o com ar arrogante: «O homem está mal vestido. O artista cometeu um erro de palmatória. O modelo é demasiado vulgar. Resumindo e concluindo: esta pintura não tem qualidade nenhuma». A sua mulher, ao aperceber-se da barraca que o marido armava, aproximou-se discretamente e sussurrou-lhe: «Querido, estás a olhar para um espelho». Moral da história: custa-nos reconhecer os nossos defeitos. Quando os vemos nos outros, parecem-nos muito grandes.
Além disso, também podemos concluir que, muitas vezes, o melhor modo de nos darmos conta da necessidade que temos de lutar contra os nossos defeitos é vê-los “encarnados” noutra pessoa. Nesse caso, os defeitos vêem-se com objectividade, sem névoas que procedem do nosso amor-próprio.
Desaparece a típica indulgência automática que possuímos connosco próprios. Os defeitos aparecem como aquilo que são: algo mais vivo, mais áspero, menos agradável, mais necessitado de uma mudança urgente. As nossas imperfeições ― contempladas com a realidade que dá ver as coisas com uma perspectiva exterior ― parecem-nos menos lógicas e muito menos desculpáveis. Para melhorarmos, é preciso que não tenhamos medo de olharmos para elas cara a cara, chamá-las pelo seu nome e esforçar-nos por erradicá-las sem falsas compreensões.
O esforço é exigente, sem dúvida nenhuma. Mas, evidentemente, vale a pena. Não é nada fácil reconhecer os nossos defeitos e admitir a necessidade de esforçarmo-nos por superá-los. Mesmo não sendo fácil, esse passo prévio é fundamental para podermos melhorar com o passar do tempo. Não basta deixarmos os anos correrem.
O passar dos anos melhora o vinho do Porto ― mas não o nosso carácter. O que aperfeiçoa o nosso carácter é o esforço por arrancar ― ou pelo menos diminuir ― as nossas imperfeições. E não nos enganemos: sem uma visão objectiva dessas imperfeições não há esforço de nenhum tipo. Ficam só os desejos genéricos de «mudar alguma coisa para que fique tudo na mesma».
Todos possuímos ― sabe-se lá porquê ― uma grande perspicácia para ver os defeitos dos outros e uma enorme dificuldade para vislumbrar os próprios. Talvez porque, como diz o ditado, nunca ninguém é bom juiz em causa própria.
Sabendo disso, podíamos avançar muito se, cada vez que vemos noutra pessoa um defeito, nos examinássemos sinceramente para ver se também nós não o temos num grau superior. Isso por uma razão muito simples: porque, geralmente, os defeitos que mais nos custam a aceitar nas outras pessoas são precisamente aqueles que nós possuímos. Estamos a olhar para um espelho.
Pe. Rodrigo Lynce de Faria
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