Anatrela adverte que a desvalorização da função paterna tem consequências sobre a estruturação psíquica dos indivíduos e sobre a sociedade: debilitação da imagem masculina, transtornos da filiação, aumento das condutas aditivas, perda do sentido dos limites (toxicomanias, bulimia/anorexia, práticas sexuais reaccionais), dificuldades para se socializar, etc.
A sociedade actual valoriza muito a figura da mãe. É verdade que esta é uma fonte de segurança para a criança, mas a relação da mãe com o filho necessita de se completar com a função paterna. “O pai é o que diz que não (tanto ao filho como à mãe, o que permite justamente diferenciar os dois pais), o que introduz a negatividade e o que declara a proibição, quer dizer o limite do possível”.
A figura do pai é necessária para o desenvolvimento psicológico equilibrado dos filhos. O pai é o mediador entre a criança e a realidade; permite ao filho tomar iniciativas, “porque ele ocupa uma posição de terceiro, de companheiro da mãe, e não de mãe bis”. Graças à figura do pai, o bebé aprende a diferenciar-se da mãe e a adquirir autonomia psíquica. A criança descobre que ele não faz a lei, mas que existe uma lei fora dele.
Graças à relação com o pai, o menino e a menina adquirem também a sua identidade sexual. “A diferença de sexos encarnada pelo pai joga por outro lado um papel de revelação e de confirmação da identidade sexuada. Tanto a rapariga como o rapaz têm com efeito tendência, ao princípio, para se identificarem com o sexo da mãe, e do pai, o que vai permitir ao filho situar-se sexualmente”.
O pai excluído
Porque se impôs na nossa sociedade esta ideia da ausência do pai? Hoje divulga-se a figura do pai indigno ou incompetente, sustentada pela legislação e estereotipada por os meios de comunicação. “Assim, na maior parte dos guiões das séries televisivas, é apresentado como incapaz de se situar na relação educativa, de se ocupar de adolescentes, menos todavia de proclamar as exigências necessárias à vida em sociedade, inclusive de repreender quando é necessário”.
Muitas mulheres criticam os homens por não cumprirem com o papel de pai quando, mais ou menos conscientemente, elas procedem de modo a ocupar lugar que a eles corresponde. “A mãe afasta assim o pai, com o risco de o culpar num processo perverso que lhe permite confirmar o seu poder e o seu sentimento de omnipotência sobre os seus filhos, sobre o homem e sobre o pai”.
O que está sobretudo valorizado é a relação mãe/filho e o pai julga que tem que ser uma segunda mãe para se fazer aceitar. Alguns homens, condicionados por este conformismo, chegam a identificar-se com “o modelo de ‘papás galinhas’, quer dizer, não um pai, mas antes um irmão mais velho ou um tio”.
A ausência do pai explica-se também pela confusão entre procriação e maternidade. Para Anatrela, esta confusão “remete para o fantasma feminino da partenogéneses (quer dizer, da fecundação sem macho). A sociedade confirmou com demasiada facilidade este fantasma acreditando na ideia de que, ao não corresponder a procriação e a maternidade mais que à mulher, esta pode educar um filho sem pai”.
O desenvolvimento dos anticonceptivos e a banalização do aborto, contribuíram para sustentar esta ilusão de que a mulher domina sozinha a procriação. Daqui surgiu um slogan: “O meu corpo pertence-me”. Afirmar isto é subentender que “a procriação me pertence”, algo que é muito discutível. “Se a maternidade concerne à mulher, a procriação é partilhada pelo homem e pela mulher: não é só competência da mulher”.
Filhos objecto
Os países ocidentais contribuíram para reforçar esta concepção do pai excluído da procriação. Assim ocorre cada vez que se legisla pensando unicamente em “a mãe em solitário”. O exemplo que Anatrela descreve é o das leis francesas que, em caso de divórcio, fazem depender os direitos do pai das boas ou más relações que tenha com a mãe. O mesmo acontece com as decisões judiciais, ao confiar sistematicamente à mãe a custódia do filho.
O mais grave é que a exclusão do pai penaliza também a os filhos. Não se criou, ao privilegiar os direitos da mãe, uma dupla categoria de excluídos, por um lado os pais biológicos rejeitados, por outro, os filhos, propostos a um pai de substituição a seguir ao outro, ou inclusive confiados a terceiros especializados, ‘filhos-objecto’, ‘filhos-capricho’, ‘filhos-prótesis’, que se oferecem como salvadores?”
A ausência do pai tem efeitos muito negativos no desenvolvimento dos filhos. Segundo inquéritos citados por Anatrela, nos Estados Unidos uma criança tem seis vezes mais risco de crescer na pobreza e duas vezes mais de abandonar a escola se foi educado por uma mãe sozinha que se pertencer a uma família constituída por dois pais, capazes de lhe oferecer pontos de referência.
A última consequência da ausência do pai manifesta-se no aumento da violência. Ao não chegar a aceitar a realidade, por falta do sentido dos limites que o pai deveria inculcar, os filhos rebelam-se e os actos de violência multiplicam-se. Mas a agressividade também se volta contra si próprio e converte-se em auto-destruição.
Repensar a família
Como chegamos até aqui? Para Anatrela, o problema da ausência do pai está intimamente ligado a outro problema mais geral: o do desmembramento da família constituída por um pai e uma mãe com filhos. “A família rompe-se, com efeito, sobretudo sob a pressão da parelha actual na qual os indivíduos, enquanto tais, não procuram mais que o seu benefício através do outro. Rompe-se também porque, muito amiúde, omite o seu papel educativo”.
A crise da família manifesta-se na diminuição de casamentos e na expansão das uniões de facto, a baixa fecundidade, a multiplicação de divórcios. Mas tem uma causa mais profunda: o problema está nas representações sociais da família, na concepção que dela temos.
Para revalorizar a figura do pai, Anatrela propõe recuperar o sentido da família. Trata-se de redescobrir o que significa a experiência do parentesco e a diferença de gerações. Há-de afirmar-se que pai e mãe são necessários, que nenhum é mais que o outro, que nenhum deles é substituível o trocável por o outro.
(JUAN MESEGUER VELASCO, Aceprensa, 2008-06-27, cf. TONY ANATRELA, La diferencia prohibida. Sexualidad, educación y violência, Encuentro, Madrid, 2008)
(trad. revista por AMA)
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