A solenidade da Ascensão de Jesus «ao céu» é uma ocasião para que esclareçamos de uma vez por todas as ideias sobre o que entendemos por «céu». Em quase todos os povos, o céu identifica-se com a morada da divindade. Também a Bíblia utiliza esta linguagem espacial. «Glória a Deus no alto do céu e paz na terra aos homens». Com a chegada da era científica, este significado religioso da palavra «céu» entrou em crise. Para o homem moderno, o céu é o espaço no qual se move nosso planeta e todo o sistema solar, e nada mais. Conhecemos a fala atribuída a um astronauta soviético, de volta de sua viagem pelos cosmos: «Percorri muito o espaço e não encontrei Deus por nenhuma parte!».
Deste modo, é importante esclarecer o que entendemos nós, os cristãos, quando dizemos «Pai-nosso que estás nos céus», ou quando dizemos de alguém que «foi para o céu». A Bíblia adapta-se, nestes casos, ao modo de falar popular; mas ela bem sabe e ensina que Deus «está no céu, na terra e em todo lugar», que é Ele quem «criou os céus», e se os criou não pode estar «fechado» neles. Que Deus esteja «nos céus» significa que «vive numa luz inacessível»; que dista de nós «quanto o céu eleva-se sobre a terra». Por outras palavras, que é infinitamente diferente de nós. O céu, em sentido religioso, é mais um estado que um lugar. Deus está fora do espaço e do tempo e assim é o seu paraíso.
À luz do que dissemos, o que significa proclamar que Jesus «subiu ao céu»? Encontramos a resposta no Credo: «Subiu ao céu e está sentado à direita do Pai». Que Cristo tenha subido ao céu significa que «está sentado à direita do Pai, isto é, que, também como homem, entrou no mundo de Deus; que foi constituído, como diz São Paulo na segunda leitura, Senhor e cabeça de todas as coisas. Jesus subiu ao céu, mas sem deixar a terra. Só saiu do nosso campo visual. Ele mesmo nos assegura: «Eis que estou convosco todos os dias até o fim do mundo» (Mateus 28, 16-20. Ndt).
As palavras do anjo - «Galileus, o que fazeis olhando para o céu?» - contêm, portanto, uma advertência, se não uma velada rejeição: não devem ficar olhando para cima, para o céu, como para descobrir aonde vai estar Cristo, mas sim viver na espera de sua volta, prosseguir a sua missão, levar o seu Evangelho até aos confins da terra, melhorar a qualidade da vida na terra.
Quando se trata de nós, «ir ao céu» ou «ao paraíso» significa estar «com Cristo» (Flp 1, 23). «Vou preparar para vós um lugar... para que onde eu esteja, estejais também vós» (João 14, 2-3). O «céu», entendido como lugar de descanso, da recompensa eterna dos bons, forma-se no momento em que Cristo ressuscita e sobe ao céu. Nosso verdadeiro céu é Cristo ressuscitado, com quem iremos reunir-nos e formar «corpo» depois da nossa ressurreição, e de maneira provisória e imperfeita imediatamente após a morte. Portanto, Jesus não ascendeu a um céu já existente que o esperava, mas foi formar e inaugurar o céu para nós.
Há quem se pergunte: mas o que faremos «no céu» com Cristo toda a eternidade? Não nos aborreceremos? Respondo: aborrece talvez estar bem e com óptima saúde? Perguntai aos enamorados se se aborrecem de estar juntos. Quando acontece que se vive um momento de intensa e pura alegria, não nasce em nós o desejo de que dure para sempre, de que não acabe jamais? Aqui em baixo tais estados não duram para sempre, porque não existe objecto que possa satisfazer indefinidamente. Com Deus é diferente. A nossa mente encontrará nele a Verdade e a Beleza que nunca acabará de contemplar, e o nosso coração o Bem do qual jamais se cansará de desfrutar.
(P. Raniero CANTALAMESSA, ofmcap., pregador da Casa Pontifícia comentário ao Evangelho da Ascensão. Roma, 26.05.2006)
(citação AMA)
Agradecimento: António Mexia Alves
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