Obrigado, Perdão Ajuda-me

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As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 19 de maio de 2010

A política na era do desencanto (lá como cá basta mudar os nomes às personagens)

A escassa valorização da componente política por parte dos cidadãos não é uma novidade; a sua pontuação nos inquéritos de opinião costuma ser muito baixa. No entanto, existem alguns dados que permitem pensar que nos encontramos numa situação original, ao ponto de ter sido cunhado um termo, de origem anglo-saxónica, para a designar: o de aversão pela política (political disaffection).

Di Palma (1) definiu este termo como o sentimento subjectivo de impotência, cinismo e falta de confiança no processo político, nos políticos e nas instituições democráticas, mas sem um questionamento do regime político.

Este fenómeno está a sofrer uma progressiva agudização em Espanha, ao ponto de ter acabado por ocupar as primeiras páginas dos jornais, porque o barómetro do Centro de Investigaciones Sociológicas (CIS), de Fevereiro de 2010, salientou que a classe política constitui surpreendentemente, com 16,8%, o terceiro problema mais preocupante para os espanhóis, acima inclusivamente do terrorismo (12,5%). Só é superado, embora de modo muito consistente, pelo desemprego (81,8%) e pelos temas económicos (47,8%). O facto é confirmado quando se pergunta pela importância que têm na vida do inquirido diferentes aspectos. Numa escala de 0 a 10, aparecem em primeiro lugar a saúde e a família, com 9,68 e 9,63 respectivamente, enquanto que a política se situa no fim do pelotão com 3,97 (barómetro do CIS de Dezembro de 2009).

Em democracias consolidadas ou nas novas

A aversão pela política enquanto tal, aponta para uma tendência a longo prazo que estaria a minar as relações entre os cidadãos e os sistemas de governo democráticos, afastando-os progressivamente, mas sem levar a um questionamento radical do regime. Segundo Torcal (2), a aversão incluiria por seu turno dois elementos diversos. Um deles, denominado indiferença política (political disengagement), reflectiria a falta de compromisso dos cidadãos nos diversos processos políticos (votações, debates parlamentares), e o segundo, a aversão institucional, a falta de confiança nas instituições políticas do país (justiça, parlamento, sindicatos).

Sendo a aversão pela política um fenómeno geral nas democracias ocidentais, apresenta-se com características diversas nas democracias da primeira e segunda vaga, e nas da terceira, que são aquelas que acederam à democracia nos últimos anos do século XX, como é o caso da Espanha (3).

Em geral, parece existir um menor nível de aversão para com as instituições da democracia nos países que têm um passado democrático consolidado (mais de 50 anos), possuindo uma experiência democrática rica e prolongada. Pelo contrário, as democracias recentes, com falta desta experiência, não têm elementos de referência para avaliar o funcionamento e os resultados das instituições democráticas, o que as torna mais vulneráveis aos fracassos.

Esta divisão, e as causas em que se apoia, afecta também o modo de reagir à aversão. Alguns sociólogos salientaram que esta não teria necessariamente de ser sempre negativa, pois poderia dar lugar a iniciativas originais por parte de cidadãos comprometidos que impulsionassem uma mudança ou melhoria das relações entre os órgãos de governo e os cidadãos, contribuindo assim para adaptar o sistema democrático às alterações sociais.

Todavia, confirmou-se que esta tendência difere nos dois grupos de democracias. Nas democracias consolidadas, esta reacção positiva parece contar no seu activo com o passado político que, operando na consciência colectiva, envia uma mensagem optimista e de esperança em relação ao sistema global, estimulando a promoção de ideias que o façam melhorar.

Um exemplo recente desta tendência encontramo-lo no movimento americano denominado Tea Party, constituído por cidadãos de base que está a tentar influenciar as decisões de governo numa perspectiva próxima dos republicanos, mas de forma autónoma. Pelo contrário, no caso das novas democracias, o passado opera em sentido oposto, enviando impulsos negativos gerais e arraigados a respeito do sistema político, que fomentam a desmobilização e a aversão.

Desconfiança em Espanha

Se as teses anteriores estão correctas, a Espanha tem uma grande desvantagem à partida, devido ao seu longo passado anti-democrático ou pseudo-democrático, no qual se teria de incluir não só os longos anos da ditadura franquista, como as décadas anteriores à Guerra Civil e todo o turbulento século XIX. O inconsciente ou consciente colectivo espanhol, com efeito, arrasta consigo um pesado lastro de desconfiança sobre o sistema político, pronto a fazer valer o seu peso diante de qualquer deterioração do sistema democrático, real ou fictícia.

Não se pode ignorar, no entanto, que contrariando as teses padrão da aversão, houve recentemente em Espanha mobilizações importantes, organizadas pela sociedade civil opondo-se a projectos de cariz ideológico impulsionados pelo governo de Rodríguez Zapatero, que obtiveram o apoio de centenas de milhares de cidadãos. De qualquer forma, o movimento espanhol talvez se tenha centrado mais na presença pública - algo que conseguiu plenamente -, mas sem impulsionar com a mesma energia a participação dos seus membros nos sistemas institucionais de representação política e de governo. Seria, portanto, de certo modo, uma reacção a partir de fora do sistema, sobre o qual pesa essa desconfiança ou avaliação negativa arraigada no nosso passado anti-democrático ou pseudo-democrático.

A deterioração causada pela corrupção

Entre as razões concretas que geram a aversão pela política em Espanha, a primeira e mais evidente é a notória deterioração da imagem pública do político, causada, antes de tudo, pela multiplicação de casos de corrupção. Embora pareça que qualquer sociedade é susceptível de assumir a existência de casos de corrupção, a recente generalização destes casos saturou essa medida, levando a uma certa demonização da classe política em geral.

A classe política é, evidentemente, a principal responsável por este juízo, pois é um facto que os casos de corrupção se multiplicaram. Mas deve-se acrescentar que a percepção subjectiva do nível de corrupção é aumentada de forma artificial pela tendência dos meios de comunicação social (e da sociedade em geral) para a política do escândalo, assim como pela sua utilização enquanto arma política que é atirada entre as diversas formações políticas. O escândalo "vende", pelo que os casos de corrupção (sejam reais ou não) aparecem sempre na primeira página dos jornais, levando não poucas vezes a linchamentos mediáticos irreversíveis, visto que o juízo social nunca pode ser compensado por uma tardia absolvição judicial.

A sua utilização como arma política tem um efeito similar. Embora a denúncia da corrupção real seja um serviço à colectividade que os indivíduos ou os partidos devem fazer, muito menos se torna fácil, especialmente para os partidos, subtrair-se ao seu uso para eliminar inimigos políticos, mesmo que as denúncias se baseiem em indícios não especialmente fundamentados. Gera-se assim um círculo vicioso no qual os próprios partidos proporcionam aos meios de comunicação social material para alimentar a política do escândalo, potenciando o descrédito geral da profissão, visto que quando os casos de corrupção se generalizam, os cidadãos deixam de ter em conta o partido político concreto que o provoca e formulam uma visão global e negativa sobre toda a classe política.

A solução teórica para este problema é muito simples: bastaria que os representantes dos partidos e os governantes se comportassem de modo honesto. Mas os políticos, e isto nem sempre é reconhecido pelos cidadãos comuns, não são uma classe de excepção, que provenha de um outro qualquer planeta, mas uma profissão integrada por cidadãos como os outros, que cresceram e amadureceram no mesmo contexto social. E, se na política espanhola houve um aumento do nível de corrupção, a razão é porque o mesmo aconteceu em toda a sociedade.

A falta de projecto

Um segundo grupo de factores que está a deteriorar imenso a imagem da política em Espanha pode-se agrupar em torno da etiqueta: falta de projecto. Os cidadãos esperam capacidade de liderança, visão e coerência na classe política, que hoje parece ser um bem escasso.

Um dos principais factores que integram esta falta de projecto é a aposta no curto prazo. Os políticos e, em especial, o partido no governo, não parecem possuir um projecto para o país e, concretamente, para solucionar os problemas económicos, pelo que actuam com base em decisões de curto alcance que permitem resolver os problemas de modo momentâneo ou, simplesmente, superar uma delicada situação política através do impacte mediático da decisão. Esta política de tapa-buracos pode servir para ir ultrapassando conjunturalmente os problemas, mas agrava-os a longo prazo - porque não os resolve - encorajando o sentimento de aversão, na medida em que o cidadão observa, mais cedo ou mais tarde, que por detrás dessa atitude, só existe um exercício cínico de permanência no poder, mas não uma tentativa responsável de resolver os problemas do país.

Competência profissional do político

Outra causa da deterioração da imagem dos políticos é gerada pela percepção de uma certa falta de competência profissional, em parte, devido ao elevado nível de exigência que os cidadãos esperam dos seus representantes e, em parte, porque efectivamente é assim. Nem sempre possuem o nível cultural e profissional que seria desejável. Uma das causas deve ser procurada na demonização da política e no seu efeito negativo em pessoas competentes que optam por profissões melhor consideradas socialmente; de igual modo, a total dedicação a um partido, se não for acompanhada por processos formativos, pode gerar personalidades muito conhecedoras dos alicerces das organizações, mas sem capacidade de liderança nem de gerar ideias com impacte social.

Para resolver este problema foi proposto o mecanismo da porta giratória, que consiste em integrar nos partidos pessoas competentes - juristas, economistas, gestores culturais, profissionais de diversa índole - que desempenhem determinadas funções durante um período de tempo limitado e regressem depois ao exercício da profissão. Trata-se, sem dúvida, de uma ideia interessante, mas de difícil implementação, pois o profissional externo deve enquadrar-se e adaptar-se à estrutura de funcionamento e de poder de um sistema social (o partido político) que não conhece a partir de dentro e, por outro lado, o seu regresso à profissão depois de um período de ausência ou ruptura nem sempre está assegurado. O exemplo recente de Manuel Pizarro, antigo CEO da Endesa, testemunha claramente as dificuldades deste tipo de processos.

Por último, também se salientou que o objectivo de captar todos os possíveis votantes ("catch all"), costuma traduzir-se num esbatimento dos projectos próprios aos quais são eliminadas as arestas mais conflituosas, para que a mensagem chegue ao maior público possível. Trata-se de um procedimento compreensível, mas cuja contrapartida é que a mensagem final que chega ao eleitorado pode ser tão indefinida que perca parte da sua capacidade motivadora gerando aversão. Uma alternativa viável é o microtargeting com o qual se aponta para sectores definidos da população a partir de propostas muito próximas dos seus interesses.

A estrutura dos partidos

A percepção sobre o funcionamento dos partidos também é outra das causas de aversão.

A primeira razão é um possível excesso de verticalismo, que leva a que todas as decisões sejam tomadas a partir dos escalões mais elevados e sejam impostas depois de maneira hierárquica e pouco dialogada ao resto dos quadros e das bases. É claro que um partido é um sistema de poder e, portanto, essa transmissão do poder não só é inevitável como até desejável em alguns aspectos. Mas, apesar disso, a imagem que os partidos transmitem é muitas vezes demasiado monolítica, talvez devido à escassez de pessoas com suficiente personalidade e competência para expressarem a sua própria opinião de forma independente e madura. Isto é especialmente evidente no Parlamento, onde a disciplina de voto actua com frequência como um cilindro uniformizador, que impede a expressão de posições independentes, racionais ou minimamente críticas.

Alguns propuseram, para resolver este problema, o sistema das listas abertas. No entanto, como em tudo na política, não existem soluções fáceis. Na realidade, o número de políticos que os cidadãos conhecem é muito limitado, pelo que não é assim tão evidente que, no caso de poder escolher entre determinado número de pessoas, o votante pudesse vir a possuir a informação suficiente de modo a decidir com conhecimento de causa entre os diversos candidatos; por outro lado, em eleições de âmbito nacional, uma pessoa pode desejar votar num projecto político global, independentemente de quem a represente numa determinada circunscrição.

O desconhecimento da política real

Outro dos motivos da aversão pela política é o desconhecimento por parte dos cidadãos da realidade da vida política, das suas dificuldades, da sua complexidade, das suas necessidades e das suas leis internas. Um exemplo muito esclarecedor, na minha opinião, encontramo-lo em alguns grupos de pessoas ideologicamente muito comprometidas que promoveram a gestação de pequenos partidos inspirados no humanismo cristão (Familia y Vida, AES) por considerarem que o Partido Popular não defendia adequadamente e com suficiente contundência esta perspectiva. É possível que o ponto de partida pudesse estar em parte justificado, mas estes grupos não estavam verdadeiramente conscientes da enorme dificuldade que envolve defender estas posições de modo efectivo no plano nacional. Por isso, depararam rapidamente com graves problemas que bloquearam o seu desenvolvimento.

O primeiro é que nenhum partido se pode limitar a propor questões de carácter ideológico-doutrinal, pois o âmbito de temas que se aborda na política é muito mais amplo. Além disso, as questões ideológicas, embora interessem a um grupo amplo de espanhóis, não são os temas fundamentais que vão determinar a orientação de voto da maioria da população. Por isso, um partido que se centre prioritariamente nesses aspectos está condenado, à partida, a ser minoritário. Por último, apesar de grupos substanciais de pessoas poderem partilhar um acordo sobre determinadas ideias, esse acordo, em si mesmo, não é mais do que um projecto teórico intelectual com falta de uma base operativa assente no território. E, sem estes elementos, não é um partido político. Ora, construir esse emaranhado organizativo é algo complexo: exige líderes com capacidade de unir vontades, instrumentos económicos, capacidade de compromisso, habilidade política, etc.

Esta visão utópica da política também está presente, embora de otro modo, nas avaliações negativas que não levam em conta que os mesmos problemas que a afectam, existem também noutros meios profissionais. A corrupção, a concorrência desleal ou as traições profissionais não são características exclusivas da política e podem ser encontradas em muitos outros âmbitos profissionais. O que acontece é que os interesses em jogo na política são, em geral, muito mais relevantes, o que multiplica a paixão e o desejo.

Juan Manuel Burgos

(Professor da Universidad CEU San Pablo (Madrid). Presidente da Asociación Española de Personalismo)

Aceprensa

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