"O cristão não deve ter medo de ir "contra a corrente" para viver a própria fé, resistindo à tentação de "se conformar"", afirmou o Papa durante a audiência geral de quarta-feira 23 de Janeiro, na sala Paulo VI, propondo o testemunho bíblico de Abraão no início de um ciclo de reflexões dedicadas ao "Credo".
Prezados irmãos e irmãs
Neste Ano da fé, hoje gostaria de começar a meditar convosco sobre o Credo, ou seja, sobre a solene profissão de fé que acompanha a nossa vida de fiéis. O Credo começa assim: "Creio em Deus". É uma afirmação fundamental, aparentemente simples na sua essencialidade, mas que abre ao mundo infinito da relação com o Senhor e com o seu mistério. Acreditar em Deus implica adesão a Ele, acolhimento da sua Palavra e obediência jubilosa à sua revelação. Como ensina o Catecismo da Igreja Católica, "a fé é um acto pessoal, uma resposta livre do homem à proposta de Deus que se revela" (n. 166). Portanto, poder dizer que se crê em Deus é um dom - Deus revela-se, vem ao nosso encontro - e, ao mesmo tempo um compromisso, é graça divina e responsabilidade humana, numa experiência de diálogo com Deus que, por amor, "fala aos homens como a amigos" (Dei Verbum, 2), fala-nos a fim de que, na fé e com a fé, possamos entrar em comunhão com Ele.
Onde podemos ouvir Deus e a sua palavra? É fundamental a Sagrada Escritura, onde podemos ouvir a Palavra de Deus que é alimento para a nossa vida de "amigos" de Deus. A Bíblia inteira narra o revelar-se de Deus à humanidade; toda a Bíblia fala de fé e ensina-nos a fé, narrando uma história em que Deus faz progredir o seu desígnio de redenção, tornando-se próximo de nós, homens, através de muitas figuras luminosas de pessoas que acreditam nele e a Ele se confiam, até à plenitude da revelação no Senhor Jesus.
A este propósito, é muito bonito o capítulo 11 da Carta aos Hebreus, que há pouco ouvimos. Ali, fala-se da fé e põem-se em evidência as grandes figuras bíblicas que a viveram, tornando-se modelo para todos os fiéis. No primeiro versículo, o texto reza: "A fé é o fundamento da esperança, é uma certeza a respeito do que não se vê" (11, 1). Por conseguinte, os olhos da fé são capazes de ver o invisível, e o coração do crente pode esperar além de toda a esperança precisamente como Abraão, de quem na Carta aos Romanos Paulo afirma que "acreditou, esperando contra toda a esperança" (4, 18).
E é precisamente sobre Abraão, que gostaria de chamar a nossa atenção, porque ele é a primeira grande figura de referência para falar de fé em Deus: Abraão, o grande patriarca, modelo exemplar, pai de todos os crentes (cf. Rm 4, 11-12). A Carta aos Hebreus apresenta-o assim: "Foi pela fé que Abraão, obedecendo ao apelo divino, partiu para uma terra que devia receber em herança. E partiu sem saber para onde ia. Foi pela fé que ele habitou na terra prometida, como em terra estrangeira, habitando aí em tendas com Isaac e Jacob, co-herdeiros da mesma promessa. Porque tinha a esperança fixa na cidade assentada sobre os fundamentos eternos, cujo arquitecto e construtor é Deus" (11, 8-10).
Aqui, o autor da Carta aos Hebreus faz referência à vocação de Abraão, narrada no Livro do Génesis, o primeiro livro da Bíblia. O que pede Deus a este patriarca? Pede-lhe que parta, abandonando a própria terra para ir rumo à terra que lhe indicar: "Deixa a tua terra, a tua família e a casa de teu pai e vai para a terra que eu te mostrar" (Gn 12, 1). Como teríamos respondido nós a um convite semelhante? Com efeito, trata-se de uma partida às escuras, sem saber para onde Deus o levará; é um caminho que exige uma obediência e uma confiança radicais, ao qual só a fé permite aceder. Mas a escuridão do desconhecido - onde Abraão deve ir - é iluminado pela luz de uma promessa; Deus acrescenta ao mandato uma palavra tranquilizadora que abre diante de Abraão um futuro de vida em plenitude: "Farei de ti uma grande nação; abençoar-te-ei e exaltarei o teu nome... e todas as famílias da terra serão benditas em ti" (Gn 12, 2.3).
Na Sagrada Escritura, a bênção está vinculada primariamente ao dom da vida que vem de Deus e manifesta-se em primeiro lugar na fecundidade, numa vida que se multiplica, passando de geração em geração. E à bênção está ligada também a experiência da posse de uma terra, de um lugar estável onde viver e crescer em liberdade e segurança, temendo Deus e construindo uma sociedade de homens fiéis à Aliança, "reino de sacerdotes e nação santa" (cf. Êx 19, 6).
Por isso, no desígnio divino, Abraão está destinado a tornar-se "pai de uma multidão de povos" (Gn 17, 5; cf. Rm 4, 17-18) e a entrar numa nova terra onde habitar. E no entanto Sara, sua esposa, é estéril, não pode ter filhos; e o país para o qual Deus o conduz é distante da sua terra de origem, já é habitado por outras populações, e nunca lhe pertencerá verdadeiramente. O narrador bíblico sublinha-o, mas com muita discrição: quando Abraão chegou ao lugar da promessa de Deus: "Os Cananeus já viviam naquela terra" (Gn 12, 6). A terra que Deus oferece a Abraão não lhe pertence, ele é um estrangeiro e tal permanecerá para sempre, com tudo o que isto comporta: não ter finalidades de posse, sentir sempre a própria pobreza, ver tudo como dádiva. Esta é também a condição espiritual de quem aceita seguir o Senhor, de quem decide partir, acolhendo a sua chamada, sob o sinal da sua bênção invisível mas poderosa. E Abraão, "pai dos crentes", aceita esta chamada na fé. Na Carta aos Romanos são Paulo escreve: "Esperando, contra toda a esperança, Abraão teve fé e tornou-se pai de muitas nações, segundo o que lhe fora dito: "Assim será a tua descendência". Não vacilou na fé, embora tenha reconhecido o seu próprio corpo sem vigor - pois tinha quase cem anos - e o seio de Sara igualmente amortecido. Diante da promessa de Deus, não vacilou, não desconfiou, mas conservou-se forte na fé e deu glória a Deus. Estava plenamente convencido de que Deus era poderoso, para cumprir o que prometera" (Rm 4, 18-21). A fé leva Abraão a percorrer um caminho paradoxal. Ele será abençoado, mas sem os sinais visíveis da bênção: recebe a promessa de se tornar um grande povo, mas com uma vida marcada pela esterilidade da sua esposa Sara; é levado para uma nova pátria, mas nela deverá viver como estrangeiro; e a única posse da terra que se lhe permitirá será a de um lote de terreno para ali sepultar Sara (cf. Gn 23, 1-20). Abraão é abençoado porque, na fé, sabe discernir a bênção divina, indo além das aparências, confiando na presença de Deus até quando os seus caminhos lhe parecem misteriosos.
O que significa isto para nós? Quando afirmamos: "Creio em Deus", nós dizemos como Abraão: "Confio em ti; confio-me a ti, ó Senhor!", mas não como a alguém, ao qual recorrer apenas nos momentos de dificuldade, ou a quem dedicar alguns momentos do dia ou da semana. Dizer "Creio em Deus" significa fundar sobre Ele a minha própria vida, deixar que a sua Palavra a oriente todos os dias, nas escolhas concretas, sem medo de perder algo de mim mesmo. Quando, no Rito do Baptismo, por três vezes somos interrogados: "Credes?" em Deus, em Jesus Cristo, no Espírito Santo, na santa Igreja católica e nas outras verdades de fé, a tríplice resposta é no singular: "Creio", porque é a minha existência pessoal que deve passar por uma transformação mediante o dom da fé; é a minha existência que deve mudar, converter-se. Cada vez que participamos num baptizado, deveríamos perguntar-nos como vivemos diariamente o grande dom da fé. Abraão, o crente, ensina-nos a fé; e, como estrangeiro na terra, indica-nos a pátria verdadeira. A fé torna-nos peregrinos na terra, inseridos no mundo e na história, mas a caminho da pátria celestial. Portanto, crer em Deus torna-nos portadores de valores que muitas vezes não coincidem com a moda, nem com a opinião do momento, exige que adoptemos critérios e assumamos comportamentos que não pertencem ao modo de pensar comum. O cristão não deve ter medo de ir "contra a corrente" para viver a sua fé, resistindo à tentação de "se conformar". Em numerosas das nossas sociedades, Deus tornou-se o "grande ausente" e no seu lugar existem muitos ídolos, ídolos extremamente diferentes entre si, e sobretudo a posse e o "eu" autónomo. E também os progressos notáveis e positivos da ciência e da técnica suscitaram no homem uma ilusão de omnipotência e de auto-suficiência, e um egocentrismo crescente criou não poucos desequilíbrios no contexto das relações interpessoais e dos comportamentos sociais.
E no entanto, a sede de Deus (cf. Sl 63, 2) não foi saciada e a mensagem evangélica continua a ressoar através das palavras e das obras de numerosos homens e mulheres de fé. Abraão, o pai dos crentes, continua a ser pai de muitos filhos que aceitam caminhar no seu sulco e põem-se a caminho, em obediência à vocação divina, confiando na presença benévola do Senhor e acolhendo a sua bênção, a fim de se fazer bênção para todos. É o mundo abençoado da fé, ao qual todos somos chamados, para caminhar sem medo no seguimento do Senhor Jesus Cristo. Trata-se de um caminho por vezes difícil, que conhece também a prova e a morte, mas que abre à vida, numa transformação radical da realidade, que unicamente os olhos da fé são capazes de ver e saborear em plenitude.
Então, afirmar "Creio em Deus" impele-nos a partir, a sair de modo incessante de nós mesmos, precisamente como Abraão, para levar à realidade quotidiana em que vivemos a certeza que nos deriva da fé: ou seja, a certeza da presença de Deus na história, também hoje; uma presença que traz vida e salvação, abrindo-nos a um futuro com Ele, para uma plenitude de vida que nunca conhecerá ocaso.
(© L'Osservatore Romano - 26 de Janeiro de 2013)
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