Portugal perdeu um dos seus maiores e melhores, a Igreja portuguesa perdeu um dos seus mais fiéis membros - exemplo público de coragem, de esperança e de profundíssima fé na concretização do que pode ser a verdadeira santificação do trabalho. Homem, professor, economista e empresário de uma ética sem desvios e de um espírito de permanente serviço público e de exigência cívica.
Eu perdi um dos meus mais queridos professores e a “fonte” que mais me marcou em 30 anos de jornalismo. Pela excelência pessoal e profissional e pela enorme capacidade de antecipar as grandes linhas de evolução do país e do mundo. De aposta serena e empenhada em procurar soluções que, nunca sendo as mais fáceis nem as mais óbvias, lhe pareciam contudo as mais adequadas e em que tantas vezes estivemos em desacordo.
Admirava-lhe sobretudo a capacidade de focar no essencial e de procurar vacinas e remédios eficazes para atacar as doenças que lhe pareciam inevitáveis, muito antes dos outros darem conta da existência do vírus e da manifestação dos primeiros sintomas. A capacidade de propor caminhos de solução e suscitar reacção numa sociedade civil de preocupante anomia.
Lembro-me bem de um dos jantares anuais da Saer (com um grupo de jornalistas que seguiam os seus diagnósticos desde os tempos de ministro das Finanças…) em que, com mais de dez anos de antecedência, chamou a atenção para a mudança de paradigma dos equilíbrios mundiais que resultariam do crescente poder e influência da China.
Assustou-nos a todos, na altura, ao traçar em linhas gerais muitos dos problemas com que estamos confrontados na actualidade. Desde aí, ano após anos, na repetição do encontro foi-se divertindo a ver como, um a um, todos os presentes eram forçados a reconhecer a justeza da sua análise visionária.
Levou anos a fio a recordar a importância do mar para a nossa economia, até que conseguiu fundos para provar “com números”, num magnífico estudo da SAER, o que ele há muito sabia. Há uns meses mostrava-se feliz por ver finalmente a sua preocupação partilhada com alguns dos seus pares. “Agora já somos muitos a falar da importância do mar…”. Ainda bem! Vai dar frutos.
Foi o meu segundo ministro das Finanças enquanto jornalista. Viviam-se tempos igualmente difíceis (negociava-se o acordo com o FMI), mas muito diferentes quanto ao espírito de serviço e empenhamento cívico dos que exerciam o poder. Os seus agentes sabiam que o recebiam do povo e deviam tratá-lo com respeito e parcimónia. Ernâni Lopes fazia parte desse grupo, daqueles que viam nos “media” agentes importantes na mobilização para a mudança e na preservação da mais preciosa liberdade (a de expressão) e nunca poupou esforços para explicar as suas políticas, levasse o tempo que levasse. Às perguntas dos “estagiários” como eu, o ministro respondia com a paciência e pedagogia dos professores, sem sobrancerias, numa abertura, transparência e respeito que raramente se repetiram depois e que hoje tanto escasseiam.
Sabia ouvir os que dele divergiam sem os tomar por “inimigos”, gostava da franqueza da crítica e, apesar da aparência de arrogância que às vezes marcava os seus discursos assertivos, era capaz de praticar a mais humilde auto-crítica.
Certo no conteúdo, dava de barato que aqui e ali se enganava na forma ou pecava por exagero quando apenas pretendia desinstalar a assistência com um ou outro exemplo mais caricatural.
A sua partida deixa um lugar vago no já escasso panorama de elite nacional. É mais uma baixa na frágil sociedade civil e uma voz a menos no apelo ao bom senso.
Há poucas semanas, ao despedir-me do professor no Grémio Literário onde assistia ao lançamento do livro sobre o seu amigo Adelino Amaro da Costa, senti no frio do seu rosto a última despedida. Antecipei que naquele “adeus menina” estava o “até Deus!” com quem o professor foi hoje encontrar-se. Até lá, professor!
Graça Franco
(Fonte: site Rádio Renascença)
Nota de JPR: Bem-haja Graça por este visivelmente sentido e emocionado texto. Bem-haja Professor pelo seu exemplo de vida, até breve.
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