Saiu satisfeito da Igreja. Tinha estado a rezar e no seu entendimento, tinha sido uma boa oração, não havia dúvida que ele estava no bom caminho, o que aliás se percebia por todas as graças que o Senhor derramava nele, (pelo menos era assim que ele pensava).
A sua fé estava fortalecida, era inabalável e apesar de muitas coisas ainda estarem erradas na sua vida, havia uma coisa de que ele tinha a certeza: A sua fé ninguém lha podia tirar!
Tinha-lhe custado muito a fortalece-la, a torna-la inabalável, a torna-la inexpugnável. Viesse o que viesse, ele sempre afirmaria a sua fé.
Foi andando contente consigo próprio e de repente apercebeu-se que estava junto de alguns dos seus antigos amigos, da sua vida passada afastada de Deus, que conversavam animadamente na rua.
Parou para os cumprimentar e falar um pouco com eles.
Um deles perguntou-lhe:
- De onde vens a estas horas?
Antes que pudesse responder, um outro com um sorriso trocista na cara, disse:
- Deve vir da Igreja. Deve ter estado a rezar, agora não sabe fazer mais nada!
A gargalhada foi geral e ele muito incomodado, disse:
- Por acaso não. Acabei de trabalhar, estive ali no café a beber uma cerveja e agora vou para casa.
Sem conseguir disfarçar a atrapalhação, despediu-se, dizendo que estava com pressa e foi-se embora.
Pelo caminho ia a pensar:
«Mas porque é que eu não disse a verdade?»
Caminhando foi-se convencendo de que tinha sido melhor assim. Eles não iriam entender e não lhes serviria de nada saberem que ele tinha estado a rezar. Coitados, estavam tão longe que não compreenderiam como ele agora era diferente.
Tocou o telemóvel e ele atendeu. Era uma conhecida sua de outros tempos, que lhe disse:
- Então o que é feito de ti. Segundo me dizem, agora passas a vida na Igreja a rezar. Já não sais nem sabes fazer mais nada. Dizem que estás um “chato”.
Respondeu-lhe de imediato, sem pensar:
- Isso é o que todos dizem, só para me gozarem. Eu continuo a fazer a minha vida, mais ou menos. Claro que agora tenho outras responsabilidades, pelo que me é mais difícil sair, mas enfim continuo na mesma.
Trocaram mais duas ou três banalidades e ele apressou-se a desligar.
Mais uma vez lhe veio ao pensamento a pergunta, porque é que não tinha dito que sim, que gostava de rezar, que gostava de estar na Igreja, porque ali tinha encontrado o que nunca tinha tido antes.
Mais uma vez se autojustificou, com uma qualquer desculpa, tranquilizando a sua paz de espírito.
Chegou a casa e disseram-lhe que o seu irmão tinha telefonado pedindo-lhe que ligasse, assim que pudesse.
Assim fez e ouviu a voz do seu irmão do outro lado dizer-lhe:
- Então só chegaste agora? Olha, no Sábado vou dar aqui em casa um jantar com os amigos que tu sabes e gostava muito que viesses.
Incomodado, lembrou-se que nesse Sábado tinha sido marcada aquela Missa e Adoração a que não queria faltar e para além do mais já não tinha pachorra para as conversas daqueles jantares, por isso respondeu ao seu irmão:
- No Sábado não posso, já tenho uma coisa marcada.
A resposta não se fez esperar:
- Sim, sim, estou mesmo a ver, uma “missinha” com certeza!
Retorquiu de imediato:
- Não, não. Já tinha marcado um jantar com outros amigos a que não posso faltar.
O irmão desligou, meio “gozão”, meio aborrecido e ele ficou a pensar que ainda desta vez tinha escondido a verdade.
Foi para o seu quarto incomodado com tudo aquilo, sentou-se na cama e disse numa oração:
«Porquê Senhor, porque é que eu menti e escondi que Te amo e quero estar sempre conTigo?»
Ouviu então no seu coração uma voz que lhe dizia:
«Pedro, Pedro, eu não te disse que me havias de negar três vezes.»
Ficou mudo e espantado, pensando: «Mas eu não me chamo Pedro.»
Então, abriu-se uma luz no seu espírito.
Não era Pedro, mas como Pedro, quando estava sozinho consigo ou com os seus amigos de agora em igreja, (como quando Pedro estava entre os seus, antes de Pentecostes), tinha a coragem, (se é que era coragem), de afirmar a sua fé, mas junto dos outros e perante o “perigo” de ser reconhecido como cristão empenhado, negava Aquele que ele dizia que tanto amava.
Caiu em si e reconheceu a sua fraqueza, reconheceu o seu orgulho, reconheceu o seu convencimento de que já era alguém, de que por si só tinha conseguido fazer um caminho, como se a força para se afirmar cristão fosse uma conquista dele e não uma graça do seu Senhor, como se já tivesse entendido tudo e afinal ainda estava tão longe da verdade e da comunhão.
Como Pedro baixou a cabeça e sentiu-se nada.
Como era possível ter negado Aquele que tanto o amava e tanto lhe tinha dado.
Como Pedro chorou, amargurou-se, quase desesperou, ao perceber até onde tinha ido o seu orgulho. Ele sozinho não era nada, ele sozinho nada conseguia.
Como Pedro percebeu que ainda não tinha entendido nada, porque ainda não tinha verdadeiramente entregue a sua vida ao seu Senhor.
Como Pedro sentiu-se indigno do amor que o Senhor lhe tinha. Como Pedro sentiu-se perdido, sem saber para onde ir.
Mas como Pedro sentiu e viveu aquele olhar do seu Senhor, no seu coração, na sua vida e percebeu então que o seu Senhor era todo perdão, era todo amor, que o conhecia como ninguém e por isso o compreendia, lhe perdoava e o continuava a amar com aquele amor infinito que só Ele podia e sabia dar.
Percebeu então que tinha de recomeçar, que tinha de ser mais Publicano e menos Fariseu, que tinha de considerar-se muito mais pecador e muito menos justo, que tinha de abandonar-se, entregar-se e deixar que o seu Senhor fizesse nele a Sua vontade.
Percebeu então que a sua fé era fraca, mas que o seu Senhor o conhecia no seu mais intimo e que por isso mesmo estava sempre ao seu lado, para lhe dar força e alimentar a sua fraca fé com o Seu infinito amor.
13 de Junho de 2006
Joaquim Mexia Alves
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