Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Mudam-se os tempos

As Encíclicas dos Papas mudaram muito nos últimos séculos. Geralmente ocupavam uma página, hoje têm uma centena ou mais de páginas; antes abordavam com frequência problemas específicos de relações internacionais, hoje tratam sobretudo da relação com Deus ou de exigências da vida cristã. Principalmente, a linguagem das Encíclicas mudou radicalmente!


A mudança aprecia-se logo nos títulos. Por exemplo:


«Quam Aerumnosa» (quão miserável, Leão XII em 1888); «Gravissimas» (gravíssimas, Leão XIII em 1901); «Acerbo nimis» (intensamente amargo, Pio X em 1905); «Vehementer Nos» (com todo o vigor, Pio X em 1906); «Gravissimo officii munere» (grave dever da nossa missão, sobre a perseguição em França, Pio X em 1906); «Une Fois Encore» (novamente acerca da perseguição em França, Pio X em 1907); «Iamdudum» (acerca dos excessos e crimes cometidos em Portugal contra a Igreja, Pio X em 1911); «Lacrimabili statu» (numa situação que faz chorar, Pio X em 1912); «Iniquis afflictisque» (situação aflitiva de iniquidade), Pio XI em 1926); «Acerba animi» (com a alma amargurada, Pio XI 1932), «Mit brennender Sorge» (com uma inquietação ardente, Pio XI em 1937); «Ingravescentibus malis» (os males que pioram de dia para dia, Pio XI em 1937); «In multiplicibus curis» (entre as múltiplas preocupações, Pio XII em 1948); «Ingruentium malorum» (perante os males que se levantam, Pio XII em 1951); «Luctuosissimi eventus» (acontecimento tremendamente mortífero, Pio XII, em 1956); «Datis nuperrime» (recentíssima carta, acerca da perseguição na Hungria, Pio XII em 1956).


Em contrapartida, os títulos recentes costumam ser um anúncio da bondade de Deus e um convite à alegria. Podem dar-se muitos exemplos —desde a «Gaudium et spes» (as alegrias e esperanças, do Concílio Vaticano II, em 1964) até João Paulo II, Bento XVI, ou o Papa Francisco—, mas alguns títulos chegam para apreciar o contraste:


«Deus caritas est» (Deus é amor, Bento XVI em 2005); «Spe salvi» (salvos na esperança, Bento XVI em 2007); «Caritas in veritate» (amor na verdade, Bento XVI em 2009); «Evangelii gaudium» (alegria do Evangelho, Ex. ap. de Francisco em 2013); «Lumen fidei» (luz da fé, Francisco em 2013); «Laudato si’» (louvado sejas, Francisco em 2015); «Amoris laetitia» (a alegria do amor, Ex. ap. de Francisco em 2016); «Gaudete et exultate» (alegrai-vos e exultai, Ex. ap. de Francisco em 2018).


Não é preciso completar a lista para demonstrar a diferença. A mudança de linguagem é tanto mais flagrante quanto o conteúdo apresentado pela Igreja permaneceu o mesmo. Evidentemente, o que mudou foi sobretudo o mundo em que vivemos.


É fácil encontrar um paralelo na vida de Jesus. Somos muitas vezes surpreendidos pela delicadeza da sua compaixão, quando esperávamos uma crítica do mal; outras vezes ficamos admirados com a severidade das suas palavras e dos seus gestos, quando esperávamos um tom mais diplomático.


Esta flexibilidade de estilo fazia muita confusão aos fariseus: «Por que é que os teus discípulos não jejuam?» (Mt 9, 14). Os Evangelhos falam-nos dos jejuns de Jesus, duros e prolongados, mas também das festas a que assistiu. Para um fariseu, isto não faz qualquer sentido.


O próprio Jesus se queixava daqueles que não conseguiam acompanhar os tempos:


— «A quem hei-de comparar esta geração? É semelhante às crianças sentadas na praça, que gritam às outras: “Tocámos flauta e não bailastes! Entoámos cantos fúnebres e não choraste!». Porque veio João, que não come nem bebe, e dizeis: “Tem demónio!”. Veio o Filho do homem, que come e bebe, e dizeis: “É um glutão, amigo de publicanos e pecadores!”. Mas a justiça foi justificada pelas suas obras» (Mt 11, 16 – 19).


Não é que antes nunca houvesse alegria e boas notícias, e agora só haja motivos de júbilo. Também não é preciso acompanhar a sensibilidade do momento, ao ritmo das crises neuróticas do mundo. A Igreja não tem de ser previsível e de facto, nos tempos que correm, tem uma mensagem totalmente inesperada: Deus ama-nos com loucura.


Talvez a nossa sociedade seja como aquela mulher adúltera, completamente desorientada na vida, apanhada em adultério, que jaz estendida no chão. Nosso Senhor olha-a com ternura, compreende-a e oferece-lhe uma novidade imprevista, que muda tudo: Deus perdoa, defende-a, nunca deixou de a amar. Independentemente do que aconteceu, é hora de recomeçar.


O Papa Francisco preferiu comparar a nossa sociedade como a tragédia dos feridos amontoados depois de uma batalha: «vejo a Igreja como um hospital de campanha depois de uma batalha». Talvez o conceito corresponda à imagem da mulher adúltera, mas temperado com a simpatia santa do Papa.

José Maria C.S. André

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