Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 22 de abril de 2020

REFLEXÕES SOBRE A PESTE DE 2020 (III) Luís Filipe Thomaz

Este tema conduz-me insensivelmente a uma terceira reflexão. Quando revolvo em mente o contraste entre a violência que implicou o fim do nazismo e a suavidade com que se dissipou o comunismo, sinto a tentação de estabelecer comparações e concluir que este teve uma morte serena porque na sua raiz jazia uma ideia de justiça social, ao passo que aquele acabou em tragédia porque radicava da mera soberba de um povo e da sede de poder de um homem. É, porém, pensamento em que não quero consentir, pois seria uma afronta ao Deus escondido, cujos desígnios nos são opacos.
              A tentação do providencialismo é muito antiga: já na época de Constantino escreveu Lactâncio um tratado Sobre a morte dos perseguidores, em que se esforçava por provar que todos os imperadores que perseguiram a Igreja acabaram por morrer de morte violenta. E em águas semelhantes navegou na centúria seguinte o primeiro escritor conhecido do território português, Paulo Orósio, autor de uma História contra os Pagãos. Dele escreveu É. Amann no Dictionnaire de Théologie Catholique: "com um robusto otimismo, ele imagina ter quase penetrado nos desígnios do Eterno; pelo menos, lê claramente, até nos mais pequenos detalhes da história de cá-em-baixo a intervenção de lá-em-cima e a sua significação". Nos séculos XVI e XVII essa maneira de olhar a História fez escola, facultando bastas vezes aos historiadores uma explicação fácil para o inexplicável.
              Se da metodologia histórica esse providencialismo primário despareceu praticamente, na mentalidade do vulgo continua ainda a grassar. Recebi há poucos dias um texto, dos que circulam na internet, em que o autor se interrogava por que motivo, sendo a epidemia um castigo de Deus, fora aparentemente superada já na China, sem grande dificuldade, ao passo que no resto do mundo continuava a causar dano: a punição divina devia atingir sobretudo os países que têm regimes ateus, como é o caso da China…
              Aventam outros que Deus estará irado com a imoralidade que — com a conivência dos poderes públicos, que legalizam e até fomentam práticas como o aborto, o casamento homossexual e a eutanásia — invadiu a nossa sociedade, que não só peca como, o que é bem mais grave, perdeu a noção do que é pecado. Colhemos por isso o que semeámos…
              O Antigo Testamento fala-nos, de facto, de penas infligidas por Deus aos pecadores, individuais ou mesmo coletivos, como foi nomeadamente o caso de Sodoma e Gomorra; e aí, porque é a Escritura que o diz, podemos afirmar que andou o dedo de Senhor. Podemos também afirmá-lo nos casos em que uma pessoa ou uma coletividade arca com as consequências naturais, ainda que desproporcionadas, dos seus atos — pois a ordem da natureza é obra de Deus e não é impunemente que se infringem as suas leis: fulano morreu de pneumonia porque foi tomar banho ao mar em Janeiro, sicrano quebrou a espinha porque se pôs a escalar um pico montanhoso sem tomar as devidas precauções, e assim por diante. Fora de tais casos é inaceitável presunção afirmar que fulano "teve o castigo que merecia" ou que beltrano "não merecia sofrer o que sofreu". Só o Deus que perscruta os corações e os rins sabe o que cada um merece!
              Melhor do que investigar os desígnios de Deus é exclamar com S. Paulo: "Ó abismo da riqueza da sabedoria e da ciência de Deus! Como são insondáveis seus decretos e incompreensíveis suas vias! (Rom 11, 33).
              Enviou-me há dias um dos meus parentes de Goa um judicioso comentário sobre a atual crise escrito por Eugénio Viassa Monteiro,  um goês que presentemente ensina em Bombaim, em que cita extensamente um texto redigido por Anne Graham — filha do famoso pregador batista dos Estados Unidos Billy Graham (1918-2018) — a propósito do furacão Katrina, mas que se pode aplicar a qualquer outra catástrofe natural. Apreciei sobretudo a delicadeza com que esta observava:

Penso que Deus estará muito triste com tudo isso, como nós estamos, mas durante anos estivemos a dizer-Lhe para sair das nossas escolas, para sair da vida pública, para sair das nossas vidas… Como gentleman que Ele é, penso que tranquilamente se afastou.

              A última frase parece um eco do cântico de Moisés no Deuteronómio (32, 20): "esconderei deles a Minha face, e verei o que lhes sucede, pois são uma geração perversa, filhos infiéis". Seja como for, a imagem de um Deus que gentilmente se retira, deixando a natureza agir conforme as suas leis, é de longe preferível à de um Deus vingador que castiga prontamente as ofensas que se lhe façam. Contudo, a explicação que a autora dá para esse afastamento do Senhor propende um tanto ou quanto para aquele providencialismo ignaro da transcendência de Deus, que acima criticávamos a Paulo Orósio:

À luz de alguns acontecimentos como ataques terroristas, tiros nas escolas, etc., fico a pensar que tudo começou quando X. X. se lamentou do absurdo das orações nas nossas escolas. E nós dissemos, OK, não há mais orações nas escolas!
Depois, alguém se lembrou que não fazia sentido ler a Biblia na escola (a Biblia diz: não matarás, não roubarás e… ama o teu próximo como a ti mesmo). E nós dissemos, OK. Não há Bíblia!
O Dr. B. S. disse que não devemos bater nas crianças quando se portam mal, porque podemos ferir as suas personalidades e reduzir a sua autoestima (o seu filho suicidou-se). E nós pensámos: um perito sabe do que fala. E dissemos, OK! Está bem. Agora perguntamo-nos porque as nossas crianças não tem consciência do que está bem e do que está mal? E friamente dão um tiro num estrangeiro, ou num colega seu de aula e nelas próprias.
Se O escorraçamos das nossa vidas, das escolas, da vida pública… o que é que podíamos esperar, senão que as forças do mal tivessem livre curso? Inevitavelmente concluímos que “colhemos o que semeámos”. E perante as aflições podemos perguntar-nos, porque Deus deixa que isso aconteça?

              Estou também eu convencido de que dentro em breve a nossa sociedade irá pagar caro pelo seus erros; mas não exatamente pela intervenção de um Deus que se vinga, antes pelo mecanismo do homem que se afoga por persistir em ir para fora de pé sem ter aprendido a nadar. Uma juventude educada no hedonismo, no culto da autossatisfação, na religião dos direitos individuais, sem que jamais se lhe fale dos seus deveres, não estará amanhã preparada para enfrentar situações de crise como a que hoje vivemos, em que se requere altruísmo, espírito de sacrifício e sujeição do interesse individual ao bem comum. Disso tivemos uma amostra há dois ou três dias atrás: em Miami, na Florida, um grupo de jovens persistiu em realizar a festa, bem regada com cerveja, que tinham aprazada; resultado: 20 infetados e dois mortos…
              É nesse sentido que entendo a citação de Alexander Soljenitize com que Anne Graham remata o seu texto:

Consagrei-me durante 50 anos ao estudo. Li centenas de livros, reuni muitos testemunhos pessoais, publiquei oito obras. Hoje, se tivesse de resumir o mais brevemente possível a verdadeira causa do nosso problema, só teria uma explicação: o homem esqueceu-se de Deus… E se me pedissem que dissesse claramente qual a maior ameaça, ainda assim não acharia outra coisa para dizer, senão que o homem se esqueceu de Deus.

              Aprovo assim por isso inteiramente o que se pode considerar a conclusão que de tudo isto retira o meu amigo de Bombaim, a quem devemos o comentário:

A atual crise do vírus mostrou ao homem a sua pequenez… tudo quanto sabe e fez, é zero, nada, incapaz de dominar um miserável vírus! E talvez isso o leve a considerar como a sua arrogância fez expulsar o Criador da sua vida, pondo-O sob suspeita. Talvez seja este o modo de nos trazer à realidade, à situação de criaturas, carentes da proteção do Criador.

              Esta conclusão vem assim a coincidir quase inteiramente com um belo ensinamento do ancião Emiliano, arquimandrita do mosteiro de Simonópetra, no Monte Athos, falecido há pouco mais de um ano:

A doença é uma visita de Deus, uma visita divina. A doença humilha-nos, ensina-nos, reforma-nos. Desperta-nos para a realidade e torna-nos capazes de discernir o que é realmente importante e de valor. Não é um castigo, mas uma visita divina para nossa educação e correção

(continua, são no total VII reflexões)

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