A fonte é directa. Uma equipa de teólogos redigia um
documento da Santa Sé sobre como actuar perante dilemas políticos difíceis. Ponderavam
que, em certas condições, às vezes se podia aceitar uma alternativa
parcialmente má, se não fosse realista conseguir uma solução completamente boa.
Os matizes estavam lá todos, naquele texto, e toda a prudência, mas o Papa João
Paulo II avisou-os: «os senhores não excluam o heroísmo!». Às vezes, é possível
escolher o silêncio e fingir que não se vê. Mas também é legítimo não ficar
calado, por piores que sejam as consequências.
Lembrei-me de uma mulher do Sudão, de 26 anos, elegante, com
o curso de Física, que passou torturas e humilhações por se recusar a deixar de
ser católica. Primeiro, foi despedida e obrigada a fazer serviços humildes e
mal pagos. Aceitou. Depois foi presa. Não cedeu. Torturada. Manteve-se fiel a
Deus. Finalmente, condenaram-na à morte e esteve à beira de morrer.
O Papa Francisco mexeu-se para a salvar e o movimento
internacional que se gerou obrigou as autoridades a desistir da condenação e a
deixá-la sair do país. A Meriam Yahia Ibrahim Isha e o marido Daniel Wani,
gravemente doente, têm dois filhos pequenos. A mais nova, a Maya, nasceu em
Maio passado, na prisão.
Ao saírem do país, quiseram ir direitos a Roma. «O Papa – referiu
o porta-voz Vaticano – agradeceu à Meriam o seu testemunho de fé» e ela e a família
«agradeceram ao Papa a proximidade, as orações e o seu apoio e o apoio da
Igreja». O porta-voz do Vaticano diz que o encontro foi «muito sereno e afectuoso».
O Papa «quer estar próximo de todos os que sofrem pela fé, vivendo-a em
situações de dificuldade e de provação, e por isso [este encontro] é também um
símbolo, para além de uma ocasião tão maravilhosa».
A Meriam dizia aos jornalistas que estava feliz por ter
conseguido fazer escala em Roma e acrescentou (não sei se isto é importante,
mas chamou-me a atenção): «…tinham ido à Missa no Domingo, tinha voltado a
viver».
O Papa não se cansa de resgatar gente da violência. Umas
vezes consegue, outras não, mas insiste. Ainda este Domingo pedia que tivessem
pena das crianças: «Com a guerra perde-se tudo e com a paz não se perde nada.
Irmãos e irmãs: não mais guerra, não mais guerra. Penso sobretudo nas crianças
a quem se rouba a esperança de uma vida digna e futura, crianças mortas,
crianças mutiladas, crianças que brincam com resíduos bélicos: por favor, parem!
Peço-vos de todo o coração, parem, por favor».
Acrescentou que «o cristão não pode esconder a sua fé,
porque ela tem de transparecer em cada palavra, em cada gesto, até nos gestos
mais simples do dia-a-dia». «Rezemos por intercessão da Virgem Maria…».
Noutro dia desta semana, o Papa lembrou a parábola do
tesouro escondido e da pérola preciosa. O Reino de Deus é um tesouro que se
encontra, uma pérola preciosíssima que se descobre. «Em ambos os casos, o
tesouro e a pérola valem todos os outros bens (…) e quando os encontra, o
negociante renuncia a tudo para os comprar. Não precisa de fazer muitas contas,
de pensar, de reflectir: percebe o valor incomparável que encontrou e está disposto
a perder tudo para o alcançar».
Lembrei-me da Meriam e da família, que tinham estado com o
Papa. Lembrei-me da Asia Bibi, uma mãe do Paquistão que, por ser católica, está
há cinco anos no corredor da morte, à espera de um desfecho que pode vir a
qualquer momento. Uma pessoa vê estes exemplos e acaba a olhar para si própria.
A minha fé transparece no quotidiano?… E se Deus me chamar hoje, eu respondo
que sim?
José Maria C. S. André
«Correio dos Açores»,
3-VIII-2014
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