Foto não corresponde ao momento desta entrevista, mas sim de uma outra em 2010 |
– Como recebeu a notícia do anúncio de que já tínhamos um novo Papa? Que sensações lhe passaram pelo coração nesse momento?
– Foi uma grande alegria. Nós, católicos, necessitamos de ter um pai comum na terra, vigário de Cristo na Igreja universal. Ao ver o fumo branco, ajoelhei-me para rezar por ele, ainda sem saber quem era. Renovei interiormente o meu desejo de ser um bom filho do Romano Pontífice.
Quando o novo Papa Francisco falou pela primeira vez da varanda das bênçãos, mencionou todas as pessoas de boa vontade. E pensei que, além dos católicos, o Papa leva o peso, as alegrias e as dores de toda a humanidade. Por isso, junto da alegria, senti também o desejo intenso de que todos rezemos pelo sucessor de Pedro, e experimentei um desejo filial de convidar as pessoas a amar o Romano Pontífice.
– Das palavras do Papa nestes primeiros dias do seu Pontificado, com que é que se fica? O que é que lhe chamou a atenção? O que é que o interpela?
– «Cristo é o centro», disse aos jornalistas na audiência de 16 de março. Recordou-me o que São Josemaria nos repetia: «É de Cristo de quem temos que falar e não de nós mesmos». Isto remete-nos verdadeiramente para o essencial. O Papa Francisco falou-nos também da ação do Espírito Santo. É necessário ler nesta chave o último conclave e toda a história da Igreja: a partir da fé.
– Estamos diante do primeiro Papa latino-americano da história. Pela sua experiência como prelado do Opus Dei, quais os contributos dos cristãos da América Latina para a velha Europa?
– Na América Latina toca-se o bom espírito de manifestar a caridade com carinho, com um afeto palpável. Esse calor humano ajuda tantas vezes a evitar os preconceitos para com os outros, a evitar certa complexidade intelectual que turva as relações de uns com os outros, a forjar relações interpessoais verdadeiramente humanas. Uma manifestação desta capacidade de amar traduz-se na piedade popular que se mantém muito viva em tantos países da América, com uma devoção à Mãe de Deus que é ao mesmo tempo terna e rija, e que contem uma atitude muito enriquecedora para a humanidade inteira. Tudo isto é um dom para a Igreja.
– Pouco a pouco vamos conhecendo detalhes do Santo Padre: viaja de autocarro, vivia num pequeno apartamento em Buenos Aires... Crê que estes pequenos gestos do dia a dia são os que podem interpelar aqueles que têm uma imagem estereotipada dos sacerdotes, dos cardeais, da Igreja em geral?
– Esta austeridade é uma nota comum dos últimos papas – com algumas manifestações externas diferentes – e também de uma grande maioria de sacerdotes, que têm apenas o suficiente para viver, e muitos nem sequer isso têm. Como o senhor diz, trata-se de um estereótipo. Conto-lhe o caso de um cardeal que veio uma vez à Pontifícia Universidade da Santa Cruz; entre duas atividades, às 5 da tarde, houve um «coffee break». Enquanto tomava alguma coisa, comentou: «Sabe, é que esta noite não janto, não tenho ninguém que me ajude a preparar um jantar». Este caso não se repete com todos, mas os exemplos poderiam multiplicar-se.
A falta de bens materiais, como dizia São Bernardo, não supõe por si só uma virtude, mas essa virtude consiste em amar a pobreza, que também se traduz por esses gestos de renúncia. Esta disposição é mais eficaz quando a pessoa sabe prescindir de bens supérfluos e está desprendida do que tem. Certamente, como dizia São Josemaria, a pobreza traz para o homem um tesouro na terra e, a este propósito, punha como modelo os pais de família numerosa que, no seu esforço por criar os seus com amor, renunciam com gosto a tantas coisas pessoais. Apresenta-se-nos, portanto, como uma virtude para amar – assim no-lo ensinou Jesus – e está incluída na caridade. Simultaneamente, temos que fazer todo o possível para aliviar o sofrimento causado pelas injustiças pessoais e sociais, e acho muito natural que em certas ocasiões nos invada mesmo a impaciência perante tantas injustiças que desejaríamos resolver.
– A reforma da Cúria, a nova evangelização... São muitos os assuntos que os cardeais abordaram ao longo das congregações gerais. De todos esses assuntos que estiveram em cima da mesa, qual considera de maior urgência para a Igreja?
– Certamente, a Cúria – por uma lógica sobrenatural e também humana – adapta-se a cada Papa e às necessidades da Igreja, de acordo com os tempos. Mas não me compete assinalar o prioritário; está nas mãos do Santo Padre, que não tem outro objectivo senão o de servir a todos. Ao falar de uma reforma, que pode ser necessária, sabemos que em Roma trabalham muitas pessoas com abnegação, com grande espírito de serviço, nalguns casos longe da sua pátria e da sua família e com uma retribuição modesta.
Obviamente, eu não estava nas congregações gerais, onde os cardeais falaram entre si, mas não há dúvida de que a nova evangelização continua a ser uma prioridade para a Igreja. Parece-me que o estilo simples e direto do Papa é uma ajuda de grande peso nesse sentido.
– No comunicado que o Senhor emitiu há uns dias, destacou o chamamento do Papa Francisco a evangelizar. Como se traduz esse convite do Santo Padre ao carisma concreto do Opus Dei? Quais são os reptos nesse sentido?
– O lema do cardeal Bergoglio foi «miserando et eligendo». Provém de um texto de São Beda, o Venerável, que todos os anos lemos na Liturgia das horas. Trata-se de um comentário à chamada de Mateus. Jesus tinha piedade, misericórdia, e ao mesmo tempo chamava os seus discípulos a segui-l’O. A vocação contém uma prova de amor; nasce do coração divino cheio de misericórdia. São Beda comenta que Jesus viu «mais com o olhar interior do seu coração do que com os Seus olhos corporais».
São Josemaria, com a mensagem recebida de Deus, veio recordar que todos estamos chamados à santidade e costumava comentar: «Que eu veja com os Teus olhos, meu Cristo, Jesus da minha alma». Penso que a urgência de evangelizar – sempre atual na Igreja – manifesta-se num convite para olhar para as pessoas, para todos, com visão apostólica, com misericórdia e com carinho, com o desejo de os ajudar a receber o grande dom do conhecimento de Cristo e do Seu amor.
O espírito do Opus Dei impulsiona os fiéis da Prelatura – sacerdotes e leigos – a tomar consciência de que na vida corrente, no mundo das profissões, na família, nas relações sociais, temos que nos empenhar em descobrir que os outros necessitam de nós, não porque sejamos melhores, mas porque somos irmãos. Como disse São Josemaria, precisamente durante uma catequese em Buenos Aires, «quando trabalhais e ajudais o vosso amigo, o vosso colega, o vosso vizinho de maneira que ele não o note, estais a curá-lo; sois Cristo que sana, sois Cristo que convive aceitando com gosto aqueles que necessitam da saúde, como nos pode suceder a nós um dia qualquer».
Tudo isso significa também levar e amar a cruz, de que também falou o Papa Francisco na sua primeira homilia. E, como pregava o cardeal Bergoglio na sua homilia na última Missa Crismal, há que ter «paciência com as pessoas» ao ensinar, explicar, escutar, contando sempre com a graça do Espírito Santo.
– Como pode ajudar o Papa Francisco o facto de saber que perto dele estará o Papa emérito Bento XVI?
– Penso que o Papa sentirá sobretudo a força e a companhia espiritual do seu predecessor. E que poderá apoiar-se com frequência no rico e atual magistério de Bento XVI. O carinho que todos lhe temos na Igreja torna-se maior, pois sabemos que reza por nós na sua missa e na sua oração, e que apoia a nossa união incondicional ao Papa Francisco. Neste sentido, considero importante respeitar a vontade de Bento XVI de desaparecer aos olhos do mundo, para que fique patente que há um só Papa e não se confundam as pessoas que porventura tenham menos formação cristã ou pouca cultura teológica. Agora o Romano Pontífice é o Papa Francisco, a quem o anterior Pontífice prometeu gostosa e total veneração e obediência.
Bergoglio, diante da tumba de São Josemaria
D. Javier Echevarría conhece o Papa atual? «Encontrei-o em várias ocasiões, aqui em Roma (por exemplo, em várias assembleias do Sínodo de Bispos) e em Buenos Aires. É uma pessoa afetuosa, um sacerdote ao mesmo tempo austero e sorridente. Próximo dos doentes e dos necessitados, tanto material como espiritualmente. Possui uma forte personalidade. Sabe, com clareza de filho de Deus, o que quer e o que não quer. Todos sabem que pede sempre orações por si mesmo e que reza muito pelos outros», assegura o prelado do Opus Dei, que revela um detalhe: «Numa ocasião veio a esta casa, há já uns anos, para visitar o túmulo de São Josemaria, que se encontra na igreja prelatícia de Santa Maria da Paz. O cardeal Bergoglio permaneceu de joelhos uns 45 minutos. A sua capacidade de rezar – sem pressa – é um exemplo para todos, porque na oração o cristão encontra também a luz e o consolo do Senhor».
À frente da Obra
Procurar Deus no quotidiano
Fundado em 1928 por São Josemaría Escrivá (Barbastro, 1902-Roma, 1975), atualmente o Opus Dei conta com mais de 90.000 membros. Cerca de 98% são leigos e a maioria, casados. À volta de 2.000 são sacerdotes. Com um carisma centrado na ajuda a encontrar Cristo no trabalho, na vida familiar e nas demais atividades correntes, esta realidade eclesial leva a cabo atividades educativas, assistenciais, culturais, que possuem uma marcada finalidade de serviço e formação: escolas, hospitais, universidades, centros de formação profissional, etc. O prelado do Opus Dei está à frente da Obra na sua missão de difundir a chamada universal à santidade e de promover o apostolado dos fiéis da Prelatura. Na vida do Opus Dei, que tem desde a sua origem um marcado caráter de família, chama-se, simplesmente padre. Pois bem, este padre, atualmente é D. Javier Echevarría (Madrid, 1932), que sucedeu em 1994 a D. Álvaro del Portillo, que conduziu as rédeas do Opus Dei depois da morte do fundador.
Sem comentários:
Enviar um comentário