Obrigado, Perdão Ajuda-me

Obrigado, Perdão Ajuda-me
As minhas capacidades estão fortemente diminuídas com lapsos de memória e confusão mental. Esta é certamente a vontade do Senhor a Quem eu tudo ofereço. A vós que me leiam rogo orações por todos e por tudo o que eu amo. Bem-haja!

quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

"Uns e os outros" crónica de Patrícia Reis

O que acontece é que viver em guerra não é viver. Eu sou judia e sou palestiniana. Sou israelita. Vivo aqui. Optei por isto. E isto são rockets e sentimentos de medo e pânico de fazer a boca secar. São pesadelos sobre o futuro que pode não chegar. Vivemos em extremos. Todos os dias como se fosse o último. Há anos que é isto. Quando na comunidade internacional falam em tréguas esboço um sorriso. Quando vejo a CNN mudo de canal. Nos dias de folga, se os há, leio poesia no refúgio e vejo as crianças da minha rua a entender os sinais de guerra com uma clareza extraordinária. Há muita coisa que não entendo. Viver aqui sempre foi estranho, é verdade. É um deserto que nunca deixará de ser duro e cruel. Estamos destinados à guerra, disse-me uma senhora de idade há uns dias. Disse-me isto baixinho, as duas à espera de reforços, a ver se o marido sobrevivia. Atravesso as cidades com a ambulância em estado de emergência. Vivo com as mãos cheias de sangue. Sangue de uns e de outros. Quando a agulha entra num braço, qualquer braço, desaperto o meu garrote com eficácia e vejo com transparência o que somos: iguais por dentro, o mesmo sangue, as mesmas vísceras, cada órgão do corpo a reclamar uma identidade única e universal, por ser apenas humana. Nada mais. Custa-me pegar nas crianças. Vê-las mortas, para lá de um qualquer socorro. Vou para onde me chamarem. Atendo qualquer um. Tenho um distintivo internacional que me confere essa legitimidade: sou a favor da salvação. Sou quase Deus aqui na terra onde Deus viu o seu Filho pedir perdão por nós e morrer uma morte horrível. Todas as mortes são horríveis. A violência tem esse condão de nos petrificar, contudo não nos isenta dos actos posteriores, das réplicas que, sendo em número suficiente, nos deixam a bradar de horror ao mesmo tempo que as prolongamos à exaustão. Quem começou? Quem tem direito a quê? Quem violou regras? O estado do mundo é o estado deste deserto. Confuso. Paranóico. Cruel. Prepotente. Pobre. Rico. Banal. Em guerra. Uns com os outros, apesar de o sangue jorrar da mesma cor. 


(Crónica de Patricia Reis publicada no Semanário Económico de 10 de Janeiro de 2009)

Sem comentários: