Em 1976, talvez a nota mais importante dos acontecimentos registados pela imprensa, sem omitir o desaparecimento de Chou En-lai, a chegada dos cubanos a Angola, a democratização do poder político em Portugal, as mortes de Mao Tsé-tung e de André Malraux, terá sido a outorga do Prémio Nobel a Milton Friedman, que afirmava que as maiores crises económicas resultam, segundo uma das notícias que o resumiam, de erros dos responsáveis financeiros, políticos e administrativos.
Não está ali previsto que essa acumulação de erros levaria à crise mundial das finanças e da economia, sem qualquer responsável identificado entre as categorias enumeradas pelo sábio, tudo atribuído ao disfuncionamento do sistema.
Nesse mesmo ano, vivendo um clima de sociedade de abundância e do consumismo na área ocidental, Pierre Chaunu, Professor da Universidade de Paris - Sorbonne, e Georges Suffert, redator do jornal Point, publicavam uma entrevista na qual o professor anunciava a peste branca aos ocidentais distraídos da perda de hegemonia sobre o resto do mundo, guardando a imagem das supremacias perdidas enquanto a realidade evoluía para as circunstâncias catastróficas em que entramos no III Milénio.
O uso da expressão - peste - era aparentemente usado para lembrar as catástrofes medievais que dizimavam as populações indefesas contra o flagelo. Mas tinha em vista destacar dois imperativos, que o entrevistador considerou categóricos, a sobrevivência de uma área geográfica, a Europa, onde as liberdades públicas continuam a ser a pedra angular do sistema social, e a necessidade absoluta de inverter a curva demográfica.
Por essa data não se tornara comum a previsão do aumento de um bilião de habitantes do globo em cada década, mas já era evidente que o declínio da população europeia se agravava. A necessidade de reagir contra esta relação quantitativa, que a supremacia política exercida não deixara antever, tinha como adversário o que chamou peste branca, de efeitos diferentes, mas de igual gravidade à peste negra de 1348.
A imagem, e a mensagem implícita, teve em primeiro lugar que ver com o global crescimento da população mundial, que não deixou de acentuar a debilidade europeia. Na data, porém, a preocupação estava limitada à população europeia, mas não tinha ainda em conta o grupo que, diferenciado da sociedade civil do conceito europeu, é por vezes designado por multidão e constituído pela heterogenia da composição dos emigrantes, legalmente entrados, ou clandestinamente instalados, cuja taxa de natalidade é superior e crescente.
Mas a peste anunciada, tal como os factos estão a demonstrar, abrange outros aspetos, que aumentaram de evidência e de importância. Além dos riscos evidentes, e largamente comentados e discutidos, para o desenvolvimento do processo de unidade europeia, a peste envolve crescentemente o espírito dos europeus perante os desafios da circunstância.
Na expressão usada naquela data, depois de lembrar o passado de sonhos, grandezas e perdas da história europeia, definia uma situação vigente de "três mil milhões e meio de seres humanos que adormeciam cada noite sob a proteção de satélites, radares e bombas". Mas, prevendo a longa investigação que seria necessária "para retardar o envelhecimento, liquidar o cancro, vencer a penúria alimentar, crescer o nível global da cultura, numa palavra preparar uma nova etapa na história do homem", concluía que esta área a que pertencemos estava ameaçada na sua sobrevivência e que "os homens que a compõem sentem-na e resignam-se ao desespero. É a peste branca", bem mais grave do que a de 1348. Não é frequente que as previsões antecipem tão aproximadamente o futuro, e a supercomplexidade a que chegámos torna ainda menos possível prospetivar com êxito. Mas o presente doloroso em que nos encontramos exige uma rigorosa luta contra essa falta de esperança. Para o que é indispensável aparecerem lideranças fiáveis.
Adriano Moreira in DN online
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