Nas grandes crises, o primeiro capital a recuperar e fortalecer é a esperança de ultrapassar as circunstâncias adversas a caminho de um novo futuro. Na circunstância da União Europeia, que teve na realidade americana semelhanças difusas, o tempo dedicado a reuniões institucionais sem conclusões, a reuniões não institucionais de figurino equívoco, a declarações de responsáveis rapidamente lidas como desabafos, multiplica-se enquanto dura e cresce o tempo de espera dos europeus. No mesmo dia pode receber-se de fonte oficial o anúncio da data do fim da crise, que rapidamente é traduzido para ponto de viragem, e depois para princípio do fim. Se isto acontece num debate que não fará história, o incidente será esquecido, mas já as coisas são diferentes e graves quando os órgãos institucionais da União parecem remetidos para simples destinatários das cogitações de dois chefes de governo dos países membros, a Alemanha e a França, que vão fazendo crescer a lembrança do directório, um modelo que sempre destruiu a Europa, mas sem adiantarem uma directiva que torne claro o pensamento final para o qual esperam adesão. De facto, a única coisa que dia-a-dia fica mais clara é que o Tratado de Lisboa não é um instrumento susceptível de ser racionalizado no que respeita à distribuição de competências, uma questão que não foi resolvida pelo exercício, o que também seria possível acontecer segundo a experiência de alguns países. Mas as coisas não são mais claras nos Estados Unidos, onde democratas e republicanos já não disputam o Yes, we can, que distribuiu um fugaz anúncio de melhor futuro pelo mundo ocidental durante o período de debate eleitoral que levou Obama à presidência. Como era previsível, a clarificação das responsabilidades internacionais desenvolvidas pela Administração anterior parece ocupação suficiente, que até agora não permitiu assumir que a crise do Ocidente não é apenas europeia. Por tudo, se a perda de tempo pelos decisores políticos deixar aprofundar os riscos que atingem o projecto europeu, não estará no horizonte apenas um mundo sem voz da Europa, estará um Ocidente que definitivamente terá de recordar os que de longe avisaram sobre a sua hora de decadência. Algum governo, algum órgão da União, alguma voz europeia que desperte para a liderança que falta, tem de fazer compreender aos príncipes que nos governam que o tempo perdido é o tempo dos outros, e que perder o tempo dos outros é destruir o futuro de todos. A resignação a uma entidade sem rosto chamada mercado, que tem um credo que fala pelas estatísticas, traduz-se num alienar de responsabilidades que remete para uma situação de redundância os tratados e sedes de gestão internacional, e que leva analistas a falar de anarquia quando pretendem caracterizar a situação. A referência, por vezes desculpabilizante, ao globalismo dominante acentua essa conclusão desanimadora, e faz reparar em que tal invocação ainda não levou a reunir-se nem a Assembleia Geral da ONU nem o Conselho Económico e Social. Talvez o que aconteceu na UNESCO, onde os EUA voltaram à regra, que já ali invocaram no passado, de que não podem estar numa organização onde quem paga não manda e quem manda não paga, também esteja a ser paralisadora dessas instâncias. Entretanto, os responsáveis europeus poderão, em cooperação, lembrar-se de que os europeus esperam, que as conclusões da última cimeira não fortalecem a esperança, e que o desespero é o ponto final de tais situações. Por isso foi tão inquietante o procedimento, fora do quadro legal, dos aparentes candidatos a directores da União, esquecidos de que foi essa ambição que, em todos os casos, levou à guerra. A questão do euro tornou-se o ponto de articulação do projecto de unidade, e a clareza não foi implantada. Acresce o risco de uma Europa sem Inglaterra, e indiferente às ameaças à paz. Não é fácil reconhecer que a divisão entre ricos e pobres não continua como linha de fractura do discurso da unidade europeia. De facto, os europeus continuam à espera, a mais fatigante das perspectivas.
Adriano Moreira in DN online
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