«Eu e o David estamos à espera de gémeos. Esperamos que a imprensa respeite a nossa privacidade» – eis a declaração pública de Neil Patrick Harris, protagonista da série televisiva «How I met your mother» e, segundo as mesmas fontes, «corajoso» «homossexual assumido».
Tenho duas boas razões para me pronunciar sobre o caso: não só sou gémeo como, por ser trigémeo, fui com essas minhas duas irmãs notícia por esse motivo. Mas, esclareça-se, não por inconfidência familiar, pois os nossos pais teriam preferido manter a novidade no recato da família e dos amigos. Hoje seríamos notícia por mais uma razão: para além do insólito triplo nascimento, sem o truque da fertilização artificial, acresce a proeza de sermos filhos de um pai e de uma mãe, e não de dois homens ou de duas mulheres.
É caricato, se não mesmo absurdo, o anúncio mediático de um acontecimento que se pretende privado: se o interessado não respeita a intimidade da sua vida, que não só «assume» como também exibe, com que direito exige reserva aos meios de comunicação social?! Ao revelar o facto à imprensa, este deixa logicamente de ser do âmbito da sua privacidade, pelo que não faz sentido pedir que se respeite como particular uma notícia que já o não é, precisamente porque foi pelo próprio posta na praça pública. Só tem direito à discrição quem não faz alarde das suas circunstâncias pessoais e familiares.
Não deixa de ser curioso que o principal actor de «How I met your mother» espere, com outro homem, gémeos, porque, pelo menos na minha família, talvez excessivamente conservadora e tradicional, foram sempre as mães que ficaram à espera…
Supõe-se que quem aguarda os filhos são os respectivos pais, biológicos ou adoptivos. Mas não duas pessoas do mesmo sexo, que não são evidentemente os progenitores, nem podem, por esse motivo, fazer as suas vezes. Por isso, é logicamente defensável e eticamente exigível a proibição legal da adopção por dois indivíduos do mesmo sexo. Pode-se ser pai, sem mãe, ou mãe, sem pai, mas dois homens ou duas mulheres, mesmo sendo óptimas pessoas, nunca poderão ser pai e mãe de ninguém. Quanto muito dois «pais», ou duas «mães», mas não pai e mãe, que é o que se exige para o são desenvolvimento de um ser humano. Uma segunda «mãe» não substitui o pai, como um segundo «pai» não supre a ausência materna. Estes gémeos, não obstante os seus dois «pais», têm a desgraça de não serem, desculpe-se o termo, filhos da mãe.
A que título serão então acolhidos, por Neil e pelo seu amigo David, estes gémeos? Tudo leva a crer que mais não são do que um complemento da sua sui generis união, infecunda por natureza, de que não são a continuação natural, mas um artificial apêndice. Obtido, talvez, através de uma «proletária», ou seja, uma mulher anónima cuja maternidade fica reduzida à procriação da «prole», que depois enjeita em benefício de terceiros.
Neil Harris será muito valente ao «assumir» publicamente a sua tendência sexual, mas não o é quando se trata de arcar com uma consequência necessária a essa sua opção: a impossibilidade de geração. Pior: esquece que os «seus» gémeos não assumiram a infelicidade de serem órfãos de mãe viva, cuja identidade seguramente nunca conhecerão; que não escolheram o triste fado de nem sequer terem uma mãe adoptiva; que certamente nunca saberão qual dos seus dois «pais» foi o seu progenitor pois, nesse caso, o outro «pai» deixaria de o ser; que provavelmente nunca poderão ter outros irmãos, filhos dos mesmos progenitores; e que nem sequer tiveram direito à privacidade porque, antes até de nascerem, houve quem fizesse questão de se gabar publicamente da proeza da aquisição dos irmãos em gestação.
É de crer que as duas crianças sejam esperadas com amor, mas foram condenadas à infelicidade de nunca experimentarem a ternura de um colo materno. E, nos bastidores deste drama, é provável que haja uma mulher explorada, uma mãe silenciada, comprada, usada e, por fim, descartada. Esperemos que a Neil Patrick Harris não lhe falte a coragem, quando tiver que explicar aos gémeos «How I met your mother».
Gonçalo Portocarrero de Almada
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